As pessoas pensam mais em doenças, mas precisamos pensar mais em saúde e produção de vida
Para que os esforços para tratar de saúde mental funcionem no Brasil, é preciso termos uma nova percepção sobre o tema. Em conversa com o Brasil de Fato, especialistas na área reforçam a necessidade de que as políticas, ações e efemérides - como o Setembro Amarelo - não se limitem à medicalização e individualização e proponham soluções sociais e coletivas.
Em julho, o Ministério da Saúde (MS) ampliou o orçamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em mais de R$ 200 milhões para este ano ainda. Com o reforço, o total destinado às unidades da federação para políticas de saúde mental ultrapassa R$ 400 milhões de reais em 2023, um aumento de mais de 20%.
Ariadna Patrícia Alvarez, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), afirma que o investimento é fundamental para superar os prejuízos ocorridos com o desmonte dos últimos anos.
“Essa é a direção, investir na rede de atenção psicossocial, que durante os últimos anos - de 2016 até 2022 - sofreu um sucateamento terrível. Ainda vemos os efeitos desse desinvestimento dos últimos anos no cotidiano dos serviços, que passam por muitas dificuldades."
"O estrago foi muito grande. Há um reparo a se fazer para ampliação e fortalecimento dos serviços que já existem para que tenhamos uma rede que realmente ofereça resposta às questões de de saúde mental.”
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Os valores serão repassados aos mais de 2,8 mil Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do país e para os 870 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT). O MS habilitou ainda novos serviços para expansão da rede em todo país. De março até agora, foram inaugurados 27 novos CAPS, 55 SRT, 4 Unidades de Acolhimento e 159 leitos em hospitais gerais.
Além disso, nos próximos meses o tema saúde mental está na agenda oficial do poder público. Em outubro, o Brasil terá sua primeira Semana Nacional de Conscientização da Depressão e já começou a campanha global que propõe diálogo e ação para prevenção do suicídio, Setembro Amarelo.
Para Ariadna Patrícia Alvarez, além do investimento é preciso propor soluções sociais e atacar problemas estruturais. A falta de direitos básicos e garantias de saúde, educação, trabalho, alimentação, também podem levar ao sofrimento mental. A especialista defende que a valorização da vida depende mais de convivência e bem viver do que de campanhas pontuais.
“Se entendemos que a saúde mental está no campo de várias disciplinas, saberes e categorias profissionais, precisamos ter um certo cuidado no que se refere a essas campanhas. O objetivo dela é trazer um debate público sobre o suicídio e como prevenir esse fenômeno, mas em relação à eficácia, já existem algumas pesquisas dizendo que esse número se manteve estável, ou seja, não reduziu o número de suicídios e, em algumas faixas etárias aumentou. Falar sobre saúde mental é um tema que é permanentemente importante.”
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Paulo Amarante, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), afirma que a efeméride precisa se distanciar da concepção individual dos problemas de saúde mental.
“Esse é o modelo biomédico da psiquiatria. que criou essa narrativa de uma psiquiatria que cada vez mais se afasta das ciências sociais humanas, da psicanálise, da psicologia, da sociologia, da antropologia. É um pretenso modelo que afasta as explicações de ordem coletiva, processual a histórica.”
Segundo o especialista, o tratamento focado em indivíduos leva à medicalização, o que piora o problema e cria “um saco sem fundo” de demandas não analisadas e não enfrentadas. Desde o início do século, estudos indicam que algumas classes de antidepressivos podem potencializar o comportamento suicida.
Amarante defende investimentos que vão além do setor da saúde. É necessário capacitar profissionais de maneira crítica e melhorar a rede, mas a sociedade e o poder público também precisam buscar novas maneiras de coletividade, interação, geração de renda e trabalho.
“Temos que defender não apenas os tratamentos, achar que as coisas se reduzem a uma aplicação tecnológica de tratamento, mas a forma de desenvolvimento de outras relações sociais, de companheirismo, de mutualidade e solidariedade. Também de geração de renda, economia solidária. É uma produção de uma economia coletiva, feita de todos para todos. Não é só a economia no sentido financeiro do dinheiro. Economia no sentido da dinâmica política que você produz. As pessoas pensam muito mais em doenças. Nós temos que pensar mais em saúde e produção de vida.”
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De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil suicídios são registrados por ano em todo o mundo. A entidade ressalta que esse número pode ser ainda maior e chegar a 1 milhão, mas a subnotificação impede que se trace um cenário mais próximo da realidade.
No Brasil, os registros contabilizam cerca de 14 mil casos por ano. Isso significa que, a cada 24 horas, em média 38 pessoas decidem tirar a própria vida no país. No período de 2010 a 2019, foram notificados mais de 112 mil suicídios em território nacional, a maior parte entre pessoas em idade produtiva, o que reforça a percepção de que trabalhadores e trabalhadoras estão em situação de fragilidade.
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), aponta que, em 2019, mais de 10% das pessoas com mais de 18 anos no Brasil receberam diagnóstico de depressão, terceira maior causa de afastamento do trabalho.
Edição: Rodrigo Durão Coelho