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Sobre intenções e atos: as pequenas expectativas para o G20 na Índia

Os interesses nacionais, as disputas partidárias e poder dos de grandes grupos econômicos levam à quase paralisia

São Paulo (SP) |
Centro de mídia no local que sediará o G20, na Índia - Tauseef Mustafa / AFP

Entre os dias 9 e 10 de setembro, a Índia sediará a 18ª Cúpula do G20. O tema da reunião, “Uma Terra · Uma Família · Um Futuro”, foi extraído do antigo texto sânscrito de Maha Upanishad, que ressalta o valor de toda a vida – humana, animal, vegetal e microrganismos – e a sua interligação no planeta Terra e no Universo. O país sediará o encontro em meio ao clima de um grande ufanismo, já que a Índia conseguiu fazer o primeiro pouso de uma sonda no polo sul da Lua.

O G20 foi criado em 1999 na esteira da crise financeira que abalou a Ásia dois anos antes. Em princípio, era uma reunião de ministros da economia e presidentes de bancos centrais dos países com maior representatividade econômica do mundo. Ele foi idealizado com um fórum para a cooperação econômica internacional e para impulsionar os mecanismos de governança global. Em 2008, na esteira da crise financeira que se espalhou após da quebra do Lehman Brothers, o fórum foi elevado para uma reunião de chefes de estado.

A reunião de cúpula anterior ocorreu em Bali, na Indonésia. O tema principal do encontro deveria ter sido a superação dos efeitos recessivos da pandemia e a recuperação econômica, mas, naquele momento, as atenções dos líderes mundiais se voltavam para a guerra na Ucrânia e seus impactos. Alguns líderes defenderam a exclusão da Rússia, mas a ideia foi rejeitada pela maioria dos membros. A declaração final fez menção à guerra, mas evitou de condenar explicitamente o governo de Vladimir Putin. A solução encontrada para se conseguir aprovar uma declaração conjunta foi a de reiterar as posições de cada membro do G20 na Assembleia Geral da ONU (Resolução n.º ES-11/1 de 2 de março de 2022) e, ainda, citar a preocupação com os danos provocados pela guerra, como a restrição ao crescimento do PIB mundial, o aumento da inflação, a piora da insegurança energética e alimentar e, por fim, a elevação dos riscos para a estabilidade financeira. Outras menções foram feitas acerca da cooperação internacional para o combate de pandemias, a importância da ciência e tecnologia e inovação para o desenvolvimento e o enfrentamento dos efeitos da mudança climática.

Para a cúpula de Nova Delhi, além dos 20 membros tradicionais, foram convidados os líderes de Bangladesh, Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Ilhas Maurício, Países Baixos, Omã, Singapura e Espanha. Também participarão dos debates representantes de organizações do Sistema ONU, FMI, Banco Mundial e dirigentes de fóruns regionais, como a ASEAN. Dentre os chefes de estado, chama a atenção das ausências de Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China), Lopez Obrador (México) e do Rei Salman Bin Abdulahziz Al Saud (Arábia Saudita).

Vale destacar que os trabalhos do G20 têm início bem antes da reunião de Cúpula. Eles são realizados pelos chamados “sherpas” (uma alusão ao povo tibetano que auxilia montanhistas para subir o pico Everest), que são os representantes diplomáticos de cada país no grupo. Os sherpas estão distribuídos em diversas comissões que tratam temas como economia, desenvolvimento, corrupção, turismo, comércio e investimentos, meio ambiente e mudança climática, agricultura, educação, emprego etc. Posteriormente, o trabalho dos sherpas é refinado pelos ministros de relações exteriores com vistas a obter um consenso mínimo entre os chefes de estado. Paralelamente ao G20, são organizadas reuniões com membros da sociedade civil como líderes sindicais, empresários, acadêmicos, cientistas, ativistas sociais, lideranças femininas etc.

Em tese, os temas e as discussões do G20 possuem uma importância global, pois são debatidos exaustivamente diversos problemas candentes e de grande impacto social. Para além da declaração final, são produzidos diversos relatórios que podem servir de guia para a ação dos governos e da sociedade. Vale a pena acessar o conjunto de documentos emitidos pelo G20 da Indonésia, onde foram apensados diversos relatórios setoriais.

A última etapa de preparação, o refino dos trabalhos dos sherpas, ocorre entre 3 e 6 de setembro, quando os ministros de relações exteriores decidirão sobre o conteúdo do “comunicado conjunto” a ser divulgado. Há uma expectativa de que o documento avance em questões econômicas e deixe de lado temas mais sensíveis, como geopolítica e a guerra na Ucrânia. Serão mencionadas as ações para os principais temas de trabalho nos subgrupos e ainda o montante de recursos a ser prometido para o enfrentamento da mudança climática, entre outras medidas.

Um aspecto a ser considerado será o papel dos países do chamado Sul Global, que ganharam um novo protagonismo com a recente expansão do Brics. Cabe destacar que na cúpula da Índia, além dos cinco membros atuais dos Brics, participarão os recém-adicionados: Argentina e Arábia Saudita (já membros do G20) e Egito e Emirados Árabes Unidos. Existe uma forte expectativa que a União Africana seja admitida no G20. Por fim, é preciso considerar que a maior parte do crescimento do PIB mundial nos próximos anos virá justamente dos países em desenvolvimento.

Um tipo de reunião como o G20, que congrega países de diversos níveis de desenvolvimento, de distintos modelos econômicos e com diferentes graus de articulação política, não tem como oferecer medidas práticas e imediatas contra os grandes problemas globais, como o subdesenvolvimento, a fome, a mudança climática, os direitos humanos ou o fim de conflitos armados. Basta recordar a lacuna entre intenções e atos de eventos como as Conferências sobre Meio Ambiente (COPs) e mesmo a reunião do G7. As declarações finais são sempre repletas de promessas e boas intenções, mas na falta de uma efetiva autoridade internacional para fazer cumprir e fiscalizar as metas acordadas, os textos servem apenas como peça de literatura e tema de estudo para alunos de Relações Internacionais. O presidente Lula, por exemplo, continua cobrando os US$ 100 bilhões prometidos pelos países ricos para a proteção de florestas tropicais na COP de Paris, em 2015. Na prática, os interesses nacionais, as disputas partidárias e poder dos de grandes grupos econômicos levam à quase paralisia de cada governo com relação aos termos acordados. Nesse aspecto, cabe perguntar: o presidente dos EUA Joe Biden já conseguiu aprovar no Congresso de seu país a colaboração de US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia que foi prometida pelo Assessor para Meio Ambiente John Kerry?

De forma geral, as reuniões de mecanismos internacionais de cooperação como o G20 têm importância em trazer à tona os grandes problemas enfrentados pela humanidade. Também possui relevância de ser um fórum em que os dirigentes dos principais países possam debater frente-a-frente as suas posições sobre diferentes tópicos. Entretanto, o “locus” para a efetiva transformação da realidade continua sendo o espaço nacional de cada país, onde se confrontam os interesses de grupos e classes sociais. Do ponto de vista do Brasil, uma solução efetiva para grande parte dos temas debatidos no G20 depende de organização e força política no Congresso e na sociedade.

Por fim, é importante acompanhar os recentes avanços obtidos no Brics para ver se conseguimos superar a lógica até aqui verificada nas inúmeras conferências e cúpulas internacionais. Mas ainda assim, não podemos esquecer que os avanços em qualquer tipo de cooperação entre diversos países dependem de nossa ação doméstica, seja para frente à mudança climática, para eliminar a miséria ou para a superação do atraso econômico e tecnológico. Está em nossas mãos transformar as intenções em atos.

* Marcos Cordeiro Pires é professor da Unesp. Docente dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Marília) e Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp-Unicamp-PUC-SP). Pesquisador do Instituto Nacional de Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU).

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Thales Schmidt