A desigualdade no acesso aos equipamentos e bens culturais reflete as disparidades socioeconômicas do país, de acordo com diversos levantamentos. Mais especificamente no campo do audiovisual, a distribuição de salas para a exibição de filmes no Rio de Janeiro acompanha os índices de desenvolvimento e a oferta de emprego e de serviços básicos, como saúde e educação.
Dados de 2021 da Agência Nacional de Cinema (Ancine), agência do governo federal reguladora do setor audiovisual, mostram os municípios de Duque de Caxias, São Gonçalo e Nova Iguaçu na lista dos cinco piores do Brasil com população acima de 500 mil habitantes e pior relação habitante por sala de exibição. Belford Roxo, com mais de 515 mil habitantes, não tem nenhuma sala de cinema. Magé, com 247 mil habitantes, também não tem sala de exibição.
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Já o Mapa da Desigualdade elaborado pela Casa Fluminense para a região metropolitana aponta para o número maior de salas de exibição na Barra da Tijuca, na zona Sul do Rio e na Grande Tijuca. Com 16% da população, essas regiões possuem 143 das cerca de 360 salas do estado. Como contraponto, metade dos municípios do estado do Rio não tem uma sala de cinema sequer.
Ativista cultural e mestre em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Tainá Andrade da Silva afirma que essa política cultural é pensada, mas que não é inteligente do ponto de vista de criação de mercado consumidor.
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"É um sistema verticalizado que vê as pessoas das regiões mais distantes do centro, da Barra e da zona Sul apenas como mão de obra. Há a tentativa de impor uma ideia de que as pessoas não querem e não ligam para acesso aos cinemas, mas existem mobilizações e solicitações nesse sentido. Quem não tem, quando começa a ter, faz disso algo frequente na sua vida, até porque isso gera oportunidades de emprego, socialização, segurança", pontua Tainá, que é autora de uma dissertação sobre a resistência dos cinemas de rua na cidade e a história do Cine Guaraci, em Rocha Miranda, na zona Norte do Rio.
Situação do Brasil
O Brasil tem uma das piores relações entre sala de cinema e número de habitantes. Dados divulgados pela Ancine colocam o país atrás apenas da Índia e da África do Sul. Enquanto os Estados Unidos possuem uma sala para cada 8.150 habitantes, o Brasil tem 65.315 habitantes por cada sala de cinema disponível, ficando atrás de países como França, Espanha, Reino Unido, Argentina, México, Colômbia, Turquia, Rússia e Portugal, entre outros.
Em nível nacional, a disparidade também se expressa acompanhando o PIB de cada região. Das 3.266 salas de todo o país, 32% estão concentradas em São Paulo. São 1.046 salas no estado contra sete salas no Acre, unidade federativa que está no outro extremo da lista. O Rio de Janeiro possui 360 salas. Rio, São Paulo e Minas Gerais somam 51% de todas as salas de cinema do país, segundo a Ancine.
Cota de tela
Criada nos anos 1930 com o intuito de proteger a produção cinematográfica e permitir que ela chegasse ao público, diante do poder das chamadas majors, os grandes estúdios dos Estados Unidos que ocupam a maioria das salas no mundo inteiro, a cota de tela, que reserva um número mínimo de dias para a exibição de filmes nacionais, não é renovada desde o governo de Michel Temer (MDB).
Na prática, o que se vê, ano após ano, são filmes com potencial de público serem retirados de cartaz. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Medida Provisória, de Lázaro Ramos. O filme estava lotando as salas de cinema de todo o Brasil, mas perdeu metade das salas em sua terceira semana de exibição. Em compensação, Barbie e Openheimer, neste ano, abocanharam quase 90% de todas as salas do Brasil.
Ativo nas redes sociais, o cineasta Kleber Mendonça Filho, diretor de filmes como Bacurau, Aquarius e Som ao Redor, defende com frequência a proteção e apoio à produção nacional, já que ela gera muitos empregos. Nos créditos de Bacurau, ele fez questão de informar ao público que o filme havia dado emprego a 800 pessoas durante sua produção.
Recentemente, Mendonça, que está em cartaz com Retratos Fantasmas, indicado nacional para concorrer a uma indicação ao Oscar, republicou o comentário de um seguidor que não apenas expressa a desigualdade na distribuição de salas pelo Brasil, e especificamente no Rio de Janeiro, como também mostra que ainda falta ao poder público perceber o potencial do audiovisual nacional de gerar entretenimento e empregos.
"Aproveitar pra falar algo. Tive a chance de assistir em Botafogo, mas queria ver também em Nova Iguaçu, porém é uma pena que todas as 52 sessões diárias da cidade estejam ocupadas com filmes estrangeiros. É um escárnio que locais periféricos não tenham acesso à cultura nacional", lamentou o seguidor do diretor em uma rede social.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Jaqueline Deister