Calamidade

Falta de infraestrutura agrava impacto e tempestade na Líbia pode ter causado 20 mil mortes

Moradias precárias e barragens sem manutenção estão entre as causas apontadas para a tragédia humanitária

Brasil de Fato | Botucatu (SP) |
Nível de água subiu tanto que atingiu pessoas que estavam no terceiro andar de prédios - AFP

Enquanto a ajuda internacional começa a chegar ao litoral da Líbia, devastado por uma gigantesca inundação no fim de semana, a contabilidade das vítimas mostra que o desastre foi ainda pior do que parecia de início. E os relatos que chegam até o momento dão a entender que, embora a tempestade Daniel tivesse uma intensidade incomum, as consequências foram agravadas por problemas de infraestrutura, moradia e governança.

De acordo com o jornal britânico The Guardian, existe a sensação de que a operação de socorro internacional foi retardada porque as atenções estavam voltadas para o terremoto no Marrocos e porque os especialistas e autoridades demoraram para se dar conta da magnitude da tragédia, ocorrida no sábado (9).

A Líbia é um país dividido entre duas administrações rivais desde 2014, após o assassinato de Muammar Gaddafi, em 2011. A administração do leste, onde fica a região atingida, não é reconhecida internacionalmente.

Moin Kikhia, do centro de pesquisa Instituto Democrático da Líbia, diz que existe uma corrupção endêmica no país, uma falta de governança que fez com que as barragens rompidas pela tempestade ficassem sem manutenção durante anos. Tal situação se mostrou devastadora quando chegou essa “catástrofe bíblica”, que fez o nível da água subir 20 metros e atingir pessoas que estavam no terceiro andar de alguns prédios.

“Só podemos esperar que isso provoque uma reflexão, na Líbia e no exterior, sobre a necessidade de elegermos um novo e único governo”, afirmou.


Reconstrução vai custar bilhões de dólares, segundo um governante local / AFP

Migração e moradia

Segundo a OIM (Organização Internacional para Migrações), pelo menos 30 mil pessoas foram deslocadas em Derna e mais 6 mil em outras áreas atingidas, como Benghazi.

A cidade de Derna, assim como a vizinha Susa, eram pontos de partida de milhares de migrantes que tentavam atravessar o Mediterrâneo rumo à Itália e à Grécia. Muitos deles moravam em habitações precárias perto do porto, o que ajuda a agravar as consequências de uma tragédia como essa.

Negligência

“A catástrofe humanitária em Derna é diferente da que ocorre em Marrakech. O terremoto no Marrocos não podia ser evitado nem mitigado, enquanto a tragédia em Derna foi causada por negligência”, declarou Rashad Hamed, especialista em dados e consultor da Unicef, o fundo das Nações Unidas para a infância. Segundo ele, a falta de limpeza nas barragens da cidade impossibilitou a drenagem da água.

20 mil mortos

Se na terça-feira (12) se falava em cerca de 2,3 mil mortos e 10 mil desaparecidos, agora já se estima em 20 mil o número de possíveis vítimas fatais, segundo o diretor do centro médico Al-Bayda, Abdul Rahim Maziq. Autoridades líbias e egípcias ainda trabalham com a estimativa de 10 mil desaparecidos. Uma delegação de membros do governo egípcio voou para a Líbia no início desta semana para ajudar a coordenar uma resposta aos desastres, que também mataram muitos egípcios que viviam no país e criou uma nova crise humanitária na fronteira oriental.

“O mar está despejando corpos constantemente”, declarou Hichem Abu Chkiouat, ministro da aviação civil do governo do leste da Líbia, que estima em bilhões de dólares o custo da reconstrução. Como alguns vilarejos são remotos e a estrutura do poder público é rudimentar, deve levar algum tempo para que o número de vítimas possa ser confirmado.


Corpos estão por toda parte em Derna / AFP / HO / AL-MASAR TV

Corpos seguem largados nas ruas. Como é necessário enterrá-los o quanto antes para evitar a proliferação de doenças, centenas estão sendo colocados em valas coletivas. Moradores de Derna, a cidade mais atingida, pedem a criação de um hospital de campanha, porque os dois hospitais locais viraram espécies de depósitos de defuntos.

Começa a faltar água potável e comida. Autoridades se empenham em normalizar a conexão de internet. Cerca de trinta quilômetros de ruas foram danificados, cinco pontes colapsaram e uma área total de 90 hectares (equivalente a 90 campos de futebol) foi devastada, segundo um comitê técnico formado para análise de infra-estrutura.

Agências de assistência fazem o possível para chegar até o local. Devido à dificuldade para acesso por terra, helicópteros foram fornecidos, a maioria pelo Egito, país vizinho ao leste. Turquia e Emirados Árabes Unidos, países tradicionalmente ligados à Líbia, também estão envolvidos no apoio. Do ocidente, chegam caminhões e médicos. A França está enviando um hospital de campanha e cerca de 50 militares e civis habilitados para atender 500 pessoas por dia, segundo comunicado oficial.

(Com informações do The Guardian e do Valor Econômico)

Edição: Thales Schmidt