Passados oito meses do novo governo Lula, continuamos sem um projeto de comunicação pública para a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Apesar das promessas de campanha, e da transição de governo, de valorizar a comunicação pública, o que incluiu um aceno inicial à retomada da participação social, nenhum passo foi dado nessa direção para tornar a EBC verdadeiramente pública.
Membros do Conselho Curador cassado e a Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública solicitaram inúmeras vezes a prometida reunião com o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, a partir de um histórico de atuação e luta desses atores da sociedade ativamente dedicados ao tema da comunicação pública, que representam uma diversidade de organizações e pessoas preocupadas com a EBC.
Essas representações não foram ouvidas até agora, e lá se vão oito meses.
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A falta de diálogo, justamente da parte de um governo que preza pela participação da sociedade nos mais diversos setores, e que inclusive promoveu uma caravana pelos estados para recolher contribuições ao Plano Plurianual (PPA) participativo, levou a Frente a lançar uma nota ampla para cobrar providências.
Não deixem de cobrar do nosso governo. Um governo não precisa de tapinha nas costas. Precisa ser cobrado todos os dias, para aprimorarmos nossa capacidade de trabalho. Cobrem, para que a gente faça. Boa noite e até amanhã!
— Lula (@LulaOficial) December 23, 2022
O documento lembra que um projeto estruturado de comunicação pública tornou-se um sonho no segundo mandato do presidente Lula, com a Medida Provisória transformada em lei que criou e garantiu à EBC, instrumentos de autonomia – como o mandato de 4 anos para quem ocupasse o cargo de presidente da empresa, o Conselho Curador e a Ouvidoria – e viabilidade orçamentária assegurada pela criação da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP). Tudo assegurado pela Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008.
"Para um país que praticamente só conheceu a comunicação privada, desconsideradas experiências locais como a TV Cultura de São Paulo, a EBC com seu alcance nacional foi criada para fazer cumprir-se o princípio constitucional de 1988, que estabelece que o Brasil deve contar com um sistema de complementaridade na comunicação: o privado, o estatal e o público", destaca a nota.
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É importante lembrar que esse projeto tão jovem, com menos de duas décadas de vida, foi desmontado como parte do golpe jurídico-político de 2016, com a cassação do Conselho Curador e do mandato do atual presidente da EBC à época. O cenário virou pesadelo no governo Bolsonaro, que impôs a unificação das TVs pública e governamental, censura e controle sobre o conteúdo. Esses ataques à própria democracia, que tentaram destruir no Brasil uma comunicação sob gestão participativa da sociedade em diálogo com representações do governo, Congresso e trabalhadores, precisam urgentemente ter resposta à altura de uma retomada democrática.
A EBC é responsável pela rede da Rádio Nacional e Rádio MEC, TV Brasil, Agência Brasil e Radioagência Nacional. E toda a base dessa estrutura interage e conversa em busca de sedimentar um projeto amplo, crítico e participativo de comunicação pública necessário ao país. Durante os seis anos desde o golpe de 2016, trabalhadoras e trabalhadores da EBC, junto com a Frente, se mantiveram firmes na defesa deste projeto e denunciaram os inúmeros abusos e desmandos ocorridos na empresa.
Durante todo ano de 2022, consultas foram abertas e seminários foram realizados pela Frente, com outras representações da sociedade, nos espaços do Fórum Social Mundial e de Justiça e Democracia, sobre os caminhos possíveis para o resgate da EBC. Essas contribuições resultaram em um caderno entregue ao Grupo de Transição do atual governo.
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As expectativas de fortalecimento da comunicação pública com a volta de Lula eram grandes. E foram alimentadas pelos próprios integrantes do governo, embora os passos não tenham sido dados concretamente até o momento.
A Frente reconhece como um avanço a separação da TV Brasil da emissora governamental, que ganhou o nome de Canal Gov. Mas isso não significa fechar os olhos para a perda de estrutura necessária ao bom funcionamento da TV Brasil e outros veículos. Também reconhece a diferença no conteúdo em relação ao governo passado. Os veículos estão buscando um jornalismo mais alinhado com os preceitos da comunicação pública.
Entretanto, a comunicação pública não se faz simplesmente da boa vontade e de boas intenções. Ela se faz a partir da autonomia fundamental que só pode ser garantida com os instrumentos eficazes, protegida por leis, mantida com recursos adequados e, principalmente, com o protagonismo da sociedade em uma gestão participativa e deliberativa, o que era assegurado no projeto original pelo Conselho Curador, até hoje não restituído.
A Frente lamenta que nesses oito meses de governo, decisões importantes tenham sido tomadas na empresa sem qualquer debate com a sociedade civil, como o fim dos quatro telejornais locais e a realização de um pitching para reformular as grades da TV Brasil e das rádios.
Esse espaço de debate precisa ser dotado de mecanismos que não transformem a participação social em perfumaria. As organizações em defesa da EBC são capazes de dialogar com os segmentos políticos e sociais para a acolhida de uma iniciativa que recoloque a EBC no seu lugar de comunicação pública. Para isso, precisam ser ouvidas e consideradas na reconfiguração da EBC.
Passamos 6 anos de pé na luta pela defesa de uma comunicação pública democrática e inclusiva. A sociedade que abraça a EBC está pronta para retomar o seu papel nesse processo.
* Rita Freire é presidenta do Conselho Curador Cassado da EBC e integrante da Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública
* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires