A 4ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou a Uber a reconhecer vínculo empregatício de todos os seus motoristas, nesta quinta-feira (14). A empresa deve registrar todos os motoristas em carteira de trabalho em até seis meses, sob pena de uma multa diária de R$ 100 mil para cada motorista não registrado.
O juiz do trabalho Maurício Pereira Simões também determinou à empresa o pagamento de R$ 1 bilhão em indenização por danos morais ao Fundo de Amparo ao Trabalhador e a associações de motoristas de aplicativos registrados em cartório e com constituição social regular.
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"O poder de organização produtiva da Ré sobre os motoristas é muito maior do que qualquer outro já conhecido pelas relações de trabalho até o momento. Não se trata do mesmo nível de controle, trata-se de um nível muito maior, mais efetivo, alguns trabalhando com o inconsciente coletivo dos motoristas, indicando recompensas e perdas por atendimentos ou recusas, estar conectado para a viagem ou não", diz a sentença assinada por Simões.
A decisão é uma resposta a uma ação civil pública apresentada pelo Ministério Público do Trabalho. O órgão recebeu uma denúncia da Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativos sobre condições de trabalho aquém daquelas estabelecidas em lei.
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Na visão do magistrado, a empresa deve ser responsabilizada por ação e omissão diante das condições de trabalho. "Não se trata nem sequer de negligência, imprudência ou imperícia, mas de atos planejados para serem realizados de modo a não cumprir a legislação do trabalho, a previdenciária, de saúde, de assistência, ou seja, agiu claramente com dolo, ou se omitiu em suas obrigações dolosamente, quando tinha o dever constitucional e legal de observar tais normas", argumentou.
As medidas consideradas abusivas pelo juiz vão contra a "dignidade psíquica da população, de forma repetitiva e prolongada", expondo os trabalhadores a "situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica".
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Em nota, a Uber afirma que recorrerá da decisão e que não acatará as determinações do magistrado até que se esgotem todos os recursos. "A Uber tem convicção de que a sentença não considerou adequadamente o robusto conjunto de provas produzido no processo e tenha se baseado, especialmente, em posições doutrinárias já superadas, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal", argumentou a empresa.
Padrões mínimos de trabalho decente
Um estudo vinculado à Universidade de Oxford publicado em março do ano passado mostrou que Uber, iFood, 99, Rappi, UberEats e GetNinjas não conseguiram comprovar padrões mínimos de trabalho decente. Só entre 2016 e 2021, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de trabalhadores do setor de delivery por aplicativos cresceu 979,8% no país.
Realizado pela Fairwork Brasil com colaboração de pesquisadores da USP, UNISINOS, UFRJ, UFRGS e UTFPR, o levantamento avalia, com uma pontuação de 0 a 10, cada uma das plataformas a partir de cinco eixos: remuneração, condições de trabalho, contratos, gestão e representação.
Como metodologia, foram feitas pesquisas documentais, reuniões com gestores das empresas e entrevistas com cinco a 10 trabalhadores por plataforma. A maior pontuação foi dois, alcançada pelo iFood e 99. A Uber marcou um ponto e Rappi, GetNinjas e Ubereats nem ponto fizeram.
Com exceção da 99, nenhuma das empresas conseguiu comprovar que seus trabalhadores ganham acima de um salário mínimo. Em 2021, quando os dados do estudo foram coletados, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), a remuneração mínima era de R$5,50 por hora ou R$1.212 por mês.
Edição: Nicolau Soares