Começa nessa terça-feira (19) a 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. Como de costume, o Brasil fará o discurso de abertura do evento, que pode reunir todos os 193 membros da ONU. No púlpito estará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pela oitava vez, com o microfone aberto para discorrer sobre as linhas principais da política externa brasileira em diferentes temas.
O teor do discurso é sigiloso. Mas, tomando como base a participação de Lula em eventos recentes, como as cúpulas do Brics e do G7, é bem provável que ele pressione teclas nas quais vem batendo há 20 anos. Quando discursou nas Nações Unidas pela primeira vez, em 2003, o presidente se concentrou principalmente em dois temas: reformas da governança global e combate à fome. Em 2009, quando fez seu último discurso, voltou a falar de governança e destacou dois outros temas: crise financeira e mudanças climáticas.
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Ou seja, uma breve observação do histórico de intervenções públicas de Lula permite notar que, dentre todos os assuntos, a reforma dos sistemas de governança mundial é um que ele nunca deixa de abordar. Motivo: ele quer que o Brasil, assim como outros países, tenha um lugar de fala mais destacado nas tomadas de decisões globais, notadamente aquelas referentes à paz e segurança internacionais. E que suas falas possam ser transformadas em ações.
“A reforma da ONU tornou-se um imperativo, diante do risco de retrocesso no ordenamento político internacional”, discursou Lula em 2003. Criticou o fato de a composição dos membros permanentes do Conselho de Segurança ser a mesma de quando a ONU foi criada, em 1945, e disse ser indispensável que as decisões do órgão gozem de legitimidade junto à Comunidade de Nações como um todo, um processo que ele qualifica de “aperfeiçoamento do sistema multilateral”.
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Os membros permanentes eram cinco: Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e China, basicamente as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Hoje, 20 anos depois, a composição continua a mesma. E Lula segue martelando para que este núcleo duro seja ampliado, argumentando que o cenário do pós-guerra não existe mais.
Uma regra em particular incomodava o presidente: o fato de os membros permanentes terem direito a veto sobre qualquer assunto, o que lhes confere poder de bloquear qualquer iniciativa da qual discordem. Nesse sentido, Lula afirmou: “A ONU já deu mostras de que há alternativas jurídicas e políticas para a paralisia do veto e as ações sem endosso multilateral”. No entanto, passadas duas décadas, o veto segue vigente. E Lula continua a criticá-lo sempre que tem uma oportunidade.
É importante considerar a “emergência de países em desenvolvimento como atores importantes no cenário internacional, muitas vezes exercendo papel crucial na busca de soluções pacíficas e equilibradas para os conflitos”, dizia o presidente em 2003, enfatizando que sua reivindicação não se refere apenas ao Brasil, mas a países em desenvolvimento de maneira geral.
Na época, o contexto era a segunda guerra no Iraque, que havia vitimado iraquianos e cidadãos de outras nacionalidades, entre eles o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, então Alto Comissário para Direitos Humanos da ONU.
“Pode-se talvez vencer uma guerra isoladamente. Mas não se pode construir a paz duradoura sem o concurso de todos”, dizia o presidente. “A ONU não foi concebida para remover os escombros dos conflitos que ela não pôde evitar por mais valioso que seja o seu trabalho humanitário. Nossa tarefa central é preservar os povos do flagelo da guerra. Buscar soluções negociadas”.
Em 2009, ano em que Lula fez seu último discurso — ainda era presidente em 2010, mas não foi à ONU —, o destaque no cenário internacional era de outra ordem: os desdobramentos da grave crise financeira de 2008, detonada pela quebra do banco Lehman Brothers. Mas o presidente também a usou como mote para defender reformas nas lógicas de governança. Afinal, os países desenvolvidos e os organismos multilaterais onde eles eram hegemônicos, defendia o presidente, haviam sido “incapazes de prever a catástrofe que se iniciava e, menos ainda, de preveni-la”, em mais uma demonstração de que a correção de rumo da economia mundial não poderia ficar “apenas a cargo dos de sempre”.
Mais do que a crise dos grandes bancos, defendia Lula, o mundo vivia a “crise dos grandes dogmas”. “O que caiu por terra foi toda uma concepção econômica, política e social tida como inquestionável. O que faliu foi um insensato modelo de pensamento e de ação que subjugou o mundo nas últimas décadas. Foi a doutrina absurda de que os mercados podiam autorregular-se, dispensando qualquer intervenção do Estado, considerado por muitos um mero estorvo”, afirmou em seu pronunciamento de 2009.
Hoje, o mundo convive com mais um conflito, na Ucrânia, provocado pela invasão de um país que é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a Rússia. Lula tem condenado a invasão, mas sempre se recusou a ecoar as fortes críticas das potências ocidentais, que exigem a saída das tropas russas dos territórios invadidos como pré-condição para se negociar um acordo de paz.
O conflito prossegue e provavelmente será mais um gancho para Lula enfatizar que a busca por um planeta mais pacífico só se tornará viável quando as questões relativas a segurança e paz foram geridas de uma forma mais adequada à ordem mundial vigente neste ano de 2023.
Além de si próprio, o Brasil defende a inclusão da Índia, da Alemanha e do Japão como membros permanentes do Conselho de Segurança. Alemanha e Japão são os grandes derrotados da Segunda Guerra Mundial, portanto ficaram excluídos da definição da governança global naquela época. Lá se vão quase 80 anos. A Índia, como o Brasil, é membro fundador do Brics, assim como China, Rússia e África do Sul. O bloco realizou recentemente uma reunião de cúpula e cobrou, por meio de sua declaração final, a expansão do CS da ONU.
O discurso de Lula poderá ser acompanhado aqui, na manhã desta terça (19). E aqui é possível acompanhar a programação completa. A Assembleia Geral começa às 10h (de Brasília) e Lula é o terceiro a falar.
(Com informações da Carta Capital)
Edição: Patrícia de Matos