Nesta quarta-feira (20) em Nova Iorque o presidente Lula lançou, junto com o mandatário estadunidense Joe Biden, o documento "Coalizão Global pelo Trabalho". Sem entrar em detalhes práticos sobre a viabilização do plano, o petista defendeu um "novo marco na relação entre capital e trabalho", o fortalecimento de sindicatos e a proteção dos direitos de quem trabalha com plataformas digitais.
Enquanto isso, no entanto, a regulamentação do trabalho em apps no Brasil vive um impasse. Depois de quase cinco meses de reuniões, o Grupo de Trabalho (GT) instalado pelo governo federal com representantes de trabalhadores de aplicativos não chegou a acordo nenhum.
Diante deste cenário, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) prepara sua própria proposta, com um projeto de lei (PL) que deve ser apresentado ao Congresso em 30 de setembro, último dia formal de existência do GT. Questionada, a pasta anunciou não ter informações sobre o teor do texto, pois "as partes ainda estão em negociação".
Apuração do Brasil de Fato aponta, no entanto, que se ventila a definição de R$30 como remuneração mínima por hora de corrida para motoristas de transporte individual e R$17 para entregadores de moto. Estes valores são rechaçados pelos trabalhadores. O tema é uma das principais polêmicas do debate sobre a regulamentação.
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Neste contexto, entregadores convocam um breque nacional com início em 29 de setembro. Com a hashtag #baratoquesaicaro, os trabalhadores envolvidos na mobilização fizeram um vídeo sobre a letalidade da profissão e materiais pedindo a adesão de restaurantes a um boicote nos dias de greve.
Em comunicado convocando a mobilização, os trabalhadores que integram o GT – membros de centrais sindicais e da Aliança Nacional dos Entregadores (ANEA) – afirmam que "as empresas de aplicativos fecharam as portas ao diálogo". Dizem, ainda, não concordar com "o posicionamento dúbio e vacilante do governo federal".
O que vai ser considerado trabalho?
A falta de acordo não é apenas sobre os valores da remuneração mínima, mas também sobre o que conta como tempo trabalhado. Para as empresas – e, ao que fontes indicam, também para o governo federal – só vale como tempo de trabalho aquele período em que uma pessoa ou mercadoria está sendo transportada.
Já os entregadores e motoristas argumentam que estão trabalhando desde o momento em que ficam logados e à disposição da plataforma. Como um garçom, por exemplo, cujo salário não está limitado ao momento em que ele atende uma mesa.
"A hora logada, a disponibilidade, é fundamental. Precisamos receber por esse tempo", defende o entregador recifense Rodrigo Lopes. Presidente do Sindicato dos Entregadores e Trabalhadores por Aplicativos em Pernambuco (Seambape), ele é um dos participantes, pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), do GT criado pelo Ministério do Trabalho.
"Fazemos um investimento na moto, habilitação, manutenção, alimentação, tudo isso para poder executar o serviço da plataforma e precisamos ser remunerados por esse tempo disponível. As empresas estão fazendo jogo duro", opina.
O abismo entre as propostas de ganho mínimo
Além disso, para o paulista Jr. Freitas, participante do GT em nome da Aliança Nacional dos Entregadores (ANEA), "o valor de R$17 por hora é impensável para a categoria". Os entregadores querem, no caso de motoboys, a remuneração de R$35,76 por hora online no app.
"A gente fez estudos com várias pessoas que entendem do assunto para chegar num denominador comum. Como classe dos entregadores, a gente chegou a esse valor, que entendemos que é justo", conta Lopes.
Já os motoristas de apps como Uber e 99 defendem outro tipo de cálculo, baseado em um valor cobrado quando a corrida começa, somado a um pagamento por quilômetro rodado e por minuto. A remuneração desejada pelos trabalhadores varia de acordo com o tipo de carro. O mais simples, por exemplo, partiria de R$15, acrescentando R$2,50 a cada km e R$0,30 por minuto.
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Pelo lado das gigantes do delivery e do transporte de passageiros, a representação está sendo feita por duas entidades. O Movimento Inovação Digital (MID) reúne cerca de 100 empresas, entre as quais Rappi, Loggi e OLX. E a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Abomitec) representa iFood, Uber, Buser, 99, entre outras.
A última proposta formal apresentada pelas entidades empresariais no fim de agosto era de R$12 por hora para motoboys (contando apenas o período em que a entrega está sendo feita) e, para motoristas, R$21,22 no caso da Abomitec e R$25 sugerido pela MID.
Fora do papel, no entanto, trabalhadores ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que na última reunião do GT, que aconteceu em 14 de setembro, as plataformas alteraram a proposta. Chegaram ao valor de R$17 por hora para entregadores de moto – contando como tempo trabalhado apenas aquele em que o produto está na bag. Não houve acordo.
"Deixaram que nos digladiássemos com as empresas"
"Esse valor de R$17 foi oferecido pelas empresas. E o governo está prestes a aceitar um valor sem consultar a bancada dos trabalhadores. Porque realmente até agora não chegou nenhum convite para a gente discutir", diz Jr. Freitas.
"Durante todo o funcionamento do GT, o ministro Luiz Marinho apareceu uma única vez, deu uma entrevista e saiu. Depois nunca mais ninguém da bancada dos trabalhadores teve contato com o Marinho. Menos ainda com o presidente Lula. Então existe um afastamento", avalia o entregador.
"Deixaram que nos digladiássemos com as empresas de app, porque é isso que acontece quando coloca trabalhador de um lado e empresário que só visa lucro do outro", critica Freitas. Perguntado pela reportagem a respeito disso, o Ministério do Trabalho não se manifestou.
Segundo o site Jota, a pasta teria feito duas reuniões paralelas ao GT para elaborar o PL. Uma delas com a Abomitec, o MID e o Sindicato de Motoristas de Aplicativo de São Paulo (STATTESP). A outra, apenas com o iFood e o Sindimoto-SP.
"A gente não chegou a um consenso na mesa tripartite. Vamos esperar a posição do presidente Lula", resume Rodrigo Lopes. Para Jr. Freitas, "a situação está complicada". "Essa regulamentação tem que vir da mão dos trabalhadores, feita pelos trabalhadores, apresentada para o governo e as empresas de plataforma", defende.
Edição: Thalita Pires