O balanço da participação do Brasil na Assembleia-Geral da ONU é positivo, na avaliação de Paulo Velasco, professor de Política Internacional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Ele acha que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve atuação positiva em suas agendas mais importantes e não cometeu nenhum deslize.
"Não houve bola fora, não houve gol contra, o que em se tratando do Lula é algo raro. Porque ele acerta muito, mas como aparece demais, acaba errando demais também", disse o professor ao Brasil de Fato.
Exemplos de deslizes recentes, segundo ele, são a recepção excessivamente efusiva ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante a Cúpula de Brasília, em maio último – quando chamou de "narrativa" o que se fala sobre a Venezuela – e a postura em relação à guerra na Ucrânia, pelo fato de ter afirmado em algumas ocasiões que Ucrânia e Rússia são igualmente responsáveis pelo conflito.
Na ONU, Velasco destaca os seguintes positivos: o discurso de Lula, "correto, tocando em pontos sensíveis e muito bem recebido pela comunidade internacional"; o lançamento de uma parceria com os Estados Unidos em prol do trabalho decente, que lhe parece uma "preocupação legítima" de Lula e Joe Biden; a conversa com o ucraniano Volodimir Zelensky, honesta e importante; entre outros temas, como reforma da ONU e mudança climática.
Leia a entrevista a seguir:
A Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores e Trabalhadoras e a troca de afagos toda entre Lula e Biden partem de um interesse legítimo em melhorar as condições dos trabalhadores nos dois países e no mundo como um todo, ou tem mais a ver com a intenção de trazer o Brasil para perto dos EUA, num contraponto à proximidade entre Brasil e China, especialmente no âmbito do Brics ampliado?
O Brasil tem uma grande importância para os Estados Unidos, sobretudo por sermos um ator muito representativo na América Latina e sobretudo num contexto em que a China vem avançando de maneira contundente na região. Então não dá para dissociar uma coisa da outra. Há uma preocupação dos EUA com essa projeção chinesa, que é econômica mas também contém um viés político, o que preocupa os americanos porque a América Latina é vista como área de natural influência dos EUA. Os EUA não têm condições de se lançar de peito aberto, no sentido de um leilão, porque não consegue se equiparar ao que a China vem oferecendo para a região, mas sabem que é importante ter boas relações com o Brasil. Então, há uma preocupação geopolítica.
Mas há uma afinidade natural entre Lula e Biden, que ficou evidente no encontro em março na Casa Branca. Biden é de uma ala à esquerda do Partido Democrata, embora haja figuras mais à esquerda do que ele. O PD tem relação histórica com os sindicatos americanos e o Lula nem se fala. Então, me parece uma preocupação legítima de ambos. Não é da boca para fora. É uma agenda interessante, assim como foi aquela de 2011 entre Dilma e Obama por um governo aberto, que foi a última grande parceria lançada pelos dois países, também durante uma Assembleia-Geral da ONU.
A parceria não prevê prazos, metas concretas. São objetivos muito amplos e superficiais, o que pode fazer com que o documento caia no vazio.
Mas o assunto é benéfico e reforça a afinidade Brasília-Washington nesse momento em que o Brasil joga um jogo duplo, e é isso que tem que fazer mesmo, sem escolher de forma açodada qualquer um dos lados, nem Rússia e China de um lado (o mundo pós-ocidental), nem os parceiros ocidentais.
Pouco tempo depois de uma reunião do Brics em que se decidiu pela ampliação do grupo, é interessante tanto o discurso do Lula quanto esse afago recíproco entre Lula e Biden. Isso é lúcido e pragmático.
Como você avalia o encontro entre Lula e Zelensky?
O Lula foi honesto no sentido de mostrar que o Brasil não vai sair apoiando sanções contra a Rússia, e de fato não o faremos. Se o Brasil de fato sonha em ter algum papel relevante na busca pela mediação, é importante que esses laços sejam diretos e francos. A conversa serviu para mostrar que as diplomacias se manterão em contato. O chanceler ucraniano foi feliz em dizer que a reunião serviu para quebrar o gelo.
Sobre a questão ambiental, tão falada nos discursos, você consegue enxergar algum avanço concreto nos debates durante a Assembleia-Geral, lembrando que alguns dos maiores emissores de gases de efeito estufa não foram representados por seus presidentes, caso de China, Rússia, França e Grã-Bretanha, todos membros permanentes do Conselho de Segurança?
A Assembleia Geral dificilmente traz dividendos específicos. É mais um palco para os Estados declararem sua boa vontade. Então, de fato, não houve nada de muito destacado, mas a simples reiteração do compromisso e da centralidade da agenda já é um sinal positivo. Mesmo havendo contradições entre os poluidores e os que buscam mobilizar a agenda. É interessante ver um grande emissor como os Estados Unidos tendo seu presidente com um discurso forte sobre mudança climática. E as ausências de alguns líderes são naturais. Nada que chame muito a atenção.
O anúncio de Marina Silva de que o Brasil vai aumentar as metas de cortes de emissões de gases de efeito estufa parece factível (a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima leu uma carta do governo brasileiro em nome de Lula e disse que o Brasil ampliaria para 48% sua meta de redução de emissões até 2025 e para 53% até 2030 em comparação com os níveis de 2005)?
A postura da Marina é compatível com o Acordo de Paris, que convoca os Estados a periodicamente ampliarem a ambição dos compromissos assumidos, e o Brasil está indo nessa linha. Antes, já havia antecipado o prazo para o desmatamento ilegal zero da Amazônia e para a neutralidade de carbono. Não vai ser fácil, o desafio é gigantesco. Mas é parte do jogo.
Sobre reforma da ONU, você acha que existe alguma chance de o Conselho de Segurança ter novos membros permanentes? Quais as credenciais do Brasil, que vive reivindicando a ampliação do CS?
Eu diria que a chance é pequena. Eu acho que não há um acerto entre as grandes potências para que a reforma caminhe a curto prazo, sobretudo compatibilizar as posições de Estados Unidos e China em relação a uma eventual entrada do Japão (a China é contrária). O Brasil tem credenciais sólidas para pleitear um posto permanente, à mesma altura de Japão, Índia e Alemanha, com os quais faz parte do G4. Temos já o apoio oficial de Rússia, Reino Unido e França, o que não é pouca coisa.
Edição: Thalita Pires