Quem passa pela rua Manaus, no bairro São Lucas, em Belo Horizonte (MG), logo tem a atenção tomada pelo grande casarão que, atualmente, abriga o Espaço Comum Luiz Estrela. No próximo dia 26 de outubro, a ocupação artística, cultural e de produção do conhecimento completa uma década de existência.
Para comemorar, entre 23 de setembro e 29 do próximo mês, acontece o Festival de Primavera, com o tema “Memória, território e autogestão”. Durante o período, o espaço promove rodas de conversa, oficinas, exposições, visitas guiadas, apresentações, feirinha e muito mais.
As diversas expressões artísticas presentes na programação do festival, retomam o passado, explicam o presente e apontam para o futuro do Espaço Comum Luiz Estrela, que foi ocupado em 2013 a partir de uma encenação teatral. Hoje, é um centro cultural autogestionado, que promove arte e política.
História
Joviano Mayer, que faz parte da Trupe Estrela, coletivo de teatro da ocupação, relembra que, na época, a capital mineira vivia uma efervescência cultural muito grande e que, com a experiência das jornadas de junho de 2013, processos de luta foram impulsionados na cidade.
“O Estrela é fruto disso. No dia da ocupação, nós fizemos teatro. Duas pessoas entraram no casarão, em 24 de outubro, a partir de uma cena teatral, na qual a escada fazia parte da cenografia e todos estavam com figurino. Na manhã do dia 26, nós chegamos com um ônibus, com vários artistas, que passaram a compor a retomada do imóvel”, conta Joviano.
O casarão ocupado pelos artistas estava abandonado há quase 20 anos. Tombado pelo município em 1994, o imóvel foi construído em 1912, com a finalidade de ser o Hospital Militar da Força Pública Mineira, atual Polícia Militar de Minas Gerais.
Daquele período até o início dos anos 1990, o espaço também abrigou um hospital psiquiátrico infantil, que foi fechado após denúncias de más condições, um centro psicopedagógico (CPP) e a Escola Estadual Yolanda Martins, fechada no ano do tombamento do imóvel.
Após a ocupação, a Fundação Educacional Lucas Machado (Feluma), que possuía um termo de cessão do imóvel firmado com a Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig), proprietária do terreno, entrou com um pedido de reintegração de posse.
Contudo, os advogados apoiadores do movimento se articularam para impedir o despejo, conseguiram uma decisão favorável da Justiça e abriram uma mesa de negociação com o governo de Minas Gerais.
“Na mesa de negociação, com toda a pressão política, da cultura e de parlamentares, nós conseguimos que o espaço fosse cedido para nós por 20 anos”, conta Joviano.
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Autogestão
O Espaço Comum Luiz Estrela se organiza a partir da autogestão, da horizontalidade e possui um estatuto que busca impedir a reprodução de práticas autoritárias, machistas, racistas e LGBTfóbicas.
Tita Marçal, uma das artistas que adentrou primeiro no casarão, destaca que o ideal defendido pela ocupação é de liberdade em relação a todas as formas de opressão.
“A gente está aqui por nós, por cada um de nós. Enquanto houver necessidade de consenso e de diálogo, a conversa precisa ser levada em assembleias, por meio da comunicação não violenta”, explica Tita.
Para dar conta desses objetivos, o espaço também desenvolveu uma forma própria de se organizar. Atualmente, a ocupação conta com aproximadamente 90 pessoas, que contribuem de acordo com o seu tempo, interesse e disponibilidade.
O Estrela possui assembleias deliberativas, um conselho, e nove núcleos temáticos de pesquisa e ação, que são o de Arquitetura e Restauro, o de Teatro, o Cine Estrela, de cinema, o Criar Cura (da luta antimanicomial), a Cozinha Comum (que pesquisa o alimento), a Escola Comum (que reúne educadores), o Bloco Comum (que é o bloco de carnaval), o da Feirinha Estelar (que reúne artesãos), e o da Permacultura (que atua no pátio do casarão).
Luciana Lanza, que é bailarina e produtora, explica que um dos desafios da construção da autogestão e da horizontalidade é romper com os valores e as formas de organização da sociedade capitalista.
“A sensação que eu tenho é de que as pessoas, quando ocuparam a casa, talvez não tivessem a dimensão da responsabilidade que elas estavam pegando para si, principalmente quando se propõe um lugar autogestionado”, avalia Luciana.
“Você chega aqui e precisa mudar uma chave na sua cabeça, porque não vai ter um chefe que vai te falar para lavar a sua louça ou tirar o seu lixo. Isso deveria ser um exercício de consciência, de ocupação espacial”, complementa a bailarina.
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Núcleo premiado
Em 2017, o núcleo de Arquitetura e Restauração do Espaço Comum Luiz Estrela recebeu o maior prêmio do patrimônio nacional brasileiro, o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, pela responsabilidade com a preservação do patrimônio cultural.
A restauradora Tatiana Pena, que faz parte do coletivo, explica que ações desenvolvidas no casarão são de caráter diferenciado, porque tem o compromisso com a manutenção da história do imóvel.
“Durante esses dez anos, o telhado, as portas e as janelas foram todas restauradas. Estamos começando a estudar as pinturas existentes nas paredes do casarão. É um restauro sempre em processo. A gente não esquece a teoria. Mas, ao mesmo tempo, temos a flexibilidade de manter o casarão restaurado, sem ser nos moldes de um restauro comum”, conta Tatiana.
“Nosso objetivo não é botar o casarão lindo de novo, com tudo ‘pintadinho’. A gente quer que todas as camadas que existem aqui, desde a construção do casarão, permaneçam aqui. Isso, para o restaurador, também é um desafio, é a desconstrução do que aprendemos na faculdade”, complementa a restauradora.
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Homenagem
A ocupação homenageia Luiz Otávio da Silva, conhecido como Estrela. Homossexual e em situação de rua, ele foi assassinado em 26 de junho de 2013, em Belo Horizonte, no mesmo dia de uma das manifestações das jornadas de junho mais reprimidas pelas forças policiais. Sua morte nunca foi investigada.
Luiz Estrela é querido e conhecido por artistas e ativistas da capital mineira, por sua presença nas manifestações culturais e políticas da cidade.
Contribua
Para desenvolver suas atividades, o Espaço Comum Luiz Estrela conta com uma plataforma de financiamento coletivo, na qual a população pode doar qualquer valor. Para contribuir, basta clicar neste link.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Larissa Costa