O percurso da Praça de Maio ao Congresso Nacional, em Buenos Aires, foi percorrido nesta quinta-feira (28/09) ao som do lema “A liberdade é nossa”.
Esse foi o grito de luta consensuado pelas feministas, organizadas e autoconvocadas, para voltar às ruas no Dia da Ação Global pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito, marcado também pelas semanas prévias de uma das eleições presidenciais mais importantes dos últimos tempos para o país.
Centenas de pessoas participam da marcha na capital federal argentina. Esta é a única mobilização massiva prévia à eleição nacional, que acontecerá no dia 22 de outubro. O pleito será muito importante para as mulheres, já que seu resultado poderia significar um retrocesso em diversos direitos conquistados, entre eles o da interrupção voluntária da gravidez.
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O lema utilizado durante a marcha faz referência ao movimento autodenominado libertário, que hoje configura a extrema direita no cenário político argentino, e que é liderado pelo candidato presidencial Javier Milei, do partido A Liberdade Avança.
Após sua vitória na eleição prévia, em agosto, com quase 30% dos votos, o extremista passou a reforçar sua postura de investir contra o direito ao aborto em uma possível gestão sua. Também prometeu eliminar a saúde e a educação públicas e o investimento à ciência no país.
Neste 28 de setembro, as organizações sociais, sindicais e políticas que convocaram a marcha nacional – que ocorreu também em outras capitais no país – ampliaram os temas que atravessam a sociedade argentina. Como lema geral, a marcha argentina reivindicou o aborto legal, seguro e gratuito, além da educação sexual integral; porém, também houve a defesa da vida digna, além do rechaço aos recortes de gastos sociais promovidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Bandeiras ampliadas
O coletivo Ni Una Menos (“Nem uma a menos”, em tradução livre) foi um dos convocou a mobilização desta quinta. Uma de suas cofundadoras, a doutora em sociologia Luci Cavallero, destacou a Opera Mundi como o ato reflete o momento de crise vivido no país, que impacta especialmente os grupos mais socialmente vulnerabilizados.
“Geramos uma ação convidando a todes que se sintam mobilizades com o avanço da extrema direita”, pontuou a ativista. “Convocamos as pessoas a se manifestarem pelos acordos básicos da nossa democracia e por todos os nossos direitos em jogo nesta eleição: o aborto, a educação sexual integral, a educação e a saúde públicas, a possibilidade de viver em uma sociedade onde as forças de segurança não reprimam o protesto social e onde não haja mensagens de crueldade emitidas pelo Estado”, enumerou Cavallero.
A cineasta Candela Vey, que trabalha com temáticas de gênero, foi sozinha à marcha. “É onde temos que estar hoje. Nesse contexto, não podemos olhar para outro lado. Ainda falta muito, e o pouco que conquistamos temos que defender”, afirmou.
“Estamos em uma situação complicada no país. Temos candidatos à presidência que querem eliminar nossos direitos e isso é um retrocesso não apenas para as mulheres, mas para toda a sociedade”, enfatizou a diretora.
Coletivos e bandeiras LGBTQIA+ e o “Nunca más” ao terrorismo de Estado abundaram na marcha argentina, além dos símbolos feministas sempre presentes: a cor violeta, que representa as feministas, e o lenço verde, da Campanha Nacional pelo Aborto Legal.
A ativista autoconvocada Marta Verón compareceu desde o início da marcha, que começou às 16h, como costuma fazer todos os anos. “O que me preocupa são os feminicídios quase diários que temos na Argentina”, disse ela, acompanhada de sua amiga, Natalia Castro.
“Temos que mostrar que a rua é nossa, vibrar hoje todas juntas e não perder esse direito, como o de estar aqui marchando, que a direita quer tirar de nós”, adicionou Castro.
“Esta é uma jornada que supera a demanda pelo aborto, e há companheiras e companheiros que se mobilizam hoje por muitas outras razões: saúde, educação, um Estado presente, melhorias econômicas para setores populares e uma grande manifestação, multissetorial, massiva e transversal”, ressaltou Luci Cavallero.
América Latina presente
Uma coluna em particular representou as mulheres brasileiras na marcha feminista, convocada pelo grupo de mulheres do Núcleo do PT na Argentina. Acompanhando o lema geral da marcha, elas levantaram o lema “Eu vejo o futuro repetir o passado: Milei é igual a Bolsonaro”.
“Como mulheres brasileiras, nós já vivemos a experiência de quatro anos com a extrema direita e o golpe contra a Dilma”, lembrou Renata Codas, secretária do Núcleo. “Resistimos aqui na Argentina e também acompanhamos a política daqui. Nessa eleição há dois candidatos que representam essa direita, e não sabemos o que virá”, acrescentou, referindo-se a Milei e Patricia Bullrich (Juntos pela Mudança).
“Nossa missão aqui é dizer que já vivemos isso e que há um projeto muito claro desse setor de perseguir nossos direitos, recursos naturais, as leis do trabalho e privatizar. Sabemos que quem mais perde são os setores populares, as mulheres e as diversidades. Nos sentimos responsáveis em fazer isso hoje”, completou Codas.
As organizações feministas argentinas ainda lembraram das “companheiras mexicanas que conquistaram o aborto”, em referência à recente aprovação da lei a nível nacional, por decisão da Suprema Corte de Justiça do México.
Também houve menção “às companheiras brasileiras que estão lutando agora mesmo”, referindo-se ao debate levantado pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber. Ela votou pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação, na semana passada. O julgamento terá continuidade em sessão presencial, ainda sem data definida.
O Dia de Ação Global pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito, também conhecido como Dia da Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto, tem sua origem no 5º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho de 1990, realizado na Argentina. Na ocasião, foi aprovada a Declaração de San Bernardo, que proclamou o Dia pelo Direito ao Aborto para as Mulheres da América Latina e do Caribe.