'prosperidade'

Em feira de orgânicos, indígenas de Roraima rebatem Gilmar Mendes: 'Não morremos de fome'

Mendes disse que indígenas 'têm muita terra' e vivem do 'lixão'; feira tem alimentos variados e até pecuária sustentável

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |
Indígenas afirmam que produção agropecuária prosperou após demarcação - Divulgação/CIR

Lideranças da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR) rebateram declarações de Gilmar Mendes, que acusou - nas palavras dele - "índios" da região de terem "muita terra", mas viverem em condições de vida ruins, sobrevivendo do "lixão". A fala do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) foi lembrada pelos indígenas nesta sexta-feira (29) durante o encerramento da 4ª Feira de Produtos Agrícolas Orgânicos Sustentáveis e Artesanatos Indígenas.

“É mentira quando ele [Gilmar Mendes] fala que nós, indígenas, estamos morrendo de fome, catando lixo no lixão. Estamos trabalhando de modo sustentável, recuperando a nossa Mãe Terra, que foi poluída e destruída pelos fazendeiros”, disse a professora Ernestina Makuxi, liderança indígena da região Willimon, enquanto mostrava os produtos em exposição. 

A declaração de Gilmar Mendes, apontada como "criminosa" e "racista" pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), foi feita em 31 de agosto, durante o julgamento do marco temporal no STF, que terminou com a invalidação da tese jurídica. No centro da crítica feita pelo ministro está um argumento falacioso reproduzido frequentemente por ruralistas: que a política de demarcação de terras indígenas, um dever constitucional do Estado, prejudica os próprios povos.

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"Quando ele fala que estamos com fome e no lixão é uma retaliação contra os indígenas, para poder bater contra a nossa demarcação. Para nós, isso é muito baixo. A gente não entra no mérito de dar uma resposta com documento. A gente faz isso na prática", disse ao Brasil de Fato Edinho Macuxi, coordenador-geral do CIR.

Mendes, que tem laços notórios com o agronegócio, sugeriu ainda que os indígenas estariam melhor se permanecessem trabalhando para os arrozeiros não indígenas, que foram realocados da Raposa Serra do Sol quando a área foi demarcada de forma contínua.

 “A notícia que se tem é que depois do encerramento do arrozal que lá tinha, de 5 mil hectares, muitos índios que ali trabalhavam foram catar lixo em Boa Vista [RR]”, afirmou Gilmar no plenário do Supremo. 

Na T.I. Raposa Serra do Sol, indígenas se recordam sem saudades do tempo em que o monocultivo de arroz dominava 20 mil hectares. Segundo Edinho Macuxi, todos os ministros do Supremo serão convidados à terra indígena em dezembro deste ano, quando haverá uma festa para celebrar a derrubada do marco temporal pelo STF, para conhecer de perto a realidade da região.

Pecuária sustentável e carne barata

Na Raposa Serra do Sol, o destaque da 4ª Feira de Produtos Agrícolas foi a variedade de produtos agrícolas, que correspondem aos hábitos alimentares das populações indígenas, e são vendidos com preço abaixo do mercado. Sementes tradicionais são cultivadas e comercializadas como forma de manter viva as culturas ancestrais. Entre os produtos estão o feijão rajado, feijão-de-corda, feijão preto regional, feijão-caupi, feijão vermelho, milho tilibra e o milho 40 dias. 

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“Aqui o preço da carne é R$ 20 o quilo. Se fosse no mercado de Boa Vista [capital de Roraima], com certeza esse preço chegaria acima dos R$ 40. Dentro da comunidade, onde o ministro Gilmar Mendes disse que ‘índio’ está passando fome, o quilo da carne é mais barato. E o produto é nosso, não é de fazendeiro. Aqui, o criador de gado é o povo indígena, e a gente se orgulha de trabalhar na terra que não ganhamos, mas sim lutamos e conquistamos”, enfatizou Enock Taurepang, vice coordenador geral do CIR.

Para Enock Taurepang, a prosperidade é fruto de demarcação da Raposa Serra do Sol e demonstra a consolidação da política fundiária indígena que resultou, 18 anos atrás, na demarcação e na homologação dos 1.747 hectares da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que se transformou em símbolo da luta dos povos indígenas do Brasil. O território tem cerca de 26 mil indígenas dos povos Wapichana, Makuxi, Taurepang, Patamona e Ingarikó.

1º Banco de sementes mantém cultura ancestral livre de transgênicos

Na sexta-feira (29), último dia da 4ª Feira de Produtos Agrícolas Orgânicos Sustentáveis e Artesanatos Indígenas, os povos indígenas da Raposa Serra do Sol inauguram o primeiro banco de sementes tradicionais, orgânicas e sustentáveis do Willimon. 

“As nossas sementes estavam em extinção. Decidimos resgatar as sementes tradicionais que temos aqui. A ideia é que todas as comunidades tenham as suas sementes tradicionais para não dependerem de sementes que venham de fora, de outros estados, com transgênicos. O banco de sementes servirá para armazená-las e, quando alguém quiser determinada semente, vai poder adquirir aqui”, explicou Amarildo Makuxi, uma das lideranças indígenas locais do Willimon.

“São sementes plantadas por nós mesmos. Aqui ninguém trabalha com mecanização da terra. Nossos produtos são todos orgânicos e manuais. Temos a diversidade de sementes e hoje dá muito resultado. Muitas comunidades não tinham mais sementes e hoje conseguiram adquirir através da nossa feira. Já mandamos sementes para outros estados, outros povos indígenas, inclusive para os Yanomami”, acrescentou Amarildo Makuxi.

Conheça a Feira de Produtos Agrícolas 

A 4ª Feira de Produtos Agrícolas Orgânicos Sustentáveis e Artesanatos Indígenas da região de Willimon foi realizada de 26 a 29 de setembro no Centro Willimon, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e incluiu atividades culturais, esportivas e uma mostra de artesanato indígena.

No encerramento, nesta sexta-feira (29), a programação contou com a inauguração do balcão de sementes tradicionais; exposição de produtos agrícolas sustentáveis e artesanatos indígenas; torneio de futebol e corrida de cavalo; entrega de premiações aos vencedores das competições; e uma noite cultural, com parixara, ritual dos povos tradicionais de Roraima, e forró caxiri na cuia.

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Edição: Rodrigo Durão Coelho