Neste domingo (1), a população brasileira foi às urnas para escolher conselheiros e conselheiras tutelares em todos os municípios do país. Com mandato de quatro anos e possibilidade de reeleição, os eleitos e as eleitas têm o dever de garantir a aplicação do Estatuto das Criança e do Adolescente (ECA).
Serão cinco nomes para cada um dos mais de 6 mil conselhos que existem hoje em território nacional. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, a votação conduzirá 30.500 pessoas aos cargos.
A educadora social e militante do movimento pela infância, Roberta Sato, explica que o número é determinado para garantir diversidade nos órgãos. Ela relata que, nos últimos anos, os conselhos têm presenciado um aumento considerável de pautas conservadoras, inclusive ligadas a igrejas neopentecostais e fundamentalistas.
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"Estamos vivendo um momento em que estamos superando ataques à democracia do nosso país e no Conselho Tutelar não é diferente. É muito fundamental participarmos e nos envolvermos nesse processo, porque temos visto um avanço das pautas mais conservadoras de extrema direita também dentro da pauta da criança e do adolescente."
Polarização
Para a assistente social e integrante da União Brasileira de Mulheres (UBM), Elza Campos, as eleições deste ano apresentaram duas visões a respeito dos direitos da criança e do adolescente: uma conservadora e outra mais progressista.
“Na atualidade, há uma disputa na sociedade, principalmente nos últimos anos com um governo (Bolsonaro) avesso aos direitos da criança e do adolescente [...] então essa disputa está colocada no conselho entre os que defendem o avanço civilizatório e aqueles que defendem teses que, entre aspas, falam na defesa da criança e do adolescente, da vida, mas estão mascaradas”, reflete.
Pautas como aborto, violência doméstica e sexual, por exemplo, polarizam as candidaturas. Elza cita casos que repercutiram nos últimos anos, como o caso da menina de 11 anos que foi estuprada em 2022 e impedida de interromper a gravidez em um hospital federal de Santa Catarina. O então presidente Jair Bolsonaro criticou a tentativa da menor em abortar.
“Em 2021, 98 crianças foram estupradas e 85% dessas vítimas são meninas, sendo que 80% desses estupros foram feitos por familiares das vítimas. Na minha opinião, a eleição do conselho tutelar deve refletir a defesa de uma sociedade democrática, o presente das crianças e não só o futuro, que possam brincar e ter direito à educação”, afirma Elza.
"É de se lembrar que o Estado é laico e que a atuação de agentes públicos e políticos deve se pautar pela lei e por uma atuação institucional e republicana, jamais por convicções pessoais e morais. A ética e a lei devem ser o norte em qualquer atuação desses agentes", aponta Adriana Goulart.
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Segundo a psicóloga e mestra em ciências sociais Cássia Vieira de Melo, para além das ideologias que pairam nas dinâmicas e nas relações sociais, é preciso que os conselheiros eleitos, que serão empossados no início de 2024, atuem como equipe, cumprindo o que está posto no ECA. "Que os conselheiros sejam capazes de demonstrar que conhecem as legislações e dão conta de agir como defensores de direitos ameaçados ou violados, sem racismo, misoginia e intolerância", ressalta.
Fake News
Um relatório da Sleeping Giants Brasil aponta que a extrema direita se mobilizou nas redes sociais para as eleições do Conselho Tutelar, conforme publicação da Fórum. Segundo a organização, os conservadores se aproveitam de estratégias digitais avançadas, como monetização e patrocínio de conteúdo online, para ampliar seu alcance pelas massas.
Assuntos que ficaram em alta nesses últimos dias, como o “banheiro unissex”, ajudam na disseminação da extrema direita pelas redes sociais. De acordo com a organização, a narrativa foi explorada por agentes políticos que financiam publicações patrocinadas na Biblioteca de Anúncios da Meta.
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As eleições utilizaram urnas eletrônicas cedidas pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), que também repassaram listas de eleitores e eleitoras de cada município e treinaram mesários e mesárias. Organizado pelos conselhos municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente de cada região, o pleito vai ser fiscalizado pelo Ministério Público.
Eleições para o conselho tutelar devem repetir polarização política do país, diz assistente social
Edição: Douglas Matos