A Petrobras completa 70 anos na próxima terça-feira (3) menor do que já foi um dia. Na última década, a maior empresa do país teve parte de seu patrimônio privatizado, cortou investimentos e parte do seu quadro de funcionários. Perdeu, assim, parte de sua relevância para a economia nacional – algo que ela, agora, sinaliza que quer recuperar.
Fundada em 1953 por Getúlio Vargas à esteira da campanha "O Petróleo É Nosso", a Petrobras foi a única empresa autorizada por lei a explorar petróleo no país por quase meio século. A partir de 1997, com a quebra do monopólio estatal sobre o setor de óleo e gás apoiada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ela passou a concorrer com gigantes estrangeiras no país e mesmo assim seguiu crescendo.
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A descoberta do petróleo na chamada camada pré-sal, em 2006, levou a companhia à elite do seu segmento. A Petrobras tornou-se uma gigante: seus investimentos atingiram patamares recorde, inclusive em áreas não diretamente ligadas à exploração do petróleo; o número de empregados da companhia também chegou a níveis históricos; a empresa bateu marcas atrás de marcas de produção; e virou o motor do crescimento do país durante os dois primeiros mandatos do hoje novamente presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em 2014, entretanto, começou a operação Lava Jato – hoje considerada um dos maiores escândalos jurídicos do país. Dilma Rousseff (PT) foi retirada da Presidência da República. Michel Temer (MDB) assumiu o cargo colocando a empresa para atender aos interesses de seus acionistas privados. Jair Bolsonaro (PL) aprofundou essa forma de gestão e, para além disso, vendeu ativos lucrativos da estatal para fazê-la focar estritamente na exploração de petróleo, enquanto suas concorrentes já planejavam-se para uma transição energética rumo a uma cenário de redução compulsória do uso de combustíveis fósseis.
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É verdade que o foco e as vendas levaram a Petrobras a lucros recordes – em parte, também explicados pela alta do petróleo no mercado internacional. A empresa, contudo, diminuiu. Deixou áreas estratégicas para seu próprio negócio.
"A Petrobras acabou saindo de vários setores, como os gasodutos, com a venda da NTS [Nova Transportadora do Sudeste] e da TAG [Transportadora Associada de Gás]. Praticamente saiu de produção de energia eólica. A Petrobras vendeu a distribuição de combustíveis e de gás de cozinha, com a privatização BR Distribuidora e da Liquigás; vendeu a Gaspetro, que tinha participação na distribuição de gás natural; vendeu refinarias", listou o economista Eric Gil Dantas, do Observatório Social do Petróleo (OSP), que acompanhou esse processo, aprofundado a partir de 2019.
Levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) feito com números divulgados pela própria Petrobras mostra que, de 2013 a agosto de 2022, a estatal vendeu 96 ativos. Somente durante o governo Bolsonaro, foram vendidos 68 – ou seja, 71% do total das privatizações.
Foram mais de R$ 290 bilhões em patrimônio privatizado, acrescentou Dantas. E isso, naturalmente, afetou o desempenho da empresa.
Em abril de 2013, a Petrobras tinha 94% de participação na produção de óleo e gás no país. Em abril deste ano, baixou esse percentual a 64%.
Mahatma dos Santos, um dos diretores técnicos do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), disse que essa redução refletiu-se também em outros aspectos. "Houve uma diminuição sistemática dos seus investimentos, que saíram de uma média entre 2006 e 2012 de cerca de 250 bilhões de dólares [cerca de R$ 1 trilhão na cotação atual], para algo em torno de 78 bilhões de dólares [cerca de 390 bilhões] no último quinquênio", afirmou. "Também houve uma redução no número de trabalhadores diretos da empresa, que chegaram ao pico de cerca de 86 mil em 2014 e hoje são menos de 45 mil."
Efeitos sobre economia
Dos Santos acrescentou que a redução dos investimentos da Petrobras teve efeitos sobre toda economia nacional. Segundo ele, no início da década passada, os projetos da empresa representavam até 14% do que era investido num ano em todo país. Hoje, são 7%.
Com menos investimentos, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional tende a crescer menos, menor é a geração de emprego e de renda.
Já Dantas afirmou que, com a Petrobras menor, o Brasil tornou-se mais dependente do capital estrangeiro para exploração de petróleo e até para o abastecimento nacional de combustível. Ele, aliás, disse que o preço dos combustíveis é o efeito disso.
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Segundo Dantas, após as privatizações, os preços do gás, gasolina e diesel no Brasil subiram no país, já que eles alinharam-se aos valores do mercado internacional. Subiram de forma mais intensa, inclusive, na Bahia, no Rio Grande do Norte, e no Amazonas, locais em que refinarias foram privatizadas.
"Quando a gente compara os preços da Petrobras com os preços de refinarias de estados com privatização, eles são mais caros. Os baianos, os potiguares e também a população do Norte, que são abastecidos por uma refinaria privatizada, pagam hoje preços superiores. No Amazonas, o gás de cozinha é quase 40% mais caro que o vendido pela Petrobras", afirmou Dantas, que monitora esses valores periodicamente para o OSP.
Cloviomar Cararine Pereira, economista do Dieese, afirmou que a Petrobras praticamente encerrou suas atividades no Rio Grande do Norte. Também reduziu muito suas atividades na Bahia. Esses estados, por consequência, perderam investimentos.
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Em compensação, disse Pereira, a estatal começou encomendar plataformas fora do país, transferindo para lá postos de trabalho que poderiam ser gerados aqui. "Houve uma redução da política de conteúdo local", explicou. "A Petrobras passou a contratar plataformas e embarcações de fora, gerando empregos fora. Isso é muito perverso."
"Abrir mão de grandes investimentos em setores estratégicos, sobretudo para o capital estrangeiro, significa delegar nossa trajetória de desenvolvimento econômico e social a interesses que não são necessariamente os da sociedade brasileira, comprometendo a soberania nacional", disse o coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, sobre decisões de gestões passadas da empresas.
Novo cenário
Bacelar disse que a Petrobras sinalizou que pretende reverter essa lógica. Isso é corroborado pelos economistas ouvidos pelo Brasil de Fato.
"A retomada de uma Petrobras forte e nacional é parte do programa de governo da coalizão eleita em 2022, a qual foi liderada pelo PT", disse dos Santos, do Ineep. "A empresa, inclusive, já tomou diversas iniciativas nessa direção: mudou sua política de pagamento de dividendos para ter mais recursos para investimento, incluiu aspectos nacionais na sua política de preços de combustíveis, anunciou a reabertura de uma fábrica de fertilizantes e investimentos em seu parque de refino."
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Pereira acrescentou que a Petrobras parou de vender ativos neste ano. Mais do que isso, passou a focar-se numa transição para transformar-se numa empresa de energia limpa, caminho que tem sido perseguido por suas concorrentes frente ao aquecimento global.
Dantas destacou o investimento em energia eólica anunciado recentemente pela empresa. A estatal está disposta a aplicar R$ 130 milhões para construção de uma turbina para geração de energia por meio do vento, que deve ser captado em alto mar. "A Petrobras está voltando à condição normal de uma empresa de energia, que procura se atualizar", afirmou ele.
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Para Dantas, a Petrobras tende a contribuir muito com o país. É a empresa que, de longe, tem a maior capacidade de investimento no Brasil. Pode, agora, usar isso para um setor estratégico da economia global –energia eólica offshore.
A Petrobras informou que já é uma das maiores petroleiras do mundo, mas também quer ser líder da transição energética. "Nesta virada dos 70 anos, o grande foco da companhia é promover uma transição energética justa, inclusiva e sustentável e apresentamos as mais avançadas tecnologias para reduzir as emissões da produção de petróleo e gás, que já está entre as mais descarbonizadas do mundo", afirmou.
Edição: Thalita Pires