QUESTÃO SANITÁRIA

Essencis, uma bomba-relógio no bairro mais populoso de Curitiba

Há décadas, o Brasil ganhou um presente francês: os lixões do grupo Solví Essencis

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Essencis é acusada de manter aterro sanitário em local com biomas, três nascentes e proximidade com APA do Passaúna - Pedro Carrano

Curitiba (PR) tem um enorme aterro sanitário no bairro CIC, de propriedade do grupo Solví Essencis, que atua no ramo de lixo sólido e efluentes (chorume). Esse grupo pertence à megacorporação colonial francesa chamada Companhia Suez, criada em 1858, a fim de construir e operar o Canal de Suez no Egito. Com a nacionalização do Canal de Suez, em 1956, a empresa se concentrou em explorar serviços públicos em países pobres, tendo se especializado na implantação de lixões. Foi assim que o Brasil ganhou um presente francês: lixões do grupo Solví Essencis.

Seu maior aterro sanitário no Brasil fica no município de Caieiras, em São Paulo, a mais de 70 quilômetros da capital paulista. Já aqui, em Curitiba, a “Capital Ecológica”, seu aterro funciona dentro do perímetro urbano da cidade, na Rua dos Palmenses (Águas do Passaúna) no São Miguel, bairro da CIC, justamente o mais populoso da cidade.

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Para se ter uma ideia, o lixo é enterrado a poucos metros da Estação de Tratamento de Água do Passaúna da Sanepar, e divide muros com a Casa de Custódia de Curitiba, o Colégio Bagozzi e inúmeros bairros populares como Moradias Corbélia, Moradias Camargo, Sabará e as Ocupações Dona Cida, Nova Primavera e Tiradentes.

Os problemas que o aterro causa para a vizinhança foram tema da Audiência Pública Impactos Sociais e Ambientais da Essencis na CIC, promovida pelo deputado estadual Renato Freitas (PT) com a participação de outros parlamentares, acadêmicos e ativistas ambientais em 16 de maio de 2023, mas as denúncias são antigas. A organização Ação Ambiental denuncia há muitos anos as irregularidades da Essencis por meio de um documento robusto, chamado “Dossiê Stirps”.

Segundo a entidade, “há um documento do Instituto de Águas do Paraná que constatou a existência dos corpos hídricos” em cima dos quais a empresa construiu o aterro. A Ação Ambiental denuncia ainda que não há transparência quanto ao tipo do lixo recebido. Nas visitas técnicas à empresa, é sempre proibido visitar o local onde é colocado o lixo.

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Em junho de 2011, o problema da Essencis virou notícia nacional: um grave incêndio levou à explosão de suas instalações. Na ocasião, pelo menos sete caminhões do Corpo de Bombeiros foram necessários para combater o incêndio de “centenas de galões de produtos químicos”, como descreveu o então comandante, Cel. Pombo. O incêndio assustou os moradores da região e mobilizou um abaixo assinado contra a empresa.

As diversas irregularidades motivaram o Ministério Público do Paraná a propor ação civil pública, em 2014. A empresa opera desde 2010 sem o devido Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) exigido por lei. Uma decisão judicial suspendeu liminarmente as licenças concedidas pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP). Apesar disso, o aterro sanitário segue funcionando com base em licenças precárias renovadas ano a ano com base apenas na política do fato consumado, chancelada pelas autoridades ambientais do município.

Em pleno 2023, além de não apresentar um plano de encerramento de suas atividades, como recomendado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, regulada pela lei 12.305/2010, tudo indica que a Essencis pretende participar da próxima licitação do lixo, anunciada pelo prefeito Rafael Greca (PSD) na última reunião do Conresol, o Consórcio Intermunicipal de Resíduos Sólidos. Para vencer a licitação, a empresa precisa varrer para baixo da terra as suas irregularidades. Como se não bastasse, as gananciosas expansões das atividades do lixão alcançam áreas que teriam melhor destinação se fossem usadas para fins urbanos, e provocam ameaças de despejo de moradores do entorno, comunidades pobres e de maioria negra.

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O mundo precisa com urgência ter atenção à ecologia global. O Brasil e o Mercosul foram duramente criticados pelo presidente francês Emmanuel Macron em fevereiro desse ano pelo seu desrespeito às normas ambientais. No entanto é inadmissível que as potências mundiais considerem que exista o mundo de “dentro” e o mundo de “fora”, empurrando para os países mais pobres os problemas que não querem ver nos países ricos. Se as normas ambientais são desrespeitadas em São Paulo ou Curitiba, o capitalismo francês também é responsável e até causador. É essa desigualdade que forma a injustiça social e que está causando insustentabilidade ambiental no mundo todo, com mudanças climáticas e desastres.

Por isso, o papa Francisco, na Encíclica Laudato Si, convocou a humanidade para agir em favor da ecologia integral, da natureza e do homem na sua totalidade, porque a exploração do meio ambiente, numa atitude de egoísmo, indiferença, exploração, com estilos de vida irresponsáveis está ameaçando o futuro da humanidade. A nossa casa comum convoca a consciência de uma ecologia integral, ensinou o pontífice.

É preciso defender a cidade, sobretudo seus bairros mais pobres, da atuação poluidora da Essencis. A dimensão dos problemas que essa empresa causa na CIC é inversamente proporcional à sua visibilidade. A sociedade tem o direito de saber os impactos sociais e ambientais de um aterro dessas proporções no seu bairro mais populoso, e por quanto tempo a Essencis pretende manter seu aterro ativo e em plena expansão.

No momento em que se comemora a conversão do aterro da Caximba em usina de energia solar, lembrar que ainda há lixo tratado de forma inadequada em Curitiba é um gesto de amor pela cidade.

 

*Irmã Anete, Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus e gestora do Centro de Assistência Social Divina Misericórdia.

**Jadir de Lima, líder comunitário, ativista ambiental e presidente da Ação Ambiental.

***Pedro de Almeida Cintra, ativista ambiental e sociólogo.

****Bruno Meirinho, advogado, militante do PSOL e ex-candidato a prefeito de Curitiba.

*****As opiniões expressas nesse texto são de responsabilidade dos autores/as e não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Pedro Carrano