As residências de mais de 100 jornalistas, prestadores de serviços e ex-funcionários associados aos veículos de notícias progressistas NewsClick e Peoples Dispatch, bem como o Tricontinental Research Services, foram invadidas pelas autoridades indianas na madrugada desta terça-feira (3) na capital Nova Délhi. Várias batidas também foram realizadas nas cidades de Noida, Ghaziabad, Gurgaon e Mumbai. De acordo com relatos locais, cerca de 50 indivíduos foram levados para a delegacia de polícia para interrogatório adicional.
O editor-chefe do NewsClick, Prabir Purkayastha, e o administrador Amit Chakraborty foram presos de acordo com a lei antiterrorismo, a Lei de Prevenção de Atividades Ilícitas (UAPA). Pelo menos 500 policiais e agentes de inteligência participaram da operação.
Entre os que enfrentaram batidas, interrogatórios e detenções estão os renomados jornalistas Urmilesh, Abhisar Sharma, Aunindyo Chakraborty, Bhasha Singh, Paranjoy Guha Thakurta, o comediante Sanjay Rajoura, o jornalista esportivo Arjun Pandit e a ativista de direitos humanos e ex-presa política Teesta Setalvad.
Após sua libertação, Sharma disse: "Depois de um dia inteiro de interrogatório pela unidade especial de Delhi, estou de volta em casa. Toda e qualquer pergunta feita será respondida. Não há nada a temer. E continuarei questionando as pessoas no poder e, principalmente, aquelas que têm medo de perguntas simples. Não recuarei a qualquer custo".
Democracia sob ataque
Os registros da polícia mostram que o caso contra o NewsClick sob a UAPA foi registrado em 17 de agosto, pouco mais de uma semana após a publicação de uma reportagem do The New York Times que alegava que o NewsClick, entre outros veículos de notícias progressistas, fazia parte de uma rede de propaganda de notícias chinesas.
A reportagem provocou um escândalo político e midiático na Índia, que viu os meios de comunicação de direita publicarem dezenas de artigos apresentando acusações infundadas de que os membros dos meios de comunicação são propagandistas chineses. Membros do parlamento do Partido Bharatiya Janata, de extrema direita, bem como autoridades de alto nível, como o Ministro do Interior Amit Shah, também fizeram declarações semelhantes no plenário do parlamento e à mídia.
As invasões e a repressão em massa de hoje foram amplamente condenadas por organizações progressistas, associações de imprensa e partidos de oposição de toda a Índia como um grave ataque à democracia, às liberdades civis e aos direitos humanos.
O Editors Guild of India divulgou uma declaração expressando profunda preocupação "com as batidas nas residências de jornalistas importantes na manhã de 3 de outubro e a subsequente detenção de muitos desses jornalistas". O sindicato está pedindo ao governo indiano que "siga o devido processo e não use leis criminais draconianas como ferramentas para intimidar a imprensa".
A Unidade Estadual de Délhi do Sindicato dos Advogados de Toda a Índia declarou que estava "profundamente preocupada com as implicações dessas prisões para a liberdade de imprensa e os valores democráticos que nossa nação preza... A liberdade de imprensa é a pedra angular de qualquer democracia vibrante. É essencial que os jornalistas possam fazer reportagens independentes sobre assuntos de interesse público sem medo de assédio ou intimidação. Os jornalistas desempenham um papel fundamental na responsabilização dos que estão no poder e na informação do público sobre questões importantes."
A All India Democratic Women's Association (AIDWA) disse em uma declaração pública: "Essa ação altamente antidemocrática, injustificada e repressiva foi ostensivamente realizada para intimidar jornalistas independentes e corajosos e outros que tem criticado as políticas do governo. O governo do BJP agora optou por usar a draconiana UAPA juntamente com outras seções do IPC para realizar essas últimas batidas e confiscar os pertences eletrônicos, incluindo laptops e celulares dos indivíduos envolvidos".
Testemunhas relatam que as mais de 100 batidas domiciliares duraram, em média, de quatro a 10 horas, e as pessoas interrogadas enfrentaram uma ampla gama de perguntas, como se haviam ou não feito reportagens sobre os protestos dos agricultores na Índia, os protestos contra a controversa Lei de Emenda à Cidadania, a má gestão da Covid-19 na Índia ou qualquer coisa considerada "antigoverno". Em alguns casos, as autoridades saquearam as casas das pessoas em busca de material e uma pessoa relatou que as autoridades jogaram seus livros no chão e confiscaram todos os títulos do filósofo alemão Karl Marx. A maioria das pessoas que sofreram batidas e foram detidas, tiveram seus celulares e computadores apreendidos.
O escritório do NewsClick em Nova Délhi foi lacrado pela polícia depois de ter sido invadido. A casa do Secretário Geral do Partido Comunista da Índia (Marxista), Sitaram Yechury, também foi invadida. Após a batida, ele disse à mídia: "A polícia foi à minha residência porque um dos meus companheiros que mora comigo lá, seu filho, trabalha para a NewsClick. A polícia foi até lá para interrogá-lo. Levaram seu laptop e telefone. O que eles estão investigando? Ninguém sabe. Se essa é uma tentativa de tentar amordaçar a mídia, o país precisa saber o motivo por trás disso."
A repressão de hoje é apenas o último ato de assédio contra o NewsClick, que foi invadido pela primeira vez em fevereiro de 2021 pelo Enforcement Directorate, alegando fraude econômica e lavagem de dinheiro. Na época, muitos militantes destacaram que o ataque havia ocorrido em meio aos crescentes protestos dos agricultores. NewsClick foi um dos veículos que forneceu informações consistentes sobre a luta e ganhou notoriedade generalizada por suas reportagens dos acampamentos de protesto dos agricultores. Os tribunais do país haviam concedido ao NewsClick proteção contra quaisquer "medidas coercitivas", como detenção e prisão pelas autoridades nesse caso, mas o último caso da UAPA concedeu às autoridades privilégios especiais para anular essas proteções judiciais.
A UAPA, que foi estabelecida pela primeira vez em 1967, passou por um exame minucioso nos últimos anos, pois foi usada pelo governo do líder de extrema direita do BJP, Narendra Modi, para perseguir ativistas de direitos humanos, jornalistas e acadêmicos no país. A lei dá ao governo poderes especiais para contornar as liberdades civis, os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos, como o direito a um julgamento justo. A emenda à UAPA em 2008 dá ao governo o poder de designar indivíduos ou grupos como terroristas sem nenhum processo judicial formal.
Em uma declaração condenando a prisão de vários manifestantes contrários à lei UAPA em 2020, a Anistia Internacional escreveu: "A Lei de Prevenção de Atividades Ilícitas (UAPA) é usada rotineiramente pelo governo para contornar os direitos humanos e sufocar a dissidência. Em 2018, a taxa de condenação sob a UAPA foi de 27%, enquanto 93% dos casos permaneceram pendentes no tribunal. É uma mera ferramenta de assédio que o governo usa para perseguir, intimidar e prender aqueles que o criticam. Os processos investigativos lentos e as cláusulas de fiança extremamente rigorosas da UAPA garantem que eles fiquem presos por anos, criando um ambiente conveniente para a detenção ilegal e a tortura."
A Federação de Estudantes da Índia (SFI) convocou suas unidades em toda a Índia para organizar protestos de emergência em resposta à "repressão brutal à mídia indiana pelo governo Modi".