Na Colômbia dos anos 2000, tempos do governo de Álvaro Uribe (2002-2010), o Exército tinha o hábito de pegar os corpos de civis assassinados e vesti-los como guerrilheiros, para poder contabilizá-los como baixas inimigas em cenários montados para simular combates, e assim cumprir suas metas, além de ocultar o fato de que inocentes haviam perdido suas vidas. Nesta terça-feira (3), o Exército pediu perdão.
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A política linha-dura de Uribe previa premiações em dinheiro, promoções e outros benefícios para os oficiais eficazes. Eles armavam arapucas que, muitas vezes, matavam civis em vez de guerrilheiros. Assim surgiram os chamados "falsos positivos", possivelmente o maior escândalo envolvendo militares em mais de meio século de conflito armado na Colômbia.
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Em 2008, uma operação do tipo foi desmascarada. Familiares de 19 jovens assassinados denunciaram os militares responsáveis e provaram que as vítimas não faziam parte de organizações armadas. Denúncias similares passaram a surgir e hoje sabe-se que pelo menos 6.402 pessoas foram assassinadas como parte dessa estratégia, segundo a JEP (Justiça Especial para a Paz), um tribunal criado a partir do acordo entre o Estado colombiano e a extinta guerrilha Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Daquelas 19 vítimas, a mais jovem é Deiby Julián Pisa, rapaz que tinha 14 anos quando foi morto. Sua mãe, María Teresa Gil, não aceita desculpas, especialmente se não saírem da boca de quem ela considera os principais responsáveis: Juan Manuel Santos e Álvaro Uribe, respectivamente, ministro da Defesa e presidente da República na época do crime.
Assim como ela, mulheres detalharam os casos de outras vítimas durante a solenidade de pedido de perdão, ocorrida em Bogotá. Os presentes, incluindo autoridades do governo lideradas pelo ministro da Defesa, Ivan Velásquez, membros de organizações sociais e representantes da comunidade internacional, as ouviram em silêncio. Gritos vindos de trás das cercas que rodeavam o local revelavam que mais pessoas queriam ter seus depoimentos ouvidos naquele evento sem precedentes.
Falso positivo coisa nenhuma
Depois de darem seus depoimentos, as mães, irmãs e filhas se juntaram ao palco para cantar com a artista Diana Ángel e o cantor César López. Nenhuma delas abandonou as palavras de ordem que as identificam: "Eles não estão, eles foram mortos"; "Eles não são falsos, nem positivos", este último uma crítica ao eufemismo de chamar de "falso positivo" algo que na verdade é um crime de Estado.
Familiares das vítimas exigiram saber quem deu a ordem para assassinar os civis. Organizações de direitos humanos cobram essa investigação. Comandantes do Exército negam que a ação tenha sido sistemática. Alguns militares chegaram a dizer que os relatos eram invenções de organizações da esquerda para deslegitimar as forças de segurança.
Em confissões à JEP, militares aposentados contaram como seduziam jovens com ofertas de trabalho para depois matá-los a centenas de quilômetros de suas casas. A maioria das vítimas de Bogotá e Soacha foi levada para Santander, um estado na fronteira com a Venezuela.
Alguns alegam que foram pressionados por seus superiores e acusam o general Mario Montoya, chefe do Exército de 2006 a 2008, de estimular os crimes.
Legitimidade manchada
"Não é um dia fácil", declarou o presidente Gustavo Petro, que pediu perdão formalmente em nome do Estado colombiano durante o ato. "Nunca mais devemos falar em 'falsos positivos', uma expressão que esconde a verdade", disse ao se referir a esses fatos, .
"Reconhecemos que ocorreram eventos dolorosos cometidos por membros do Exército Nacional e que nunca deveriam ter acontecido", afirmou o general Luis Ospina, comandante da força. O militar disse que os assassinos e seus cúmplices "mancharam a legitimidade" do Exército.
Ustedes son madres de toda Colombia, la madre patria, y me permito pedirles perdón: Presidente Petro a familias de víctimas de ejecuciones extrajudiciales de Soacha https://t.co/nyqWakQIB5
— Iván Cepeda Castro (@IvanCepedaCast) October 4, 2023
Com informações do El País e da Folha de S.Paulo
Edição: Leandro Melito