Após meses de tergiversações o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, por treze votos favoráveis e duas abstenções (China e Rússia), no início desta semana, uma Resolução autorizando o envio de uma missão multinacional de apoio à segurança no Haiti.
Apesar do ruído da grande imprensa internacional, dos políticos e dos diplomatas, a decisão não constitui novidade alguma pois o Haiti se tornou, para sua infelicidade, desde o início dos anos 1990, um dos principais clientes do Conselho de Segurança. Desde então nada menos de dez « Missões » da ONU foram enviadas ao país. Com distintos propósitos e instrumentos de ação.
A existência de um « rosário missioneiro » como no caso haitiano, indica e tende a comprovar que o aporte destas missões foi nulo. Mal pensadas e conduzidas, seus reiterados fracassos levam à necessidade de retornar periodicamente ao Caribe. Exatamente o que estáo correndo atualmente.
O teor da Resolução indica que a missão reunirá componentes policial e militar de países voluntários. Seu financiamento idem. Se trata de uma original e pouco comum missão « não-onusiana ». Embora autorizada pelo Conselho de Segurança, a responsabilidade será de um grupo de países, ainda indefinidos, capitaneados pelo Quênia.
Paralelamente há indicação sobre a necessidade de um acerto político entre os haitianos. Para tanto o Conselho de Segurança confia nos esforços diplomáticos e de mediação da Comunidade do Caribe (Caricom), da qual o Haiti é membro.
Sempre é aconselhável observar e analisar o conteúdo, o contexto e a semântica das Resoluções do Conselho de Segurança. Todavia um texto é o que ele diz e também o que ele cala. Neste sentido há silêncios que falam por si. O mais importante deles é a subjacente crítica à ação da Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (Minustah) (2004-2017) cujo braço armado foi permanentemente comandado por generais brasileiros.
Apesar dos esforços destes e do silêncio dos sucessivos governos brasileiros, o fato é que sob nosso comando, militares à serviço da Minustah e sob a bandeira das Nações Unidas, levaram ao Haiti, pela primeira vez em outubro de 2010, o vírus da cólera que infectou 800 mil pessoas e vitimou 30 mil, sobretudo camponeses da região rizícola de Artibonite, na região central do Haiti. Ainda hoje, a epidemia provoca mortes.
A máquina política, diplomática, burocrática, militar e jurídica das Nações Unidas tentou acobertar o escândalo. A presente Resolução do Conselho de Segurança ao aprovar uma missão « nao-onusiana » condena a todos, inclusive o poderoso Departamento de Operações de Paz.
Um segundo silêncio diz respeito à Organização dos Estados Americanos. Sequer mencionada, a OEA paga tributo à atuação pífia de seu Secretário Geral e aos equívocos decorrentes de seu alinhamento automático à posições equivocadas e frontalmente contrárias ao seu protagonismo em crises anteriores.
O espoucar de foguetes à notícia da adoção da Resolução deve ser temperado pois o mais difícil está por vir : fazer transitar seus propósitos para o terreno dos fatos. As recorrentes crises haitianas devem servir de alerta. Não é por acaso que o país recebeu a alcunha de « cemitério de projetos ». Considero que a antiga « Pérola das Antilhas » como o país das ilusões e inocências perdidas. Aconselho à todos cautela, prudência e caldo de galinha.
Ricardo Seitenfus foi Representante da OEA no Haiti (2009-2011) e autor de Haiti: dilemas e fracassos
internacionais e A ONU e epidemia de cólera no Haiti.
Edição: Leandro Melito