Nessas mais de três décadas, a cada ano na data do aniversário da Constituição Federal várias análises de como suas mudanças jurídico-políticas foram e vêm sendo implementadas são expostas em textos acadêmicos ou jornalísticos por diversos atores.
Uma questão importante, não exatamente uma novidade, mas que se sobressai e impõe reflexão quando nossa Carta Magna completa 35 anos, é sobre os limites e definições de competências entre os poderes Legislativo e Judiciário.
Uma verdadeira "queda de braço" vem se operando em pautas centrais como o marco temporal sobre Terras Indígenas, tese rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal no dia 21 de setembro de 2023 por 9 votos a 2, em julgamento que começou no ano de 2021.
Uma semana depois, o Senado Federal aprovou projeto vindo da Câmara dos Deputados estabelecendo as mesmas regras consideradas inconstitucionais pela Corte Suprema, fixando o dia da promulgação da Constituição Federal para definir as áreas como sendo tradicionalmente ocupadas por povos originários.
Por um lado, o Congresso Nacional possui legitimidade para legislar em qualquer tema em que não haja vedação expressa. Por outro, é evidente que do ponto de vista do controle de constitucionalidade o projeto aprovado já nasce inconstitucional. Isso porque ao julgar o Recurso Extraordinário 1.017.635, que é um pedido de reintegração de posse envolvendo a Funai e o povo Kokleng, o STF reconheceu a repercussão geral, significando que o julgamento fixa uma tese para todas as instâncias do Judiciário envolvendo demarcações de Terras Indígenas.
Nesta quarta-feira (4) a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição 8/2021, proibindo decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendam a eficácia de lei ou ato normativo com efeito geral, ou que suspendam atos dos presidentes da República, do Senado e da Câmara. A PEC também proíbe decisões monocráticas com poder de suspender a tramitação de propostas legislativas, que afetem políticas públicas ou criem despesas para qualquer Poder. Estabelece, ainda, limite para os pedidos de vista dos processos.
No auge dos debates, a crise escalou para um tema mais antigo e sensível. O presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, defendeu publicamente mandatos para ministros do STF, o que suscitou críticas do decano Gilmar Mendes e de Luís Roberto Barroso, atual presidente da Corte.
Temas à parte, fato é que todos os poderes podem ser observados com olhares críticos, quando atentos.
A judicialização da política, processo que é um fenômeno mundial, teve acirramento nos processos pós constituições democráticas e as disputas pelos direitos nelas consignados. No Brasil, houve um exponencial crescimento do papel do Poder Judiciário que, provocado, muitas vezes exarou decisões mais amplas. E em outras foi o exato esteio que estabeleceu os marcos constitucionais dos direitos questionados.
O papel dos poderes acompanha essa contenda com impulsos maiores ou menores a depender da conjuntura dada.
Certo é que os conflitos entre poderes podem ser naturais, desde que solucionados sem ignorar o texto constitucional e suas normas de harmonia de freios e contrapesos.
O fortalecimento da democracia passa pela estabilidade das instituições. As tentativas recentes de golpe contra o Estado Democrático de Direito deram mostras do quanto isso é fundamental. Foi a reação das instituições que garantiu a volta à normalidade e a operacionalização da responsabilização dos que praticaram os atentados e a tentativa de destituir um governo legitimamente eleito.
Os prejuízos que podem ser causados quando os poderes se digladiam entre si são de várias ordens, acarretando danos à sociedade e desgaste dos próprios poderes da nação. Sua solução, portanto, deve evitar as consequências mais danosas à sociedade, colocando os impasses dentro do escopo da razoabilidade e proporcionalidade, sem casuísmos, afirmando as garantias fundamentais de nossas Constituição Federal tão duramente conquistadas.
*Tânia Maria de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da UnB (GCcrim/UnB). Membra da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Compõe a equipe da Secretaria-Geral da Presidência da República.
** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires