Mobilizações pela liberdade de imprensa ganharam espaço na Índia nesta quarta-feira (4) depois que autoridades policiais do governo de extrema direita de Narendra Modi invadiram as redações e residências de mais de 100 jornalistas, prestadores de serviços e ex-funcionários associados aos veículos de notícias progressistas NewsClick, Peoples Dispatch e ao instituto de pesquisa Tricontinental Research Services na capital Nova Délhi.
“Condenamos veementemente essas ações de um governo que se recusa a respeitar a independência jornalística e trata a crítica como sedição ou propaganda ‘anti-nacional’”, publicou em editorial, nesta quarta-feira (4), o jornal NewsClick.
Uma coalizão de 18 organizações de imprensa de vários estados enviou uma carta ao Chefe de Justiça da Índia (CJI) Y V Chandrachud, solicitando a intervenção do Judiciário indiano para que as liberdades consagradas na Constituição do país sejam protegidas, de forma que os jornalistas possam cumprir o seu dever sem “ameaça de represálias”.
“A intimidação dos meios de comunicação social afeta o tecido democrático da sociedade. Submeter os jornalistas a um processo criminal concentrado porque o governo desaprova a sua cobertura de assuntos nacionais e internacionais é uma tentativa de calar a imprensa através da ameaça de represália”, diz o texto.
NewsClick
Fundado em 2009, o site de notícias independente NewsClick, com linha editorial voltada a movimentos progressistas na Índia, foi o principal alvo da operação e teve seu escritório lacrado. O editor-fundador do site, o jornalista Prabir Purkayashta, de 76 anos, e o administrador, Amit Chakraborty, foram detidos na operação e as casas de outros 44 profissionais de imprensa foram invadidas. As prisões aconteceram com base na Lei de Prevenção de Atividades Ilícitas (UAPA), a lei antiterrorismo do país, sem que os detidos tenham sido convocados para interrogatório. Nenhuma acusação formal foi apresentada aos veículos.
Em declaração oficial, a polícia indiana afirmou que 37 homens suspeitos foram interrogados no escritório do NewsClick e nove mulheres suspeitas foram interrogadas em suas residências.
Segundo o NewsClick, a linha de questionamento adotada pela polícia de Delhi é voltada à cobertura das manifestações de agricultores em 2020, principal movimento popular de oposição ao governo Modi e demonstram “a intenção motivada e maliciosa por trás dos atuais procedimentos”.
Em seu pronunciamento o NewsClick afirma ter sido alvo de uma série de ações capitaneadas por diversas agências do governo da Índia desde 2021. Seus escritórios e residências de funcionários foram invadidos pela Diretoria de Execução, pelo Departamento de Delitos Econômicos da Polícia de Delhi e pelo Departamento de Imposto de Renda.
Nessas operações já haviam sido apreendidos laptops e telefones da equipe, que teve seus e-mails e mensagens analisados, assim como extratos bancários, despesas, fontes e fundos da empresa. Ainda segundo o NewsClick, vários diretores e pessoas ligadas à administração do veículo passaram horas sendo interrogadas pelas agências governamentais, sem que nenhuma acusação formal contra o veículo tenha sido apresentada por parte desses órgãos.
“Temos plena confiança nos tribunais e no processo judicial. Lutaremos pela nossa liberdade jornalística e pelas nossas vidas de acordo com a Constituição da Índia”, declarou o veículo.
Peoples Dispatch e Tricontinental Research
Também foram alvos da operação policial os escritórios e trabalhadores do Peoples Dispatch, projeto de mídia internacional com a missão de trazer vozes dos movimentos e organizações populares ao redor do mundo em sua cobertura diária de notícias e do Tricontinental, instituto internacional de pesquisa orientado por movimentos e organizações populares, que busca unir a produção acadêmica e os movimentos políticos e sociais.
O jornalista, editor geral de LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute For Social Research, Vijay Prashad, publicou um texto manifestando solidariedade aos seus colegas detidos na Índia. Prashad aponta que o NewsClick teve um papel fundamental na cobertura dos protestos de camponeses no país, assim como em relação à “desastrosa política do governo durante a pandemia de Covid" e destaca que o veículo foi “um dos poucos meios de comunicação na Índia a cobrir seriamente os acontecimentos na Ásia Ocidental e no Norte de África, particularmente no Iraque e no Irã”, após a pressão do governo dos EUA sobre a energia nuclear no Irã a partir de 2006.
“Ao longo dos anos, o NewsClick cresceu e se tornou uma das vozes mais importantes na cobertura de notícias centradas nas pessoas. Era bem sabido que as principais pessoas envolvidas no NewsClick eram de esquerda, e era bem sabido que a cobertura do NewsClick levava a sério as opiniões sobre os movimentos populares e sobre a vida das pessoas”, escreveu Prashad.
Edição: Patrícia de Matos