Após meses de intensas discussões, o Grupo de Trabalho (GT) criado pelo governo federal para discutir as condições de trabalho e possíveis regulações e medidas de proteção trabalhista e social para trabalhadores de plataformas (ou apps) ainda não conseguiu chegar a resoluções que melhorem a situação dessas categorias pela falta de propostas empresariais que atendessem as demandas dos/as trabalhadores/as.
Durante as negociações, os/as trabalhadores/as encaminharam 12 pontos como proposta de pauta. Entre eles, está o reconhecimento do vínculo trabalhista, a definição dos direitos previdenciários, atenção à definição do CNAE (Classificação Nacional das Atividades Econômicas), a importância da saúde e segurança, questões que atualizam o sistema sindical e à definição de jornada limitada sem horário pré-determinado, transparência e proteção antidiscriminatória.
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As empresas não cederam. Organizadas por meio da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) e Movimento de Inovação Digital (MID), elas se mantiveram firmes, contrárias à proposta de piso remuneratório de até R$ 7,00 por hora de trabalho para ciclistas, R$ 12,00 por hora de trabalho para os/as entregadores/as e R$ 25,00 por hora de trabalho para os/as motoristas, nos dois casos sem considerar o tempo de espera, somente o tempo efetivo de atendimento à chamada. Acomodaram o recolhimento previdenciário, o que, além de proteger o trabalhador, protege a empresa com a chance de desresponsabilização em casos de acidente e doenças ocupacionais.
Por seu turno, o Estado não fez o enfrentamento do vínculo, tampouco da jornada de trabalho contando tempo à disposição e o sistema de repouso e descanso. A proposta governamental não contempla quase nenhum dos aspectos apresentados pelos/as trabalhadores/as, limitando-se a propor R$ 17,00 e R$ 35,00, para entregadores/as e motoristas, respectivamente, como remuneração mínima por tempo efetivo. Desses valores, retirados os custos operacionais que serão suportados pelos/as trabalhadores/as, resulta em ganho líquido de R$ 7,50, valor sobre o qual ainda incidirá INSS. Diante dessa situação, entregadores/as anunciaram uma campanha de mobilizações com paralisação das atividades para o dia 29 de setembro.
O Fórum de Pesquisadores sobre o Trabalho Controlado por Empresas-Plataforma – que reúne dezenas de acadêmicos/cas e estudiosos/as no tema e que vem acompanhando o debate do GT, mantendo diálogo com trabalhadores/as, entidades laborais e com autoridades sobre o tema – reforça que medidas (sejam elas legais, administrativas ou políticas) não podem gerar retrocessos ou contribuir para aprofundar a precariedade do modelo imposto por essas empresas. Tal alerta faz-se ainda mais importante quando informações na imprensa dão conta de movimentações do governo federal de propor um projeto de lei poderá resultar na criação efetiva de uma terceira figura jurídica de direitos rebaixados.
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Destacamos a importância da iniciativa do governo federal em instalar o GT e estimular negociações entre as partes. Compreende-se as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a necessidade de assegurar trabalho decente aos/às trabalhadores/as controlados/as por empresas-plataforma como fundamentais para o direcionamento político e social de resoluções ao impasse do GT. Todavia, reafirmamos nossa posição de que os direitos conquistados na legislação brasileira devem ser preservados, com os
necessários avanços aos novos desafios para essas categorias, como já divulgado em manifesto no início do ano assinado por centenas de pesquisadores/as.
Pesquisas acadêmicas, atuações do Ministério Público do Trabalho (MPT) e denúncias dos/as trabalhadores/as e de suas entidades mostraram, nos últimos anos, como essas pessoas sofrem com arranjos precários permeados por vários problemas como: pagamentos baixos e incertos (muitas vezes inferiores ao salário mínimo), riscos à saúde física e mental, jornadas extensas, desgastes e exaustão, gestão arbitrária, injusta e sem transparência (com medidas como punições e bloqueios injustificados) e ações de ataque à liberdade de organização (como na perseguição de lideranças).
Diversas ações na Justiça do Trabalho, em vários graus de jurisdição, incluídas cinco Turmas julgadoras do Tribunal Superior do Trabalho (TST), têm desmontado o discurso da suposta condição de autônomos desses trabalhadores, encontrando critérios para a relação formal de trabalho, como a recente decisão da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, que, ao julgar Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho, reconheceu o vínculo de emprego, determinando à Uber que proceda à contratação formal de motoristas.
Mesmo assim, as empresas buscam pressionar os trabalhadores, o governo e o congresso no sentido da institucionalização de seus arranjos precários. Querem fazer crer que o vínculo de emprego, acaso reconhecido, não permite a flexibilidade, quando é a própria legislação brasileira que permite que trabalhadores/as formalizados/as podem ter vários empregadores/as, com adoção de jornadas variáveis.
Outra narrativa das empresas é tentar jogar a sociedade contra os/as trabalhadores/as com o falso alerta de que a garantia de direitos vai gerar aumento nos preços dos serviços. Nenhum serviço deve ser provido às custas da dignidade das pessoas e, se as taxas atuais implicam expor trabalhadores/as a condições retrógradas do século 19, isso não pode prosperar nem nessa nem em qualquer atividade.
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O tema é essencial e diz respeito ao futuro do trabalho para diversas categorias, não apenas para entregadores/as e motoristas. Por isso, qualquer decisão que reduza a garantia de direitos a esses/as trabalhadores/as pode significar uma brecha importante para uma onda de precarização, em diferentes atividades. Ademais, sabe-se que não é reduzindo os ganhos dos/as trabalhadores/as, que a dinamização da economia se dará. Mesmo porque ganhos rebaixados e trabalhos precários importam em redução da demanda por consumo, com graves danos à própria economia.
Nesse sentido, o Fórum reafirma a importância de o governo federal assumir uma posição clara em defesa do reconhecimento do vínculo empregatício e dos direitos de proteção social a essas categorias, de modo a evitar que o atual processo de negociação se torne referência negativa também para outros/as trabalhadores/as, com a possível criação de uma terceira figura jurídica que, além de legitimar a plataformização/uberização do trabalho nos setores envolvidos na atual negociação (entregadores/as e motoristas), contribua e acelere o seu espraiamento para outras categorias. No mais, uma legislação rebaixando direitos vai na contramão do que acontece no cenário internacional diante dos esforços regulatórios que estão sendo aprovados em diferentes regiões, como a recente diretiva da União Europeia.
*Este artigo é assinado pelos membros do Fórum de Pesquisadores sobre o Trabalho Controlado por Empresas-Plataforma.
**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Chagas