Há exatos cinco anos deste domingo (8), quando mestre Moa do Katendê foi assassinado pelas costas por conta de uma discussão política, ele tinha 63 anos e estava em plena atividade. Dos projetos que havia iniciado e que, de lá para cá, foram levados adiante por familiares, amigos e discípulos – como o documentário sobre sua vida e os álbuns Raiz Afro Mãe e Moa Vive – outro surgiu: o Instituto Mestre Moa do Katendê, em Salvador.
Já com paredes de bloco de pé, mas sem financiamento, a não ser o comunitário, a sede onde Moa sonhava dar aulas de capoeira angola, afoxé, percussão e dança afro-brasileira será um ponto físico de acesso ao seu legado.
“Ele havia começado essa obra praticamente seis meses antes do acontecido”, conta Plínio Ferreira, mestre do Centro de Capoeira Angola Angoleiro Sim Sinhô, compadre e amigo de Moa.
O lugar do Instituto não poderia ser outro. Foi no Dique Pequeno do Engenho Velho de Brotas que o mestre, educador, compositor, artesão e artista nasceu e fez história. Foi ali também que, em 8 de outubro de 2018, foi morto. As 12 facadas vieram do bolsonarista Paulo Sérgio Ferreira de Santana, horas depois do primeiro turno das eleições que alçariam seu candidato a um mandato presidencial.
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“O mestre Moa estava anos na frente. Tudo isso que a gente está vivendo agora neste pós-pandemia, as ansiedades, esse imediatismo que a gente está vendo no mundo, o mestre Moa era um antídoto para isso. Estar com ele era entender a paciência, era entender o tempo. Caminhar com firmeza, porém sem pressa”, descreve Plínio.
“E Moa estava num momento de maestria verdadeira”, avalia. No próximo 28 de outubro, Romualdo Rosário da Costa, como foi batizado, faria 69 anos. “Eu acho que era o auge da sua sabedoria e ainda no vigor físico, com muita vontade de produzir as coisas”, relata mestre Plínio, com a voz levemente embargada.
Raiz Afro Mãe
O crime contra mestre Moa não interferiu nos rumos do documentário, Raiz Afro Mãe, lançado em outubro do ano passado. O filme ainda estava na fase de pré-produção naquele 8 de outubro de 2018.
Diretor do longa, Gustavo McNair, conta que se tinha apenas uma única entrevista com mestre Moa gravada e a ideia nem era que ela entrasse no produto final. O objetivo era ter um material para “apoiar na produção do documentário, ela não iria pra versão final”, explica.
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Após esta gravação, realizada no primeiro semestre de 2018, mestre Moa viajou para Europa, onde estava ministrando uma série de cursos, em diferentes países do continente.
“Ele foi e a gente ficou aqui, ainda em contato, mas focado em produzir o documentário e viabilizar o edital [para custear o projeto]. Em outubro, Moa veio para o Brasil apenas para votar [no primeiro turno da eleição de 2018] e visitar a família”.
Foi nesta rápida estadia no Brasil que o crime aconteceu.
O diretor conta que o momento seguinte foi muito complicado, “mas nunca pensamos em desistir”. Segundo ele, o foco foi conversar com amigos e familiares e entender como o documentário deveria continuar. Decidiu-se que seria com a ideia inicial de celebrar a vida e o conhecimento do mestre, e não o assassinato.
“Havia um movimento de torná-lo um mártir. Isso seria reduzir Moa. [Ele] é muito maior que isso”, afirma.
McNair lamenta que o documentário saiu apenas após a morte do protagonista. O diretor defende que o Brasil precisa refletir como trata seus promotores culturais.
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“Eu acho que é um grande mal do Brasil em apenas reconhecer os mortos e não dar flores em vida aos nossos mestres da cultura, mestres educadores, principalmente quando são pretos. Acho que isso é uma parte muito importante da estrutura racista do Brasil. É uma espiral de apagamento”, finaliza o diretor.
Beleza pura
Um dos grandes responsáveis pela afirmação das origens africanas nos blocos de carnaval da Bahia, a despeito da ditadura militar que vigorava, Moa foi campeão do Festival da Canção do bloco Ilê Aiyê em 1977. No ano seguinte, fundou o bloco Afoxé Badauê.
E o mestre foi devidamente lembrando por Caetano Veloso, ao descrever manifestações de beleza pura, já em 1985, eternizando Moa como o “moço lindo do Badauê”.
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A capoeira, o candomblé e a percussão entraram na sua vida logo cedo: desde os oito anos passou a frequentar o terreiro de sua tia, Ilê Axé Omin Bain.
A primeira vez que Plínio o viu foi como músico, quando a Banda Luanda fez uma apresentação na zona Norte de São Paulo, em 1988. Mas foi só dois anos depois, quando participaram juntos de um projeto de arte para jovens, num dia em que faltou uma pessoa para completar a apresentação de capoeira e Moa entrou na roda, que Plínio descobriu que ele era, também, capoeirista.
Recém-chegado da Bahia à capital paulista, e a quilômetros de distância dos seus mestres (Gato e João Grande), Plínio já era chamado de professor. Ainda assim, logo que viu Moa jogando capoeira de angola, perguntou se ele toparia lhe ensinar. Moa sorriu, mas disse que não.
“Ele respeitava muito essa posição de mestre e, por não estar atuante na capoeira naquele período, não quis. Mas a partir daí a gente passou a conviver diariamente, ficamos irmãos mesmo”, narra.
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A casa de Plínio, no bairro da Vila Constança, virou um reduto de artistas e ativistas do movimento negro. “Gato Félix, Batista, Moa, em seguida chega o mestre Jogo de Dentro. E a gente fez uma turma na casa, que ia cozinhar e conversar, falar de capoeira, de cultura”, relembra Plínio.
O batalhão
No Dia da Consciência Negra de 1994, Plínio e Moa criam o Afoxé Amigos de Katendê, na praça da República, região central de São Paulo. Até hoje o grupo toma as ruas todo 13 de junho, dia de Santo Antônio e de Ogum. E, há cinco anos, em homenagem ao seu idealizador.
“E aí a gente continua. Tem Amigos de Katendê em Florianópolis (SC). No Rio Grande do Sul tem o mestre Ratinho. Na França, o mestre Valdec. Todo mundo conectado com a família de Moa, em Salvador. Estamos sempre conversando e lutando para que o Instituto Mestre Moa do Katendê saia do papel.
“Ele estava investindo nisso”, afirma Plínio. “Queria reunir o time, o batalhão que ele já tinha pelo mundo e era um sonho. Devagarinho, vamos caminhando para que aconteça”, conta mestre Plínio, que faz parte, justamente, do batalhão que mantém vivo o legado de Moa.
Edição: José Eduardo Bernardes