A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara aprovou nesta terça-feira (10), por 12 votos a 5 o Projeto de Lei que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A base governista, porém, já anunciou que deve pedir a anulação da votação por entender que ela desrespeitou o regimento interno da Câmara e estuda como recorrer.
“Vamos recorrer para anular a sessão, na medida em que não foi concedido o prazo para análise do parecer”, afirmou a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), uma das integrantes da comissão. Segundo ela, os parlamentares da base ainda estão estudando a melhor maneira de recorrer da votação no âmbito da própria Câmara, uma vez que o regimento interno da Casa prevê que seriam necessárias duas sessões para avaliar o parecer apresentado nesta terça pelo relator da proposta, deputado Pastor Eurico (PL-PE)
Caso siga tramitando, a proposta será encaminhada para as comissões de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) e de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial. Se aprovado nestes colegiados o texto segue para o Senado Federal.
Liderado por parlamentares da bancada evangélica, o projeto vai na contramão de um entendimento que vem sendo adotado pela Justiça brasileira desde 2011, quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo. Apresentado em 2007, o projeto foi ressuscitado neste ano na esteira do crescimento da insatisfação de alas conservadoras do Congresso contra o protagonismo do Supremo Tribunal Federal em decidir sobre pautas consideradas progressistas, como a descriminalização das drogas e o aborto (este tema ainda em julgamento pela corte).
Após idas e vindas, o relator da proposta, deputado Pastor Eurico (PL-PE) argumentou que caberia ao Legislativo e não ao Judiciário decidir sobre o tema e, com isso, apresentou nesta tarde seu parecer final. A proposta mantém a vedação ao casamento de pessoas do mesmo sexo e determina que a Justiça interprete o casamento e a união estável de forma estrita, sem “extensões analógicas”. Ou seja, deixa claro que essas formas de união só poderiam ocorrer entre um homem e uma mulher.
Surpreendida com a estratégia da oposição, a base do governo tentou esvaziar a sessão do colegiado para que não houvesse quórum suficiente para a votação. Mas a comissão, formada em sua maioria por parlamentares conservadores, conseguiu votar a proposta. Como era uma votação simbólica, a ausência dos parlamentares governistas seria computada como se todos da comissão tivessem aprovado o texto e, por isso, os governistas acabaram voltando para votar e marcar posição. Segundo os deputados governistas, havia um acordo para que o assunto fosse discutido em um grupo de trabalho a ser criado na Câmara antes de a proposta ir a votação na comissão.
“O combinado era criar um grupo de trabalho para discutir o texto, buscando consenso. Mas a proposta voltou à pauta com uma nova versão, que sequer tivemos tempo de ler ou discutir. Violando o regimento, a oposição, com o apoio da presidência da Comissão, faz uma manobra para fazer a votação às pressas”, afirmou em suas redes sociais o deputado pastor Henrique VIeira (PSOL-RJ), um dos integrantes da base do governo que participa da comissão.
Também membro da comissão, a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) classificou o projeto como um “horror inconstitucional”. “Até os filhos de casais homoafetivos são atacados nesse relatório, que diz que crianças criadas por homossexuais ‘são privadas do valor pedagógico e socializador da complementariedade natural dos sexos no seio da família’”, afirmou a parlamentar em seu perfil oficial no X (antigo Twitter).
Para Erika Kokay, a proposta aprovada na comissão tem poucas chances de ser aprovada nas demais comissões. “Esse projeto não tem folego para se transformar em lei, ele atenta contra direitos e garantias individuais, que são cláusulas pétreas da Constituição”, afirma a deputada, para quem a proposta foi retomada para servir de palanque para a bancada evangélica sinalizar para sua base.
“Essa proposta se tornou palanque macabro para os fundamentalistas que não tem como justificar seus mandatos e projetos para o conjunto da sociedade. Eles criam este palanque para dialogar com eleitorado fundamentalista”, segue a petista.
Judiciário autoriza casamento
Sem estar previsto expressamente em uma lei, o casamento homoafetivo é reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal desde 2011. Na ocasião, a corte, de forma unânime, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, afirmou o então ministro do STF e relator do caso, Ayres Britto.
Além disso, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça editou uma resolução impedindo cartórios de todo o país de se recusarem a transformar união estável de casais do mesmo sexo em casamento, ou mesmo de celebrar esse tipo de união, o que era comum ocorrer antes da decisão do STF de 2011.
O PL aprovado na Comissão nesta tarde, por sua vez, determina também que o Estado e a legislação civil não poderão interferir nos critérios e requisitos do casamento religioso. “A relação homossexual não proporciona à sociedade a eficácia especial da procriação, que justifica a regulamentação na forma de casamento e a sua consequente proteção especial pelo Estado”, disse o relator da proposta. “Tentar estender o regime de casamento aos homossexuais é uma tentativa vã de mudar a realidade através de leis”, seguiu o Pastor Eurico.
Edição: Rodrigo Durão Coelho