O Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários) completou 90 anos de história em 2023 e é um dos mais importantes e fortes do estado, ao lado do Cpers/Sindicato e dos sindicatos dos motoristas e metroviários. Mesmo com tanta história, tanta fortaleza nas suas ações, a categoria bancária está na "encruzilhada" da sua vida.
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O avanço irreversível da tecnologia – cada vez mais as atividades ficam por conta direta do cliente e seus celulares ou computadores – está tornando o emprego na área cada vez mais difícil e desnecessário. É duro dizer isso, mas é uma verdade quase irreversível. Salários baixos e pouco convincentes também são outro agravante na história da categoria, muito combativa e com um passado de movimentos vitoriosos, greves e ações positivas em favor da sua comunidade.
Com mais de seis mil sindicalizados, ou 55,83% dos trabalhadores da área, o presidente do SindBancários, Luciano Fetzner, fala do momento dos bancários e da sua luta para enfrentar as maiores dificuldades da sua história. A entidade, fundada em 18 de janeiro de 1933, em uma Assembleia Geral que contou com 185 bancários, com base estadual, atualmente se limitou a um território mais central, em razão do surgimento de novos sindicatos no Interior.
Em 90 anos, o SindBancários desenhou uma trajetória de presença marcante na construção do sindicalismo bancário brasileiro. No estado, tem papel crucial na luta por mais dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras, e na construção da democracia em diversos períodos históricos. Confira:
Brasil de Fato RS - Qual o total de bancários na região de atuação do Sindicato e o número de filiados?
Luciano Fetzner - No último levantamento que fizemos, em março deste ano, contávamos com 10.864 bancárias e bancários ativos em nossa base de atuação, que abrange 15 municípios da região Metropolitana da capital gaúcha (Alvorada, Barra do Ribeiro, Cachoeirinha, Canoas, Charqueadas, Eldorado do Sul, Esteio, Gravataí, Guaíba, Nova Santa Rita, Porto Alegre, São Jerônimo, Sapucaia do Sul, Sertão Santana e Viamão). Desses quase 11 mil trabalhadores, totalizamos 6.065 sócios e sócias, o que representa 55,83% de sindicalização.
Os bancos estão mudando velozmente no campo tecnológico, dispensando rapidamente trabalhadores e entregando tudo para a tecnologia resolver. Diante deste quadro, qual o futuro que imaginas para a categoria?
Desde a década passada, a quantidade de trabalhadores bancários vem reduzindo. Essa redução é bastante perceptível na rede de agências. Mas é interessante que, quando se olha para os números dos últimos anos, se percebe que no ramo financeiro essa quantidade de profissionais tem aumentado. E esse fenômeno se desenrola em dois pontos chave para os quais temos que olhar com atenção: os reflexos da Reforma Trabalhista e a implementação de novas tecnologias.
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Não acredito que no futuro próximo o número de bancários venha a se tornar exíguo, mas é inegável que o fazer bancário está em um acelerado processo de migração para as áreas ligadas à tecnologia. São os setores de TI os que mais contratam, mais se expandem e mais crescem em relevância no ramo financeiro.
Já do ponto de vista das relações de trabalho, nota-se que a flexibilização da legislação trabalhista escancarou as portas para a precarização, liberando as instituições financeiras a lançarem mão da pejotização, quarteirizando o serviço bancário, "uberizando" seus trabalhadores e, com isso, desviando da obrigatoriedade de cumprir com direitos trabalhistas conquistados por décadas de luta da categoria. Isso gera economia para os bancos, precarizando os trabalhadores.
Os bancos têm apostado no atendimento "self-service" dos aplicativos e caixas automáticos
Os agentes autônomos de negócios, "personal bankers", profissionais MEI de TI, dentre outros tantos novos atores presentes hoje no mercado bancário, vêm crescendo ano a ano em percentual do todo de trabalhadores do ramo financeiro. Logo, o futuro da categoria bancária passa necessariamente pela discussão mais ampla sobre o ramo financeiro ser visto e reconhecido como o conjunto de todos os profissionais que integram o ecossistema de trabalho que sustenta o lucro brutal dos bancos, independentemente da forma de contratação dessa força de trabalho.
A profissão está sendo massacrada pelos bancos, mas resiste com menor número de trabalhadores. Tu achas que há carência e precarização no atendimento aos clientes?
Sim. Os bancos têm apostado no atendimento "self-service" dos aplicativos e caixas automáticos. Mas isso esvazia o relacionamento com os clientes e os bancos se valeram da pandemia para adiantar em anos esse processo. E essa quebra de vínculo diminui a fidelidade e a parceria comercial como um todo, gerando tanto insatisfação dos clientes, quanto maior dificuldade para os bancários conseguirem realizar seu trabalho.
Fora o fato de que, do ponto de vista social, há de se considerar o recorte de classe do debate: as pessoas mais afastadas dos centros econômicos urbanos, com pouca instrução ou de baixíssima renda, acabam ficando cada vez mais segregadas de acesso ao sistema bancário. Entendo que as tecnologias podem e devem servir à nossa sociedade como facilitador, contudo, há de se ter muito cuidado com isso, pois apostar na substituição da relação humana pela automação digital é um caminho muito perigoso.
Idosos, principalmente, e pessoas mais carentes estão sendo deixadas de lado pela tecnologia bancária ou recebem um tratamento especial e justo?
Embora na última década uma fatia significativa da população tenha se bancarizado, não enxergamos nenhuma política por parte dos bancos que efetivamente tenha iniciativas de tratamento justo para esses segmentos da população.
Há ainda bancários na linha de frente nos bancos ou só gerentes de contas?
Gerente ou escriturário, todos são bancários. Os bancos ainda mantêm uma estrutura robusta de hierarquia organizacional, embora hoje essa hierarquia seja mais visível nos bancos públicos. Nos bancos privados os cargos de retaguarda e caixas vêm desaparecendo ou sendo amalgamados às funções gerenciais. Fica evidente que o projeto de médio prazo de todos os bancos é de que todos seus trabalhadores que não estejam em funções estritamente técnicas sejam vendedores de produtos financeiros.
Os lucros dos bancos são exorbitantes e, com unidade nacional da categoria, temos conseguido fazer os bancos dividirem um pouco de seus resultados
Os salários estão em nível razoável ou cada vez mais achatados?
O movimento sindical bancário há décadas luta pela reposição das perdas inflacionárias e pela ampliação de direitos. Os lucros dos bancos são exorbitantes e, com unidade nacional da categoria, temos conseguido fazer os bancos dividirem um pouco de seus resultados com aqueles e aquelas que geram essa riqueza.
Com uma média salarial bastante razoável para os padrões brasileiros (em especial nos níveis gerenciais), ouso afirmar que hoje o maior problema a ser enfrentado pela nossa categoria talvez não seja a questão salarial, mas sim o adoecimento, sobretudo o psíquico.
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Todo ano temos conseguido reajustes salariais que garantem o poder de compra para a parcela de profissionais do ramo financeiro que está coberta pela nossa Convenção Coletiva de Trabalho.
Todavia, os percentuais de bancários e bancárias fazendo uso contínuo de medicamentos controlados, que se afastam do trabalho por LER/DORT ou adoecimento psíquico, bem como dos que interrompem sua existência através do suicídio, são dados muito alarmantes.
A pressão constante e as metas abusivas a que os bancários são submetidos diariamente são um preço muito caro que não deveria ser pago por nenhum trabalhador, independentemente do salário ou bônus recebidos para isso.
Os bancários estão recebendo atenção especial do novo governo (federal) ou há omissão de políticas para o setor?
O setor bancário hoje, em especial a categoria bancária, não tem nenhuma atenção do governo especificamente, ainda que os governos progressistas como Lula e Dilma sempre tenham se posicionado sensíveis à pauta da defesa dos bancos públicos.
Entendo que deveria existir um conjunto de políticas públicas voltadas ao setor bancário, de geração de emprego e fortalecimentos das instituições públicas, de ampliação das agência de fomento, de atenção aos planos de autogestão em saúde e previdência, de bancarização da população e de maior controle do sistema financeiro como um todo (concessões públicas que os bancos são) no sentido de se utilizar mais os bancos como catalisadores de políticas sociais e organizadores, de acordo com o direcionamento do governo, da política econômica.
A pressão constante e as metas abusivas a que os bancários são submetidos diariamente são um preço muito caro que não deveria ser pago por nenhum trabalhador
Esse é um debate bastante complexo e sensível, pois não podemos esquecer que no último ciclo político brasileiro passamos por um processo golpista de troca de governo seguido de quatro anos de desestruturação das políticas de Estado, nos colocando hoje em um cenário de reconstrução do nosso país. E um redirecionamento correto do sistema financeiro nacional é necessário para que se coloque de volta nos trilhos o desenvolvimento do Brasil.
Na sua perspectiva, o que o Sindicato faz ou pode fazer para que a categoria tenha maior respaldo e respeito dos bancos?
O SindBancários é uma instituição de 90 anos extremamente respeitada pela categoria pela sua luta intransigente em defesa do bancário. E também muito respeitado pelas instituições financeiras. Mantemos ações sindicais e negociações constantes, que nos garantem legitimidade perante os bancos.
Acreditamos que o Sindicato precisa existir em constante reinvenção, ampliando a comunicação e a participação da categoria nas discussões, de modo que a categoria esteja sempre preparada para enfrentar os desafios que a luta de classes nos impõe.
Com relação especificamente ao Banrisul, um dos raros bancos de estado no Brasil, quais as expectativas para o futuro? Privatização ou continuidade da atual situação?
A batalha contra aqueles que pregam a privatização do Banrisul é permanente. Entendemos que a luta pelo Banrisul é parte fundamental da luta pelo futuro do nosso estado. Com muita mobilização dos bancários e da sociedade, conseguimos pautar no último debate eleitoral do Rio Grande esse tema.
Ao final do processo, ambos candidatos que foram ao segundo turno estavam garantindo o Banrisul público como promessa de campanha, sendo que ambos já haviam no passado se posicionado - em algum grau - a favor da privatização.
A batalha contra aqueles que pregam a privatização do Banrisul é permanente
E esse é só o exemplo mais recente da constante história de disputa das mentes e corações do povo gaúcho e de seus representantes sobre a importância de o nosso Banrisul se manter forte e público. Nossa expectativa é de que, assim como Badesul, BRDE, Caixa e Banco do Brasil, nosso Banco do Estado seguirá público, forte e atuante.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko