Famílias que ocupam o terreno conhecido como acampamento Dona Neura, no município de Hidrolândia (GO), celebram uma vitória: o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) destinou a área para criação de um assentamento. A decisão, porém, não põe fim à luta coletiva – muito pelo contrário.
A área, de cerca de 74 hectares, fez parte de uma fazenda, chamada São Lukas, que pertencia a um grupo criminoso composto por 18 pessoas que, em 2009, foram condenadas por aprisionar dezenas de mulheres e adolescentes que eram traficadas para a Suíça para exploração sexual. Desde então, o terreno passou a integrar o patrimônio da União.
A primeira vez que o terreno foi ocupado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi em março deste ano, no contexto da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Sem Terra. O local foi escolhido justamente por já ter sido palco de um esquema de exploração sexual.
As famílias chegaram a deixar o local, mas o terreno voltou a ser ocupado em julho deste ano, como medida de pressão para destinação para a reforma agrária. A decisão do Incra, publicada no último dia 26, é uma vitória para a luta coletiva.
"O sentimento é de realização, mesmo. A gente foi ouvido, foi atendido. A luta que a gente levou, a questão que a gente levantou, foi escutada, foi atendida", disse ao Brasil de Fato uma das integrantes do acampamento, Taynara Viana Franz.
Disputa com a prefeitura
Depois que a quadrilha que utilizava a fazenda foi desmontada, o terreno ficou por muitos anos como uma área improdutiva. A prefeitura de Hidrolândia acionou a Justiça e pediu a reintegração do território, alegando que a área representava um problema de segurança para a região.
A prefeitura chegou a obter uma liminar de reintegração de posse em agosto deste ano, mas a decisão foi revogada. Àquela altura, já tinha sido determinado que a propriedade era uma área de interesse social para regularização fundiária e que a gestão caberia ao Incra.
A previsão inicial é que o assentamento receba 13 famílias. O número é pequeno se comparado às 600 que atualmente ocupam o território. O MST trabalha em busca de alternativas e mantém a mobilização para buscar uma solução que atenda às demandas de todas elas.
"Quando a gente ocupou a área, a gente sabia o tamanho da propriedade. Primeiro a gente queria garantir a destinação daquela área, para garantir essas 13 famílias, mas a ocupação também tem o objetivo de continuar pressionando o Incra para comprar outras áreas para assentar as famílias excedentes que estão lá", destacou Ueber Alves, integrante do setor de direitos humanos do MST.
Dificuldades cotidianas
Além de pressionar para garantir moradia e terra para as demais famílias, além das 13 que vão compor o assentamento, a ocupação prossegue para garantir melhores condições no próprio local. Há problemas de infraestrutura que dificultam, por exemplo, o acesso a água – para consumo dos ocupantes e para produção de alimentos. Ainda assim, a organização avança para deixar o local nas melhores condições possíveis.
"A gente começou agora com as nossas hortas, para o consumo individual de cada um, para a gente consumir os alimentos, e a gente está organizando agora nossa produção do acampamento com intuito mesmo de produção coletiva para sustento dos acampados. A gente já gradeou algumas áreas, está fazendo melhoramento do solo para quando começar a chover a gente já estar com tudo preparado para começar a produção", resumiu Taynara Franz.
Dona Neura
O assentamento recebeu o nome em homenagem à agricultora Neurice Torres, a Dona Neura, que foi vítima de feminicídio em setembro de 2022. Ela morava no assentamento Dom Roriz, na cidade goiana de Minaçu, e era tida como uma grande defensora da agroecologia. "Era uma guardiã do Cerrado e possuía uma presença no MST que inspirava a todos", disse o movimento em nota à época da morte.
Diligência da CPI
O acampamento foi alvo, no último dia 14 de agosto, de uma diligência de integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as ações do MST. A visita ilustrou o modus operandi da comissão, enquanto existiu: deputados foram ao assentamento e não apuraram qualquer fato, mas invadiram a privacidade de trabalhadoras e trabalhadores para garantir cenas para suas redes sociais. No último dia 27 de setembro a CPI acabou sem que tivesse sido votado um re, marcando uma derrota para a extrema-direita.
Edição: Thalita Pires