Depois de uma paralisação de 20h e um protesto no Aeroporto Internacional de Guarulhos no último 3 de outubro em São Paulo, trabalhadores terceirizados estão sendo gradualmente demitidos, tendo as credenciais retidas pela concessionária GRU Airport e sendo intimados a depor na Polícia Federal (PF).
As retaliações atingem funcionários das empresas terceirizadas Swissport, WFS Orbital e Dnata, por terem reivindicado o direito de acessar seus celulares durante o expediente. Inclusive trabalhadores que em teoria têm estabilidade por serem membros eleitos da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) foram mandados embora.
“A gente não tem liberdade de expressão? Não pode mais manifestar o que a gente pensa? Tem que obedecer a tudo o que vem? Não é democracia? Isso não é democracia”, criticou Antônio*, um dos despedidos, em um grupo de Whatsapp.
Atuando na defesa de alguns dos trabalhadores, a advogada Dinailsa da Silva Gabriel comenta que todos os casos que está acompanhando são de demissão por justa causa. “Contudo, cada um tem sua particularidade: alguns eram integrantes da Cipa, outros trabalharam durante a manifestação e mesmo assim foram demitidos”, exemplifica.
Ponderando não ter ainda o número preciso, a advogada diz que até o momento foram cerca de 300 os trabalhadores que ficaram sem emprego. “Estamos tomando todas as providências judiciais cabíveis para reverter essa situação”, salienta.
O protesto
Eram 4h da manhã daquela terça-feira, 3 de outubro, quando os funcionários das áreas de carga e descarga dos terminais do aeroporto cruzaram os braços. A paralisação, que foi feita sem a organização de sindicato, durou até 0h e afetou mais de uma centena de voos.
No mesmo dia, trabalhadores do Metrô, da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) faziam uma greve contra as privatizações previstas pelo governo Tarcísio e, em São José dos Campos (SP), metalúrgicos da Embraer tiveram a assembleia que pretendia aprovar uma paralisação reprimida pela Polícia Militar.
Com os dizeres “Somos trabalhadores, não somos bandidos – Libera o celular” pintados em uma faixa, os terceirizados percorreram o aeroporto com gritos de ordem.
Eles questionam a proibição severa do uso de celulares, posta em prática há cinco meses no terminal de cargas, nas áreas restritas, áreas controladas dos terminais de passageiros e locais de movimento de aviões.
Implementada desde 1° de junho por uma portaria assinada por Mario de Marco Rodrigues de Sousa, delegado da Receita Federal do Aeroporto de Guarulhos, a medida é supostamente para “combater o crime”.
A portaria foi publicada como uma resposta ao caso de grande repercussão de duas brasileiras que, em março, tiveram as etiquetas de malas trocadas por outras com cocaína e ficaram 38 dias presas na Alemanha até terem a inocência provada.
“Empurraram essa decisão goela abaixo. Nós somos muito solidários a essas brasileiras que sofreram uma situação terrível”, afirma Lívia*, que trabalhava na Orbital e perdeu o emprego.
“Mas a Receita Federal e a GRU Airport tomaram essa medida sem consultar, sem ouvir o nosso lado. Por conta de meia dúzia de pessoas eles generalizam e nós temos que pagar pelo crime dos outros? Somos tratados preventivamente como bandidos?”, questiona Lívia.
:: 'Para fazer pressão': trabalhadores da Sabesp, do Metrô e da CPTM protestam no centro de São Paulo ::
Durante a manifestação, com um cartaz escrito “Celular sim, ditadura não”, Roberto* discursou para os passageiros que circulavam pelo saguão do aeroporto. “Muitos aqui têm filhos, alguns até especiais, tem pais e mães idosos”, disse, argumentando sobre a necessidade de ter comunicação com a família e que possíveis emergências podem surgir em casa.
“Hoje a Receita Federal e a Polícia Federal estão proibindo o uso de celular no pátio de manobra. Eles vêm e dizem ‘eu posso usar o celular porque sou Receita. Eu posso usar porque sou Federal. Mas você não pode”, criticou.
Os terceirizados reclamam, ainda, que a fila para entregar os celulares dura cerca de 2h. Para não atrasar a hora em que precisam bater o ponto, precisam começar o deslocamento para o trabalho muito antes que o habitual.
“Querem calar a gente, que é trabalhador”
“Estamos sendo coagidos, perseguidos e humilhados”, define Débora*, que trabalhava no atendimento a passageiros com necessidades especiais e menores de idade.
Dois dias depois do protesto, ela levava uma cadeira de rodas para um passageiro quando foi abordada no canal de inspeção por uma funcionária da GRU Airport que recolheu seu crachá.
“Pedi de volta e ela, não satisfeita, disse que ia chamar a polícia, agindo como se eu fosse uma criminosa. Chegando no RH [recursos humanos], pediram para eu aguardar em uma sala fechada onde havia mais dois trabalhadores na mesma situação. Ficamos lá quase uma hora e fomos surpreendidos por agentes da PF com uma intimação para comparecer à delegacia. Ficamos nos perguntando que crime cometemos, fiquei com meu psicológico alterado”, conta.
“Fui demitida por justa causa, injustamente, sou membra da Cipa, no exercício do meu mandato e represento milhares de trabalhadores. Fomos coagidos por lutar por direitos e não somos atendidos em nada, em pleno século 21”, ressalta Débora.
“Quero justiça para mim e para os trabalhadores do Brasil que com muito suor contribuem para o crescimento do país”, diz. “Estão fazendo isso para amedrontar os que ainda estão lá dentro. Querem calar os trabalhadores”, resume a ex-funcionária da WFS Orbital.
Dênis* trabalhava na Swissport. “O gerente me chamou na sala junto com o supervisor e, segundo ele, não era a empresa ou a pessoa dele que estava demitindo, mas que nas imagens da manifestação reconhecem as pessoas e era justa causa. Foi mais ou menos assim. E nosso direito de se manifestar fica onde?”, relata.
“Não teve bagunça, não teve quebra-quebra, ninguém brigou, ninguém quebrou nada. E é isso, fui demitido por justa causa. Agora é tomar as devidas providências. Vai acontecer demissão em massa. Foi o que o gerente da Swissport falou”, afirma Dênis.
Até pessoas que não participaram do protesto estão perdendo o emprego. Leandro*, colega de Débora na WFS Orbital, não estava no trabalho no dia da paralisação. “Você sai de férias em uma semana e na outra é mandado embora por um ato em que nem participou”, se indigna.
Questionada, a GRU Airport, concessionária que administra o aeroporto, informou que “cumpre as determinações dos órgãos competentes” e que o tema deve ser abordado com as empresas terceirizadas que prestam serviço para as companhias aéreas.
O Brasil de Fato tentou contatos telefônicos e por e-mail por dias com a WFS Orbital, a Swissport e a Dnata e não teve nenhuma resposta. Caso queiram se manifestar, o espaço segue aberto.
* Nome alterado para preservação da fonte.
Edição: Rodrigo Durão Coelho