Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Hélio Doyle, confirmou que o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, o pressionou pela demissão do jornalista Luiz Carlos Braga, que, durante sua participação em um podcast, negou a existência da ditadura militar, elogiou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e criticou a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Eu não vivo alheio ao mundo, eu estive com o ministro Pimenta e ele estava muito contrariado, bastante contrariado e pediu para eu resolver a situação da melhor maneira, me disse ‘resolva a situação’”, detalhou Doyle.
O presidente da EBC explicou que, desde que assumiu o comando da estatal, todos os bolsonaristas que não são servidores foram demitidos. Mas Doyle não considera que esse fosse o caso de Braga. “Não que ele seja bolsonarista, eu não o considero bolsonarista, mas ele manifestou posições ruins, posições negativas sobre vários aspectos, inclusive a negação da ditadura militar”, disse.
Quando o Brasil de Fato noticiou as declarações de Braga, a EBC emitiu uma nota econômica que gerou críticas internas na estatal. “O jornalista Luiz Carlos Braga foi contratado para o telejornal Repórter Brasil por critérios estritamente profissionais. Não cabe à EBC concordar ou não com o que ele afirmou antes de vir para a empresa e na condição de jornalista."
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Com a resposta, a empresa não se comprometia com o repúdio às declarações de seu jornalista de maior destaque. “Não tentei mantê-lo no cargo e, naquela primeira nota, a minha preocupação era proteger a EBC, não era proteger o Braga. Eu não tinha dimensão, na primeira nota, eu não tinha dimensão. Eu não sabia nem a data do vídeo. Depois que eu soube a data, piorou a situação”, finalizou.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Quando o Brasil de Fato decidiu noticiar as declarações do Luiz Carlos Braga, recebemos uma uma primeira nota da EBC dizendo “não cabe à EBC concordar ou não com o que ele afirmou antes de vir para a empresa”...
A nota: “O jornalista Luiz Carlos Braga foi contratado para o telejornal Repórter Brasil por critérios estritamente profissionais. Não cabe à EBC concordar ou não com o que ele afirmou antes de vir para a empresa e na condição de jornalista."
Hélio Doyle: A primeira nota dizia que ele foi contratado pelas qualificações profissionais. E dizia que as opiniões dele como jornalista a gente discordava, mas respeitava. Basicamente foi isso a primeira nota. Preciso começar contextualizando a contratação do Braga. Logo que eu assumi a EBC, eu recebi de diversos jornalistas amigos milhões de mensagens com pedidos de emprego, indicações e sugestões. E comecei a a receber mensagens de colegas jornalistas. Eu não considero nenhum deles bolsonarista. [Sobre] a indicação do Braga: passou um tempo e nós decidimos reformatar o jornalismo. Quando nós começamos a conversar sobre isso, a diretora de jornalismo disse que nós precisaríamos de âncoras experientes, porque não é fácil segurar um jornal de uma hora e meia com notícias ao vivo, notícias cobertas, em pé, sentado, entrevistando, tal. Eu falei: “Me indicaram o Luiz Carlos Braga”. Ela considerou o Braga um bom nome. O Braga é um cara experiente e ele estava desempregado. Ele saiu da EBC porque tinha brigado com o Glen (Lopes Valente), que era o antigo presidente da EBC no tempo do Bolsonaro. Tem até um folclore lá... Folclore não, eu soube depois que é verdade, de que uma das brigas foi porque um dia ele apresentou o jornal com camisa rosa. O cara [Glen] teria dado uma bronca, porque não dava para fazer o jornal de camisa rosa, que é “coisa de veado”. Bom, eu realmente não sabia das posições políticas do Braga. Eu digo para você que também não o investigamos. Poderíamos ter olhado, mas, sinceramente, pegamos a EBC numa situação, numa roda viva de turbilhões, que não tínhamos tempo para nada. Entre março e abril, todo mundo na EBC já sabia que o Luiz Carlos Braga e a Maria Paula seriam os apresentadores do telejornal. Na EBC, todo mundo já sabia, porque não tem segredos lá, são 1.500 funcionários, muito difícil esconder algo. Ninguém nos avisou de nada. Nós não sabíamos. Se nós podemos ser acusados de alguma coisa é de desconhecimento. Lá na EBC, nós temos gerentes e coordenadores. A diretora de jornalismo resolveu substituir um coordenador por uma pessoa que é empregado da EBC, alguém de dentro. Tem um pessoal lá, que é um pessoal que, vamos dizer assim, é um pessoal que reclama de várias coisas. Esse jornalista que ela substituiu protestou, reclamou e algumas pessoas da redação também reclamaram da substituição. Bom, no dia seguinte, começaram a surgir os vídeos [do Braga]. Nós temos na empresa cerca de 1.500 empregados, e é óbvio que desse total você tenha gente de extrema esquerda, esquerda, direita, centro direita, bolsonarista, comunista, você tem de tudo. Então, e digo isso com franqueza, todo mundo que não é de esquerda passou a ser chamado de bolsonarista. Mas nem todo mundo que não é de esquerda é bolsonarista, e o próprio governo reconhece isso, tanto que temos ministros de direita. É uma questão de estratégia. Nem todo mundo que é de direita participou da tentativa de golpe. Quem era bolsonarista e era de fora da empresa foi demitido. Nós não identificamos hoje nenhum bolsonarista entre os que não são empregados da empresa. Para não dizer todos, temos um ouvidor [Cristiano Mendonça Pinto] que foi nomeado no tempo do Bolsonaro e que tem características de bolsonarista, mas ele tem mandato. Nós não faríamos perseguição política na EBC, isso deixamos claro. Se o cara tivesse se envolvido na censura dos conteúdos, se ele se envolveu em perseguição a pessoas na EBC por suas posições políticas, se ele participou de atividades golpistas, esses ficariam no gelo, empregados, mas sem cargo. Agora, os outros que têm suas opiniões políticas divergentes, mas não se envolveram nessas atividades que citei, esses trataríamos como todos os empregados. Isso provoca uma reação, que eu considero justificável, em alguns empregados da empresa que foram perseguidos no bolsonarismo, que tiveram problemas dentro da empresa. Por eles, nenhum desses poderiam ser gerentes ou coordenadores, é uma postura deles. Mas eu não tenho como manter a empresa sem contar com todo mundo, até porque temos uma carência de quadros. No bolsonarismo, 349 empregados saíram nos Planos de Demissão Voluntária (PDV), então precisávamos contar com todos. Tem um outro problema que não posso deixar de falar: não é porque o cara não apoiou o Lula ou só votou no Lula no segundo turno que ele é bolsonarista.
Mas qual foi sua reação ao saber das declarações do Luiz Carlos Braga sobre a ditadura militar, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Eu fiquei um pouco desconfiado, porque o vídeo está editado. Diante da primeira procura da imprensa, o que eu respondi foi a linha que nós adotamos. Mas era para ganhar tempo para aprofundar o assunto. Em seguida, fomos atrás das imagens e pessoas nos procuraram, sabe como é, perguntando: “Pô, vocês vão manter esse cara?”. Aí entendemos que essa situação era insustentável, não dava para segurar essa situação. Não que ele seja bolsonarista, eu não o considero bolsonarista, mas ele manifestou posições ruins, posições negativas sobre vários aspectos, inclusive a negação da ditadura militar. Eu conversei com ele, ele entendeu que era uma situação insustentável e eu disse que achava que o melhor para a EBC era ele não continuar, e ele concordou.
Em momento algum o senhor tentou mantê-lo no cargo?
Não tentei mantê-lo no cargo e, naquela primeira nota, a minha preocupação era proteger a EBC, não era proteger o Braga. Eu não tinha dimensão. Na primeira nota, eu não tinha dimensão. Eu não sabia nem a data do vídeo. Depois que eu soube a data, piorou a situação...
Um mês depois da eleição…
Isso fez uma diferença para mim. Se ele tivesse dito isso três anos atrás, eu entenderia de outra maneira. Não gostaria do mesmo jeito, até porque eu sou uma vítima da ditadura militar.
Eu tive a informação de que houve um incômodo com as declarações no Palácio do Planalto e que o ministro Pimenta ficou preocupado com a repercussão das declarações do Braga. O senhor foi procurado pelo ministro? Em que medida essas manifestações internas da Secom e do Palácio do Planalto pesaram em sua decisão?
Eu não vivo alheio ao mundo. Eu estive com o ministro Pimenta, e ele estava muito contrariado, bastante contrariado e pediu para eu resolver a situação da melhor maneira. Me disse: “Resolva a situação”. Eu expliquei algumas dificuldades que eu teria, porque é uma empresa pública com muitas normas e por carência de pessoal, um contrato de pessoa jurídica demora de três a quatro meses. Eu expliquei ao ministro que teríamos que recorrer a pessoas da casa para apresentar o jornal, porque não conseguiríamos contratar alguém de fora. Nós conversamos, e eu disse a ele que conversaria com o Braga, porque o ministro estava contrariado. Eu considerei que o clima externo à EBC deveria ser considerado. Foi uma conversa tranquila com o Braga, foi um entendimento mútuo, e ele concordou. O ministro perguntou quem contratou, eu disse que tinha sido eu, não vou tirar o corpo fora.
Edição: Rodrigo Chagas