“A nossa liberdade é incompleta sem a liberdade dos palestinos”. Foi relembrando a célebre frase de Nelson Mandela que a histórica militante da Frente Popular para a Libertação da Palestina Leila Khaled iniciou sua fala na abertura da terceira edição da Conferência Internacional dos Dilemas da Humanidade.
A defesa da Palestina em meio à ofensiva militar lançada por Israel contra a Faixa de Gaza foi a tônica central do primeiro dia do evento, que reúne 120 organizações populares de mais de 70 países em Joanesburgo, na África do Sul.
“Somos um povo de força, de vontade, de dignidade, de humanidade. Estamos defendendo a humanidade na Palestina. Se a Palestina estiver ocupada, não haverá paz no mundo. A Palestina não é apenas para os palestinos, é uma causa humana. Um problema da humanidade”, disse Khaled. “Essa conferência tem uma missão: como apoiar a luta da Palestina até a sua libertação?”, questionou.
Veja como foi
Na mesma linha, Arwa Abu Hashhash, representante do Partido do Povo Palestino, expressou em sua fala que “as forças imperialistas, com os Estados Unidos à frente, continuam a apoiar e a justificar a brutal agressão diária de Israel contra a Palestina”, que é muito mais antiga do que os ataques do Hamas a Israel, no último dia 7.
“Neste momento, o povo de Gaza está enfrentando uma operação genocida da operação sionista. A máquina de guerra israelense continua cometendo massacres brutais contra os palestinos, levando à morte de crianças e idosos. Milhares de palestinos foram mortos até agora, aproximadamente 500 crianças. Dezenas de famílias foram completamente eliminadas do registro civil. Houve uma tremenda destruição, incluindo hospitais, igrejas e escolas, e uma tentativa de matar de fome cerca de 2 milhões de pessoas”, pontuou Hashhash.
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“As potências sionistas tentaram retratar a Palestina como uma terra sem povo. A máquina de matar de Israel continua, mas isto apenas fortalecerá a nossa determinação em continuar a resistência”, completou a jovem palestina.
Apartheid e Palestina
Naledi Pandor, ministra de Relações Exteriores e Cooperação da África do Sul, que também participou do painel de abertura, destacou que a situação da Palestina é análoga à dos povos africanos e não-brancos durante o período de apartheid que o seu país viveu durante a segunda metade do século XX, e que foi encerrado em 1994.
“Por 16 anos a Faixa de Gaza está sitiada, com seu povo em luta para sobreviver. Aos palestinos são negados a saída e a entrada. Nós também tivemos que entrar em entradas separadas aqui na África do Sul. Nós também passamos por isso”, destacou Pandor.
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A Constituição atual do país sul-africano foi sancionada pelo ex-presidente Nelson Mandela em 10 de dezembro de 1996 e entrou em vigor em 4 de fevereiro de 1997. Desde então, a África do Sul tornou-se uma autoridade em relação aos direitos de autodeterminação dos povos em todo o mundo.
“Semana que vem um grande número de resoluções vão chegar para a ONU [Organização das Nações Unidas], precisamos ter os olhos bem abertos para esse processo. Hoje, o povo da Palestina precisa de ajuda, precisa de medicamentos para seus ferimentos. Os Médicos Sem Fronteiras estão fazendo um trabalho maravilhoso, mas eles também estão sendo dizimados. O que vamos fazer em relação a isso?”, completou a ministra sul-africana.
Ronnie Kasrils, ex-ministro da Inteligência da África do Sul e membro fundador do uMkhonto we Sizwe, o braço armado do movimento de libertação contra o apartheid sul-africano, pontuou em sua fala que foi dado um “sinal verde para a erradicação absoluta de Gaza”.
“A Cisjordânia será a próxima se nós não interrompermos Gaza. Gaza está no nosso coração. Nós estamos do lado de cada palestino, e é isso o que significa ser ou não ser em prol da humanidade”, enfatizou Kasrils
“Somos a Palestina, e nós vamos fazer tudo que podemos para parar o campo de concentração aberto em Gaza. Falamos para vocês, sionistas, americanos, nós não vamos permitir que se estabeleçam esses campos de concentrações e que eles se tornem campos de extermínio. Nem que precisemos morrer por isso”, completou o ex-ministro.
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Leila Khaled denunciou a situação de Gaza como uma “prisão a céu aberto”. “Nossas mulheres e crianças estão regando seu solo com sangue”, afirmou a liderança do país árabe.
“Todos os governos de Israel falam que somos bombas demográficas. Eles nos consideram bombas. Enquanto são eles que têm bombas nucleares. E nós falamos para eles que são humanos. Nós não vamos perdoar até que a Palestina seja livre”, completou Khaled.
Dilemas da Humanidade e a luta contra o imperialismo
A ocupação da Palestina acentuou a polarização que hoje ocorre a nível mundial, com as forças progressistas como bastião de defesa do povo palestino.
É neste contexto que a terceira edição da Conferência Internacional Dilemas da Humanidade se propõe a debater – e tentar encontrar soluções – para enfrentar o imperialismo representado nas potências ocidentais alinhadas com o regime israelita.
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“A conferência fala sobre os problemas da humanidade. Se você falar sobre pobreza, Palestina é um exemplo. Se fala sobre guerra, Palestina é um exemplo. Nós somos o povo que vai trazer paz para todo mundo. Se nós nos tornamos livres”, enfatizou Leila Khaled.
Segundo a liderança da Frente Popular para a Libertação da Palestina, o surgimento do movimento sionista se deu em um contexto pós-Primeira Guerra Mundial.
“Desde 1917, depois da Primeira Guerra Mundial, houve um chamado de Arthur Balfaur, ministro da Inglaterra naquela época, pedindo para a rainha Elizabeth que houvesse uma terra para os sionistas”, relembra Khaled.
“Desde essa época, nós vivemos uma vida amarga, um estado que foi estabelecido em cima do nosso povo. E, para nosso povo, quis dizer a morte de palestinos, e a vida para o sionismo. Essas são as raízes do terrorismo no mundo. Roubaram uma terra, uma terra de um povo”, completa.
A candidata presidencial dos EUA pelo Partido Socialismo e Libertação (PSL), Claudia de la Cruz, também condenou durante seu discurso o sistema hegemónico e imperialista que o governo do seu país exporta para o resto do mundo.
De la Cruz garantiu que “não há dois lados da história, há apenas um lado: o lado da justiça; e o lado da Palestina”.
“Qualquer ataque em qualquer lugar contra o imperialismo dos EUA é um passo em direção à liberdade. Precisamos derrotar o capitalismo antes que ele nos destrua”, disse a líder socialista.
Dilemas da Humanidade
Até 18 de outubro, cerca de 500 líderes progressistas, intelectuais e membros de organizações populares participarão do encontro internacional em Joanesburgo, na África do Sul. Neste domingo (15), segundo dia de evento na cidade sul-africana, o economista João Pedro Stedile, dirigente do MST, será um dos debatedores do painel "Organização da classe trabalhadora".
A terceira edição da Conferência Internacional dos Dilemas da Humanidade é organizada pela Assembleia Internacional dos Povos (AIP) e dá prosseguimento a um ciclo que teve duas edições no Brasil, organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), sendo uma em 2004, no Rio de Janeiro, e outra em 2015, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, interior paulista.
Edição: Geisa Marques