Nos Estados Unidos, o Fentanil mata cada vez mais pessoas, além de destruir famílias e comunidades inteiras. As imagens de dependentes dessa substância nas ruas correram o mundo e revelaram a profundidade da crise de saúde pública que o país enfrenta.
O Fentanil é um opioide sintético similar à morfina, porém 50 a 100 vezes mais potente, segundo o Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos EUA. Presente nas manchetes dos principais jornais do país e no discurso de políticos republicanos e democratas, o opioide vem se alastrando de forma mortal e avassaladora por todo o país, como explicou ao Brasil de Fato Kevin Roy, diretor de Política da Shatterproof, uma organização que lida com a questão do vício nos EUA.
“O Fentanil rapidamente e dramaticamente, se tornou a crise de saúde pública mais importante dos Estados Unidos. Ele já é responsável por quase 2/3 de todas as overdoses”, diz Roy.
A droga preocupa ainda mais quando esses dados se comparam ao número geral de mortes por overdoses, que no ano passado atingiu quase 110 mil, um aumento de 2% em comparação a 2021. Em 2020 o aumento tinha sido de 30% e em 2021 de 15%.Ainda que tenha parado de crescer em ritmo acelerado, a taxa não voltou ao padrão pré-pandemia.
Uma crise antiga
Cenas de filmes ou séries de Hollywood nas quais um personagem viciado em drogas corre para o banheiro e procura frascos laranjas de remédio estão no imaginário popular e representam algo que se tornou mais comum nos EUA após a segunda metade dos anos 90.
A venda desenfreada de opioides com prescrição médica, sobretudo para pacientes de classe média nos subúrbios do país, gerou um grande número de pacientes viciados e abriu as portas para uma crise sem precedentes.
“As autoridades agiram para fazer alguma coisa em relação à crise, mas o que fizeram gerou consequências indesejadas”, afirmou David Herzberg, especialista no assunto e professor da University at Buffalo.
Herzberg detalhou à reportagem como a indústria farmacêutica estadunidense criou mecanismos para se eximir da responsabilidade pela crise ao longo dos anos.
“Ouvindo as empresas farmacêuticas, que diziam que a crise não era culpa delas, era culpa dos que abusam, as autoridades concordaram em barrar pessoas que estariam viciadas em opioides, de forma que elas não pudessem mais comprar a droga com prescrição. Então tinha um grande grupo de pessoas, viciadas em opioides, que tinham dinheiro, mas que não podiam mais comprar o produto. Elas passaram, então, a comprar do mercado ilegal e passaram a comprar heroína."
Essa mudança levou à chamada segunda onda da epidemia dos opioides. De acordo com o COD (Centro de Controle de Doenças dos EUA), o número de mortes relacionadas a overdoses de heroína decolaram a partir de 2010.
Em 2013, veio o começo da terceira onda. Cada vez mais pessoas começaram a morrer por overdoses ligadas aos opioides sintéticos como o Fentanil, mais fáceis de produzir e contrabandear. A droga, que é muito mais potente, e portanto mais perigosa, foi introduzida em locais estratégicos pelo tráfico.
“Os cartéis seguiram aqueles mesmos canais de mercado, e começaram a introduzir o Fentanil em comunidades afetadas pelos opioides prescritos”, diz Kevin Roy. Dessas comunidades, explica Roy, o consumo da droga expandiu para outras comunidades que há dois anos não tinham Fentanil. "Infelizmente o Fentanil agora é um problema nacional. Foi um problema local durante um período curto de tempo, mas agora está em todos os lugares pelo que a gente entende."
O impacto nas eleições de 2024
Esse tema será central durante a eleição presidencial de 2024. Na verdade, já está sendo. Durante os dois primeiros debates das prévias republicanas, candidatos defenderam o uso do exército contra os cartéis de drogas mexicanos, com ou sem a autorização do vizinho latino-americano.
Em determinado momento do último debate, realizado no fim de setembro, Ron DeSantis, governador da Flórida, afirmou: “como líder da nação, eu usarei o exército dos EUA para atingir os cartéis de drogas Mexicanos”. O candidato foi aplaudido pela plateia conservadora.
“Eu gostaria de dizer que não vai acontecer, mas isso já aconteceu antes", pontua Herzberg em relação ao emprego do exército com essa finalidade. "Não literalmente uma invasão, mas o exército estadunidense já operou ao sul da fronteira durante a segunda metade do século XX. Seria impossível dizer que ‘não, jamais vai acontecer’, porque pode acontecer. E funcionaria? Com certeza não", enfatiza.
Redução de danos
Enquanto isso, parte do poder público investe em ações de redução de danos. Em cidades grandes pelo país, como a capital Washington e Nova York, é possível encontrar máquinas com Naloxona, uma espécie de antídoto contra overdoses. O medicamento é gratuito e disponível a todos. Até mesmo em escolas o medicamento vem se tornando comum.
Em 2021, a cidade de Nova York também abriu o primeiro centro de uso assistido e supervisionado de drogas. O objetivo é que pessoas que não conseguem se abster de determinada substância, faça o consumo no local, com a supervisão de profissionais treinados para auxiliá-los e até mesmo salvar vidas em caso de overdose.
Para David Herzberg, essa é uma ação muito mais eficaz do que uma guerra.
“O vício assusta. Se você está com medo e com raiva, você pode olhar para a política de redução de danos e achar que ela está passando a mão na cabeça das pessoas, e permitindo que coisas ruins aconteçam. Para mim, investir essas emoções em uma guerra às drogas e na proibição é compreensível, mas é um desperdício. Quando temos energia para agir em relação a esse problema, nós deveríamos investir em coisas que funcionam. E a redução de danos é uma dessas coisas”, conclui.
Edição: Leandro Melito