Ação Social

RS: agricultores atingidos por cheia no Vale do Taquari recebem 11 toneladas de sementes

Durante cerca de um mês de atuação, voluntários levaram mais de 11 toneladas de sementes, mudas e ramas para atingidos 

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Atividades comunitárias foram realizada em diversos pontos da região atingida - Divulação

Após as imagens impressionantes registradas durante e nos primeiros dias após a tragédia socioambiental que se abateu sob o Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, no início de setembro, dezenas de ações solidárias foram de imediato colocadas em prática. As primeiras ações voltaram-se aos espaços urbanos, onde concentraram-se a maior parte das perdas humanas. Mas havia muito também a ser feito nos territórios rurais, onde centenas de famílias ribeirinhas foram atingidas pela enchente que arrasou plantações, destruiu infraestrutura e também matou pessoas e animais.

Com foco neste público uma grande aliança de movimentos sociais e organizações populares vinculadas à Igreja Católica colocaram-se a serviço. Cerca de um mês depois do início das atividades, a Missão Sementes de Solidariedade encerrou seu ciclo de atuação. Foram entregues mais de 11 toneladas de sementes, mudas e ramas para 685 famílias em 47 comunidades de 14 municípios, beneficiando diretamente por volta de 2,7 mil pessoas.

Frei Sérgio Görgen, diretor do Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ) e coordenador da Missão, conta que foram três jornadas de atividades realizadas no território. “Num primeiro momento fizemos contatos com autoridades e lideranças locais, procurando identificar os espaços, as referências e as necessidades das pessoas que viviam e trabalhavam no meio rural e foram atingidas, bem como procuramos definir o foco de atuação, que inicialmente previa três a quatro municípios e depois constatados a necessidade de chegar a 14”, explicou.

A etapa seguinte foi a organização de uma força tarefa com cerca de 50 pessoas que foi a campo visitar as unidades produtivas atingidas. O grupo teve especial foco nas unidades de matriz familiar e camponesa, percorrendo os espaços costeiros e áreas que foram invadidas pelo rio durante a enchente.  

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Em paralelo a essas duas primeiras etapas de campo, as organizações envolvidas lançaram a campanha de arrecadação de recursos para a aquisição de itens voltados aos atingidos e atingidas. Com as famílias a serem beneficiadas devidamente cadastradas e recursos arrecadados, veio a terceira etapa, que envolveu uma nova formação de força tarefa para realizar a distribuição dos kits de sementes, mudas e ramas adquiridos.

“Não tínhamos certeza do que conseguiríamos fazer, mas ficar em silêncio e não fazer nada não era uma opção”, disse Görgen. 


Comunidades atingidas pela enchente receberam doação de sementes, ramas e mudas / Foto: Divulgação

Gente pequena que, unida, faz coisas grandes

A Missão Sementes de Solidariedade passou a atuar tendo como norte o ditado africano muito citado nas ações de economia solidária e que tem pautado as atividades da Economia de Francisco e Calra: “Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares singelos, consegue mudanças extraordinários”.

Ao todo foram quase 5 mil doações recebidas – desde pequenos valores até quantias mais significativas – que totalizaram aproximadamente R$ 180 mil. Esses recursos foram investidos na aquisição dos kits voltados à produção de alimentos contendo sementes, mudas e ramas, que foram entregues para as 685 famílias. O volume de itens foi de 5,5 toneladas de sementes de milho, 2,5 toneladas de sementes de feijão, 1,1 mil feixes de ramas de mandioca, 3,5 mil mudas de árvores frutíferas, 3 mil mudas de flores, 10 mil sachês de sementes de hortaliças e mil unidades de mudas de batata-doce.  

A ação contou com sete organizações na sua cabeça de rede, somando 85 voluntários e voluntárias atuando: Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Cáritas RS e Cáritas Brasileira, Movimento dos Atingidos e Atingidas por Barragens (MAB), Instituto Koinós, Serviço de Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Franciscanos (JPIC) e Comissão Pastoral da Terra.

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Somaram-se a estas organizações os sindicatos organizados pela base do MPA e cooperativas camponesas como a Cooperbio de Seberi e a Cooperfumos de Santa Cruz do Sul, a Unidade de Beneficiamento Sementes Crioulas Gilberto Tutenhagen de Encruzilhada do Sul, dioceses de Santa Cruz e Montenegro, Arquidiocese de Porto Alegre, alguns escritórios de Emater e paróquias de municípios atingidos. Também foi destacado a participação do Instituto Conhecimento Liberta e de seu diretor Eduardo Moreira, da TV Aparecida e do jornal Brasil de Fato RS. 


Além de levar o kit de sementes e mudas, os voluntários da missão levaram também palavras de incentivo e encorajamento para atingidos e atingidas / Foto: Divulgação

Organizações participantes deixam sua mensagem

A redação do Brasil de Fato RS entrou em contato com as organizações que compuseram a cabeça de rede da Missão Sementes de Solidariedade, questionando sua avaliação sobre a atividade. Confira o retorno destas respostas: 

O diretor do ICPJ, Frei Sérgio Görgen, disse que o que a Missão Sementes de Solidariedade fez pelos atingidos e atingidas foi algo pequeno, vide as grandes perdas humanas e materiais sofridas por aquelas pessoas e comunidades. Mas destacou que levar os kits de sementes e mudas foi "uma forma de aceno para os recomeços".

"Uma maneira que encontramos de dizer a estas pessoas que elas não estão sozinhas, no começo não tínhamos certeza de o quanto seria possível ajudar em termos materiais, mas tinhamos um compromisso alinhado de que mesmo que estivéssemos de mãos vazias não abriríamos mão de estar presente nos territórios”, completou.

Jacira Ruiz, da Cáritas, explicou que a ação “foi um momento único de proximidade com a dor do outro, com a realidade do desastre, a escuta atenta de tantos relatos de pessoas que viveram a tragédia, suas incertezas quanto ao futuro próximo”. Para a agente, que é vinculada à ação social da Igreja Católica, o que mais marcou foram “os testemunhos de fé provada na desgraça e que faz tanta gente se levantar e prosseguir".

"Eles e elas semearam esperança e fé em nós, enquanto levávamos a oferta de sementes, mudas e ramas", pontuou. Lembrando que as contribuições que chegaram de todo Brasil viabilizaram as ações da Missão, Jacira concluiu afirmando que “foram dias de trocas, de silêncio, de abraços, de contemplação da força da natureza, de respeito e de amor solidário”. 


Onde não foi possível realizar atividades comunitárias, as entregas foram feitas nas casas das famílias beneficiadas / Foto: Divulgação

O dirigente do MPA na região do Vale do Taquari, Lari Hoffstetter, destacou que o momento de dificuldade e sofrimento despertou de imediato nos movimentos sociais "a compreensão da necessidade de nos abraçar para oferecer aos irmãos e irmãs atingidos, um pouco de nossa solidariedade”. Ele afirma que os participantes tiveram total certeza de que as visitas realizadas junto a mais de 600 famílias não foram vazias: “Oferecemos muitos abraços e muitos outros recebemos, muitas vezes os corações se irmanaram e choramos juntos, compartilhamos a dor e multiplicamos a força”.

Para o dirigente camponês, entre os participantes da Missão ninguém votou para casa o mesmo. “Aprendemos muito, ensinamos também. Não somos mais os mesmos, o sofrimento testemunhado e vivenciado nos acusará para outros sentimentos.  As reflexões serão feitas com mais propriedade”, concluiu Hoffstetter. 

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A dirigente do MAB, Alexania Rossato, afirmou que a Missão veio ao encontro de um princípio do movimento, que é a solidariedade com quem passa necessidade. Lembrou que o MAB propôs a palavra de ordem “Lutar, Reconstruir o Vale do Taquari” como elemento motivador para seus militantes e para as pessoas alcançadas pelas ações. “A Missão Sementes de Solidariedade foi simbólica, foi muito importante para levar esperança ao povo atingido”, apontou.

Para Alexania, ações assim demonstram às pessoas que elas não estão sozinhas, que podem contar com as organizações populares. "A solidariedade constrói dignidade e a organização constrói direitos”, afirmou a dirigente, frisando que para além das ações de solidariedade, tão necessárias, é imprescindível a dimensão organizativa que precisa ser estabelecida com o povo nos territórios atingidos. 

O frade franciscano Marino Rhoden, Ministro Provincial da Ordem Franciscana Menor, comentou que a participação do JPIC, além de contar com a atuação direta de frades nas ações, ofereceu as instalações do Convento São Boaventura, localizado no município de Imigrante, como base operacional para a Missão. "Inspirados em São Francisco de Assis, que abraçou os leprosos de seu tempo e viveu entre eles, servindo-os, quisemos ser instrumentos de compaixão e de esperança, para novo recomeço e de reconstrução”, afirmou.


Momento das entregas converteram-se em encontros repletos de mística e coletividade / Foto: Divulgação

Maurício Queiroz, agente da CPT, destacou que a Missão Sementes de Solidariedade se desenvolveu como uma espécie de “mutirão” onde os participantes se colocaram à disposição dos atingidos e atingidas “para reconstruírem suas roças e suas vidas”. O representante da CPT apontou que as organizações concordaram que a melhor maneira de ajudar os agricultores e agricultoras atingidos pela enchente seria fornecendo sementes e mudas, uma vez que perderam suas roças, muitas delas já plantadas.

“Consiste numa ajuda que além de simbólica, porque sementes e agricultores têm uma relação de simbiose milenar, é fundamental também para refazer a horta, o pomar, a roça de aipim, de milho, que são essenciais para garantir comida na mesa”, concluiu. 

Tadeu Rigo, do Instituto Koinós, afirmou que “neste momento dramático em que vivem as comunidades dos Vales em razão das enchentes, poder contribuir ainda que apenas para amenizar o brutal sofrimento das famílias de agricultores, atuando ao lado dos valorosos parceiros que integram a Missão, é um dever cidadão, exercício de aprendizagem e oportunidade de reafirmar a convicção de que apenas a solidariedade é capaz de reconstruir o mundo em bases social e ambientalmente sustentáveis, com mais justiça e fraternidade”. 

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira