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Putin na China: reforço de parceria visa combater isolamento do Ocidente

Visita do líder russo a Pequim não resulta em acordos concretos, mas tem peso simbólico no antagonismo ao Ocidente

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e líder chinês, Xi Jinping, se reúnem durante Fórum Cinturão e Rota, em Pequim, em 18 de outubro de 2023 - Pedro Pardo / AFP

Enquanto o mundo inteiro volta as atenções para o conflito no Oriente Médio, o presidente russo, Vladimir Putin, foi recebido pelo líder chinês, Xi Jinping, em Pequim, durante o fórum "Um Cinturão, Uma Rota" nos dias 17 e 18 de outubro. A viagem foi encarada como uma forma de o presidente russo reforçar a reorientação da política externa de Moscou para o Oriente e contornar o isolamento da Rússia no cenário internacional.

Essa foi a segunda viagem internacional de Putin após sua condenação no Tribunal de Haia e a primeira à China desde o início da guerra da Ucrânia. Para o líder russo, a visita foi um importante gesto de relevância na arena internacional e reforço da parceria com a China.

Desde o início da guerra da Ucrânia e as consequentes sanções do Ocidente, a Rússia reorientou a sua política externa para o Oriente e o Sul Global. Neste processo, a China tornou-se o maior parceiro comercial e diplomático da Rússia. A parceria contempla as aspirações de Putin de antagonizar o Ocidente e rever a ordem internacional em nome de "formar um mundo mais justo e multipolar", segundo suas palavras.

Sem avanços concretos em termos de acordos, no entanto, o principal resultado da visita de Putin à China foi simbólico. É o que afirma o pesquisador do Centro Carnegie Berlin para Estudos Russos e Eurasiáticos, Temur Umarov. Em entrevista ao Brasil de Fato, o analista aponta que não houve "nenhum progresso tangível e material nas relações entre Rússia e China".

Havia a expectativa sobre um acordo referente à construção do gasoduto Siberia 2. O projeto envolve o fornecimento de gás da rica Península de Yamal, na Sibéria Ocidental, à China, que é o maior consumidor mundial de recursos energéticos e um dos compradores de hidrocarbonetos. No entanto, as ambições russas foram frustradas.

No primeiro dia da visita do presidente russo, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, informou que o destino do projeto Siberia 2 seria pauta na reunião pessoal com o líder chinês à margem do fórum. Na declaração final aos meios de comunicação social, entretanto, Xi Jinping nem sequer mencionou o gás russo, e o comunicado conjunto apenas falou em termos gerais sobre a expansão da cooperação no setor energético. Peskov confirmou mais tarde que não houve nenhum avanço em relação ao projeto.

"O principal resultado da visita de Putin à China é simbólico. Se observarmos essa visita, de fato não houve nada de concreto, nenhum progresso tangível e material nas relações entre Rússia e China. Não houve nenhum avanços sobre o projeto Siberia 2, nenhum novo acordos sobre investimentos chineses na economia russa", afirma Umarov.

De acordo com o pesquisador, o que unifica os dois países hoje é, acima de tudo a formulação de uma política externa que antagoniza os EUA. Ou, como disse Vladimir Putin, em entrevista coletiva após reunião com Xi Jinping, os conflitos globais e "fatores externos são ameaças comuns e reforçam a cooperação Rússia-China".

Temur Umarov destaca que "há uma interação que oficialmente trata de um diálogo para a democratização das relações internacionais, mas na realidade isso significa promover dúvidas sobre a presença dos EUA na política global".

"É uma grande questão o quanto isso funciona, mas isso é justamente o que unifica hoje Moscou e Pequim, esse antiamericanismo na formulação ideológica da política externa entre os dois países. É o que aproxima os dois países, junto ao fato de que a Rússia está isolada dos países do Ocidente", acrescenta.

Já o especialista em estudos de Rússia e China da Universidade de Leipzig, Alexei Chigadaev, por sua vez, aponta que no plano simbólico o presidente russo obteve êxito em sua visita à China, no sentido de demonstrar um rompimento do isolamento de Moscou na política internacional. De acordo com ele, "Vladimir Putin foi à China para estar ao lado de Xi Jinping, tirar fotos, apertar as mãos, e poderia terminar por aí".

"A intenção era demonstrar, em primeiro lugar, uma imagem internacional de que 'vejam, achavam que as sanções iriam ajudar, mas os líderes se reúnem comigo, dialogam e me convidam'. Ao mesmo tempo, o chanceler Lavrov se encontra em uma visita na Coreia do Norte, aparentemente preparando uma visita de Putin ao país. Então, à primeira vista, o objetivo foi cumprido", diz ao Brasil de Fato.

Segundo o pesquisador, outro objetivo importante, também do ponto de vista político, foi o reforço da confiança entre Putin e Xi Jinping, pois "há uma impressão de que para Xi Jinping é muito importante entender que tudo o que acontece na Rússia hoje está sob controle, sob algum controle". O analista destaca que essa confiança foi perturbada com o caso da rebelião do grupo Wagner, por exemplo.

"Sabemos que a 'marcha do grupo Wagner a Moscou' deu luz às mais diversas teorias na China, por mostrar que não se compreende muito bem o que acontece neste país. Mas justamente neste momento, sob este tema, foram suspensos todos os projetos de investimento da China na Rússia. O Partido [Comunista da China] falou 'vamos esperar para ver o que acontece'. E este tipo de encontro é uma espécie de verificação de normalidade", argumenta.

Já para a China, a Rússia também exerce um papel estratégico muito importante para conter a ameaça dos EUA contra os dois países, sobretudo no plano militar. De acordo com Alexei Chigadaev, a Rússia ocupa toda a região fronteiriça ao norte da China "e no caso de hipotéticos mísseis, o sistema de defesa da Rússia vai derrubar esses mísseis, porque estes mísseis voariam através da Rússia". O pesquisador destaca que este aspecto é crucial, considerando há uma estratégia de segurança nacional publicada pelos EUA que afirma que "Rússia e China são potenciais inimigos".

Edição: Thalita Pires