Sergio Massa é o representante do peronismo na disputa presidencial argentina, que será decidida no próximo domingo (22). Em um país tumultuado por uma situação socioeconômica dramática, uma disputa eleitoral particularmente agressiva e uma descrença crescente no sistema político, ele se apresenta como o candidato que vai defender os trabalhadores e promover um governo de união nacional, que possa acalmar os ânimos e encontrar uma saída para a crise.
Massa é o atual ministro da Economia, cargo que ocupa há pouco mais de um ano. De perfil conciliador, assumiu quando o presidente decidiu unificar as pastas de Economia, Desenvolvimento Produtivo e Agricultura, Pecuária e Pesca para centralizar as ações diante do agravamento da crise. Como alguns dizem, ele é uma espécie de superministro ou o presidente de fato, responsável por "segurar as pontas" do governo e liderar a renegociação da dívida bilionária com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Massa, que disputa a presidência pela coalizão União pela Pátria com a conservadora Patricia Bullrich (Juntos pela Mudança) e o ultraliberal Javier Milei (A Liberdade Avança) — os demais candidatos são figurantes, segundo as pesquisas —, é um político pragmático, que dialoga bem com os poderes, sejam eles internacionais (particularmente o FMI), sejam os poderes internos na Argentina.
Para nos ajudar a entender quem é o candidato governista, o jornalista Mario Santucho, editor da revista Crisis, faz um breve histórico de como se organizou seu grupo político nos últimos anos. A Frente de Todos, coalizão peronista formada para enfrentar o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), era constituída por três correntes: kirchnerismo, massismo e albertismo.
O kirchnerismo, com a atual vice-presidenta Cristina Kirchner à frente, seria, ideologicamente, a corrente mais à esquerda da coalizão. Dele faz parte Axel Kicillof, que disputa a reeleição para governador da província de Buenos Aires e tem chance de se reeleger. O albertismo, referência ao presidente Alberto Fernández, seria a centro-esquerda. E o massismo, referência a Carlos Massa, seria a direita da coalizão.
Massa tomou a frente da coalizão ao virar ministro da Economia num momento de crise, em que o governo estava muito loteado, com diferentes orientações que não entravam em acordo entre si, lembra Santucho. Apoiado pelo kirchnerismo, a fração majoritária da coalizão, articulou para que os setores mais importantes ficassem sob sua responsabilidade e depois se tornou candidato — com Agustín Rossi, chefe de gabinete do presidente Alberto Fernández, de vice. Ele não era o candidato preferido de Cristina Kirchner, mas ela achou por bem apoiá-lo.
"A crise é tão aguda que o governo poderia não terminar se Massa não fosse candidato, o que seria mais desastroso", avalia Santucho. "O grande aval de Massa é sua capacidade de gestão e negociação com os poderes, mas isso não serviu para nada. A gestão dele foi ainda pior que a anterior".
Numa campanha eleitoral atípica como a atual, em que os três principais candidatos contam com o apoio de praticamente um terço do eleitorado, como demonstrou o resultado das eleições primárias, os analistas apontam que tudo pode acontecer. Alguns institutos apontam Massa em primeiro lugar, algo que o professor de História na UnB Carlos Vidigal, que é doutor em Relações Internacionais e especialista em Argentina, acha estranho por causa da situação econômica do país. Mas pondera que o candidato conta com a herança política do peronismo, redes clientelares bem consolidadas e a história do governo Macri, que foi "muito ruim". "Então, talvez o pêndulo esteja favorável para ele".
Questionado sobre o governo atual, que também é mal avaliado e amarga uma crise, Vidigal acha que, mesmo assim, o aspecto social pode ocasionar um movimento considerável pela manutenção do status quo. "Os programas sociais têm apelo muito forte na Argentina. Enquanto o Milei é uma ameaça aos programas sociais, o Massa é garantia de continuidade". E se o raciocínio for pela rejeição ao establishment político, uma das bandeiras preferidas de Milei, Massa talvez se beneficie "porque se posicionou num meio termo entre o peronismo e o kirchnerismo", avalia o professor.
Santucho aponta três aspectos positivos em Massa. Um deles é a imagem da valentia, do político que vai em frente, que "pegou a batata quente quando ninguém queria pegar". Outro é a aliança forte com o kirchnerismo, ainda que seja, na visão dele, uma aliança de conveniência mútua, sem base ideológica. E o terceiro é a possibilidade de que o candidato encarne uma espécie de mutação política para melhor, algo que "costuma acontecer no peronismo". Um exemplo, diz ele, é Néstor Kirchner, que era um governador tradicional, do sul do país, e como presidente (2003-2007) "modificou sua trajetória e se vinculou ao que existe de melhor nas tradições democráticas argentinas".
"Há quem diga que Massa é uma figura parecida, que pode surpreender por sua vontade de poder, flexibilidade e pragmatismo. Mas também pode ser que, com tanto pragmatismo, acabe de vez com o kirchnerismo", especula o jornalista argentino.
Idas e vindas
Massa, que começou a carreira política na direita liberal, transitou depois para o peronismo e se tornou forte aliado de Cristina Kirchner, tanto que chegou a ser seu chefe de gabinete na presidência (2007-2015). Por volta de 2013, virou um forte adversário do kirchnerismo, num racha que pode ter contribuído para a vitória de Macri seis anos depois.
Mario Santucho, que respira a política argentina em seu cotidiano profissional, vê Sergio Massa como uma figura política de centro-direita no espectro ideológico argentino. Ele aponta dois argumentos, entre outros: 1. conduziu uma gestão repressiva em termos de segurança como prefeito de Tigre, município vizinho a Buenos Aires; 2. não se mobilizou para defender a liderança indígena Milagro Sala, vítima de “um dos exemplos mais claros de lawfare (perseguição política e judicial) contra uma dirigente social” — ela está presa, pois foi condenada por associação ilícita, como líder da organização social Tupac Amaru.
No encerramento da campanha na província de Buenos Aires, Massa, o pragmático que dialoga com todos, anunciou que, caso vença, terá como primeira obrigação a "lealdade ao trabalho" e proporá a formação de um governo de unidade nacional com dez políticas de Estado a partir de 10 de dezembro, dia da posse. Tais políticas, disse, se concentrarão em cinco áreas: emprego formal e protegido; desenvolvimento da indústria nacional; exploração inteligente dos recursos naturais; discussão do endividamento externo e direitos humanos.
"Em 17 de outubro, tratava-se de mergulhar os pés na fonte. Hoje trata-se de colocar os votos nas urnas. O objetivo é o mesmo: defender os mesmos direitos, a dignidade e lutar por uma pátria justa, livre e soberana", discursou na última terça-feira (17), quando se comemorava o Dia da Lealdade Peronista.
A referência aos pés na fonte remonta a 17 de outubro de 1945, quando, sob um sol escaldante, uma mobilização liderada por uma classe trabalhadora renovada invadiu Buenos Aires e ocupou a Praça de Maio para exigir a liberdade do então coronel Juan Domingo Perón, detido pelo governo em vigor, do qual ele fazia parte.
Num local tradicionalmente frequentado por uma elite comportada e cheio de bons modos, pessoas de variados recortes sociais e raciais levantaram as calças acima dos joelhos e entraram numa fonte para se banhar, cena que foi fotograda e entrou para a posteridade. No ano seguinte, Perón seria eleito presidente para seu primeiro mandato (1946-1955), enquanto surgia uma corrente política com peso de massas, que dialogava com a esquerda e a direita, e levaria seu nome.
Ao lado de Massa no evento de encerramento da campanha, Kicillof destacou a diferença entre o projeto político peronista e os demais. "Há dois candidatos à presidência que passaram o tempo atacando as conquistas do povo trabalhador, das classes médias, da indústria nacional. Eles propõem exterminar o peronismo e a justiça social. Propõem ódio e violência", discursou. "Nós respondemos com propostas, com amor e cuidado com o nosso povo".
"Falar de liberdade é uma coisa, mas para que haja liberdade, primeiro deve haver igualdade de oportunidades", declarou o candidato à reeleição para o governo de Buenos Aires.
O passado de Massa
Sergio Massa, de 51 anos, vem de uma família de italianos que chegou à Argentina no período pós-guerra. Num dado momento da infância, seu avô paterno observou seu interesse pela política e o advertiu a não seguir esse caminho. "Não entre na política, a política é porca", teria dito o avô, de acordo com a lembrança do candidato.
Mas foi em vão. A vida de Massa foi pontuada pela política desde cedo. Ele conta que, aos 11 anos, subia em cima de um balde e imitava os discursos das autoridades que via na televisão. Na adolescência, começou a militar no partido União do Centro Democrático, da direita liberal. Em 1994, interrompeu seus estudos de direito na Universidade de Belgrano, que só viria a completar durante a campanha eleitoral de 2013, e começou a fazer carreira na administração pública. Em 1999, foi eleito deputado provincial com 27 anos. No Legislativo federal, foi deputado e presidente da Câmara.
Com informações do Página 12, CNN Brasil, da revista Haroldo e do site A Terra é Redonda.
Edição: Leandro Melito