Intervenção Federal

Ao contrário do que diz, Braga Netto 'desrespeitou TCU' em compras sem licitação na intervenção no RJ

Nota técnica assinada por auditor do Tribunal de Contas da União ressaltou a irregularidade

Brasil de Fato | Brasília |
Candidato à vice-presidência da República na vice na chapa de Bolsonaro, Braga Netto assinou contrato de R$ 40 milhões com a CTU Security - Fernando Frazão/Agencia Brasil

A área técnica do Tribunal de Contas da União disse que ao menos cinco contratos firmados sem licitação para compras de coletes à prova de bala fechados pelo Gabinete de Intervenção Federal do Rio de Janeiro, em 2018, desrespeitaram decisão do próprio TCU. O procedimento correto de como poderia ocorrer a dispensa de licitação durante a intervenção - indicado por acórdão do tribunal - foi comunicado ao então interventor federal, general Braga Netto, que não o seguiu.

Mas, ainda assim, Braga Netto tem citado o acórdão como justificativa para negar irregularidades durante sua gestão no Gabinete de Intervenção.

O comunicado da área técnica do TCU diz que “todas as vigências dos referidos contratos e aditivos, oriundos de dispensas de licitação com fundamento na Lei 8.666/1993, art. 24, inc. III, ultrapassaram o ano de 2018, desrespeitando a orientação contida no Acórdão 1358/2018-TCU-Plenário”, afirma a Secretaria de Controle Externo da Defesa e Segurança Nacional do TCU  manifestação encaminhada à Polícia Federal em abril de 2022 e que serviu para embasar a abertura das investigações.

Na sequência, a área técnica ainda afirma que “todas as dispensas de licitações foram ratificadas pelo Interventor Federal na Área de Segurança no Estado do Rio de Janeiro, General do Exército Walter Souza Braga Netto, condição essencial para a eficácia dos atos”.

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A manifestação da área técnica do tribunal contraria um dos principais argumentos que tem sido usado por Braga Netto desde que a Polícia Federal deflagrou a Operação Perfídia, em setembro, para investigar as suspeitas de sobrepreço de R$ 4,6 milhões na compra de coletes balísticos da empresa americana CTU Security pelo Gabinete de Intervenção. O general da reserva tem alegado que todas as aquisições com dispensa de licitação  seguiram as orientações do acórdão do TCU que publicado em resposta a uma consulta feita pelo próprio Gabinete de Intervenção naquele ano:

“No que se refere à dispensa de licitação, a decisão teve por base o acórdão 1358/2018 do TCU, que estabelece que é possível a realização de contratações diretas durante intervenção federal. Desde que o processo de dispensa de contratação esteja restrito à área temática, assim entendidos os bens e serviços essenciais à operação”, afirmou o general da reserva por meio de nota divulgada por sua assessoria após a operação da Polícia Federal. Apesar de citado ao longo da investigação, Braga Netto não foi alvo de mandados de buscas na Operação Perfídia. 

Procurada, a assessoria Braga Netto divulgou nota afirmando que “as questões relativas à Intervenção Federal, realizada há cinco anos atrás, no Rio de Janeiro, foram integralmente e exaustivamente analisadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU)”. O texto também afirma que todos os processos foram concluídos e que “nenhuma responsabilidade foi imputada ao General Braga Netto”.

“É importante também reiterar que, no contexto do sistema processual do TCU, a análise apresentada por um parecer é uma fase anterior às decisões do Tribunal. A decisão final é do colegiado”, segue a nota, que cita ainda um despacho do ministro do TCU, Vital do Rêgo, de 25 de novembro de 2020 no âmbito do processo instaurado no tribunal para acompanhar, naquele ano, a gestão e os gastos do Gabinete de Intervenção no Rio de Janeiro: 

“Considerando esse breve contexto, desde já, destaco que acompanho o posicionamento do diretor e do titular da unidade técnica no sentido de afastar a audiência do então Interventor, o General de Exército Walter Souza Braga Netto”.  O parecer do TCU encaminhado à PF que aponta o descumprimento do acórdão da corte de contas, porém, é de 2022. Nele, a área técnica do tribunal aponta algumas suspeitas de irregularidades envolvendo as aquisições de coletes, como o sobrepreço de R$ 4,6 milhões e o possível conluio das empresas fornecedoras dos coletes para a Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros do Rio. Além disso, após a operação da Polícia Federal realizada em setembro, o Tribunal de Contas da União instaurou um novo procedimento para apurar as suspeitas de irregularidades envolvendo a contratação da CTU.

Em 2022 a área técnica do TCU entendeu que não caberia uma apuração própria da corte, pois a Casa Civil da Presidência da República já havia instaurado um Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) para apurar o episódio, mas que poderia vir a atuar caso surgissem novos elementos. 

O PAR foi aberto após o próprio Gabinete da Intervenção Federal identificar que, após a contratação, a CTU apresentou certificados de uma outra empresa para comprovar que poderia atender o serviço, chamada Applied FIber Concepts. A própria Applied comunicou ao Gabinete de Intervenção que não tinha relação nenhuma com a CTU e que tampouco teria oferecido os coletes que estavam previstos no contrato. Após sucessivas prorrogações, porém, o governo federal até hoje não publicou nenhuma informação sobre a conclusão do Processo Administrativo de Responsabilização. 

O fato de o contrato ter sido suspenso e o valor devolvido, porém, não impediu a Justiça Federal de autorizar a operação da PF. O próprio TCU alertou que, mesmo com o procedimento aberto na Casa Civil, o risco de uma eventual contratação da CTU ainda não estava totalmente descartado. “Importante destacar que apesar do potencial sobrepreço, identificado no item II, e da potencial fraude em apuração, acima exposta, o contrato 79/2018-GIFRJ se encontra suspenso com possibilidade de vir a ser integralmente cumprido caso o PAR conclua pela legalidade dos atos da empresa e ainda permaneça o interesse da Administração para a aquisição dos produtos”, segue o a manifestação do TCU

TCU estabeleceu condições para dispensa de licitação

No parecer encaminhado à PF, a área técnica do TCU aponta ainda que o referido acórdão servia como uma norma para orientar as contratações diretas feitas pela intervenção federal. O TCU autorizou a dispensa de licitação em razão do “grave comprometimento da segurança pública”, mas estabeleceu algumas condições. Dentre elas, estão a que estabelece que os contratos só poderiam vigorar até o fim da intervenção, a caracterização da urgência da situação de forma a não ser possível esperar o prazo de uma licitação normal, o fato de a contratação estar restrita à área temática da intervenção, dentre outros.

Revelada pelo Brasil de Fato, a contratação da empresa americana CTU para fornecimento de 9.360 coletes balísticos para a Polícia Civil do Rio por R$ 40 milhões foi fechada no dia 31 de dezembro de 2018 e está no centro das investigações da PF por suspeita de sobrepreço de R$ 4,6 milhões. Além dela, no parecer, a Secretaria de Controle Externo de Defesa do TCU afirma que outros dois contratos, estes para fornecimento de coletes para o Corpo de Bombeiros do Estado do Rio, também foram fechados em 31/12/2018.

Chamou atenção dos técnicos do tribunal ainda o fato de que, um mês após o referido acórdão o Gabinete de Intervenção abriu uma consulta pública sobre um termo de referência para a compra dos coletes balísticos cujas condições já extrapolariam o prazo estabelecido pelo TCU:

“Em que pese a citada decisão da Corte de Contas, o Interventor Federal do Rio de Janeiro, no mês seguinte ao acórdão proferido, realizou a Consulta Pública 01/2018-GIFRJ sobre o termo de referência para aquisição de coletes balísticos, cuja minuta previa, no item 1.13, a entrega do objeto em dois lotes nos prazos de 120 e 180 dias da assinatura do contrato, bem como, no item 1.1.7, estabelecia que a vigência do contrato seria de até 120 dias após a data prevista para a entrega do último lote. Tais prazos, por si, já extrapolariam os limites normativos estabelecidos no Acórdão 1358/2018-TCU-Plenário”, segue o parecer.

Ao todo a Polícia Federal cumpriu no dia 12 de setembro, 16 mandados de busca e apreensão no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal e São Paulo. Os investigadores ainda analisam todos os materiais apreendidos e prorrogaram o inquérito por mais 90 dias no começo de outubro. Segundo a Folha de S. Paulo, a Polícia Federal já se deparou com suspeitas sobre outras irregularidades em contratações no âmbito da Intervenção Federal e deve abrir um novo inquérito envolvendo a contratação de blindados.

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho