Dez dias se passaram da explosão no hospital Al-Ahli, um dos marcos da atual onda de ataques israelenses à Faixa de Gaza, que provocou centenas de mortes. Desde então, uma guerra de versões começou.
O Hamas culpou um ataque aéreo israelense pelo incidente, enquanto as Forças de Defesa de Israel negaram qualquer responsabilidade e atribuíram a culpa a um foguete palestino defeituoso, versão endossada enfaticamente pelos governos de Israel e dos Estados Unidos. Mas os estudos realizados até o momento, com base em gravações do dia, apresentam conclusões divergentes e, portanto, inconclusivas.
A falta de uma prova incontestável impede que se descubra quem é responsável por disparar o armamento que provocou a tragédia no hospital e mostra como é difícil investigar incidentes de guerra quando não se tem acesso ao campo de batalha.
Além da autoria do ataque, há divergências sobre as consequências. O Ministério da Saúde de Gaza afirma que 471 pessoas foram mortas, enquanto o serviço de inteligência dos EUA alega que o número de vítimas fatais se localiza “provavelmente se situa na margem inferior de um espectro que varia de 100 a 300 pessoas”.
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Guerra de narrativas
Autoridades israelenses divulgaram um relatório sobre a explosão e tornaram pública uma conversa que teria sido interceptada, na qual combatentes do Hamas culpam a Jihad Islâmica pela explosão. Também citaram evidências não divulgadas publicamente, como registros de atividade militar e informações obtidas por sistemas de radar.
O que foi, sim, compartilhado publicamente, é um vídeo da emissora Al Jazeera, que supostamente mostraria um “foguete direcionado a Israel” que teria falhado e explodido, quase na mesma hora da explosão no hospital. Numerosos veículos de comunicação compraram essa versão como prova de que um foguete palestino atingiu o hospital — um falha que estaria amparada em precedentes, uma vez que foguetes palestinos já falharam no passado.
Mas o New York Times concluiu que o foguete no vídeo nunca esteve perto do hospital. Segundo investigação conduzida pelo jornal estadunidense, o projétil foi lançado de Israel, não de Gaza, e parece ter explodido acima da fronteira entre os dois territórios, a cerca de 3 quilômetros de distância do hospital.
Para rastrear o objeto no céu até o território israelense, o NYT sincronizou as imagens da Al Jazeera com outros cinco vídeos filmados ao mesmo tempo, incluindo de uma emissora de televisão israelense, Channel 12, e uma câmera de segurança em Tel Aviv. Usando imagens de satélite para triangular o ponto de lançamento, o jornal concluiu que o projétil foi disparado em direção a Gaza perto da cidade israelense de Nahal Oz. Além disso, teria sido lançado após a sequência de foguetes palestinos que as autoridades israelenses alegaram ser responsáveis pela explosão no hospital.
Depois do NYT, outro jornal dos EUA apresentou uma versão diferente. Com base numa análise visual feita por especialistas em vídeos do canal de televisão israelense Keshet 12 News, o Washington Post afirma que foi possível determinar que um foguete teria sido lançado de um ponto a sudoeste do hospital, o que confirma a localização alegada pelos militares israelenses. O disparo teria ocorrido 44 segundos antes da explosão.
Contudo, não existe nenhuma evidência visual que mostre que um foguete atingiu o hospital, e o Post reconhece que essa conclusão não permite descartar a possibilidade de que um projétil lançado a partir de outra localização tenha atingido sido responsável pela explosão.
O jornal afirma ter consultado mais de 20 especialistas e diz que nenhum deles foi capaz de “cravar” que tipo de armamento atingiu o hospital. Mas especialistas em munição concordam que o estrago observado no local é compatível com um ataque de foguete, e não com um ataque áereo, que teria causado uma destruição maior, tampouco com artilharia, que teria deixado rastros de fragmentos e não teria provocado a bola de fogo que se vê nas imagens.
A análise do jornal de Washington aponta também que o já citado vídeo da Al Jazeera, mencionado como evidência por EUA e Israel, na verdade mostra um projétil sendo lançado em um local dentro do território israelense, aparentemente perto de um sistema de defesa antiaéreo israelense conhecido como Cúpula de Ferro (Iron Dome).
Portanto, o que está sendo citado como prova de que um foguete palestino defeituoso atingiu o hospital seria, na verdade, a imagem de um míssil antiaéreo que colidiu com um foguete longe do hospital e não teria nada a ver com a explosão fatal.
Questionados pelo Post, porta-vozes dos serviços de defesa de Israel e de inteligência dos EUA continuaram defendendo a versão de que Israel não é responsável pelo ataque ao hospital.
Com informações do Washington Post e da Folha de S.Paulo.
Edição: Leandro Melito