Israel, país mais poderoso do Oriente Médio em termos militares, falhou no serviço de inteligência e subestimou a magnitude do ataque do Hamas no último dia 7, que serviu como deixa para a contraofensiva que está massacrando a população da Faixa de Gaza. Isso ocorreu por arrogância e pela suposição equivocada de que o grupo radical palestino era uma ameaça contida, segundo reportagem do jornal estadunidense The New York Times, traduzida pela Folha de S.Paulo.
O Shin Bet, serviço de segurança interna de Israel, detectou uma movimentação incomum de integrantes do Hamas na madrugada do dia 7. Mas, como haviam parado de grampear a comunicação nos rádios portáteis dos integrantes do grupo há um ano, por considerar que era um esforço inútil, acharam que fosse apenas um exercício militar noturno. Afinal, estavam convencidos que o Hamas não tinha interesse de entrar em guerra.
Com o passar das horas, a equipe Tequila, grupo de forças de contraterrorismo de elite, foi deslocada para a fronteira sul de Israel, decisão tomada em conjunto com os principais generais de israelenses. Até então, ninguém acreditava que a situação fosse séria o suficiente para acordar o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, segundo três oficiais de Defesa. Em questão de horas, as tropas da Tequila se envolveram em uma batalha com milhares de combatentes do Hamas que penetraram a fronteira de Israel com Gaza.
Apesar da habilidade de Israel em espionagem, os combatentes do Hamas haviam passado por um treinamento extensivo para o ataque, durante pelo menos um ano, sem serem detectados. Foram divididos em unidades com objetivos específicos, tinham informações meticulosas sobre as bases militares de Israel e sobre a disposição dos kibutzim, as comunidades rurais que eles atacaram — numa delas, viviam as duas idosas que foram sequestradas e libertadas na semana passada.
O The New York Times afirma que, após uma análise baseada em dezenas de entrevistas com autoridades israelenses, árabes, europeias e estadunidenses, além de documentos do governo israelense e outras evidências, chegou a algumas conclusões.
Uma delas é que autoridades de segurança israelenses passaram meses tentando alertar Netanyahu de que a turbulência política causada por suas políticas internas estava enfraquecendo a segurança do país e fortalecendo os inimigos do país. O premiê continuou a promover essas políticas e recusou encontrar-se com um general sênior que queria lhe entregar um aviso de ameaça.
Autoridades israelenses também acreditavam que o Hamas não tinha interesse em promover um ataque a partir de Gaza, para não provocar uma resposta devastadora de Israel, e que estava tentando fomentar violência contra israelenses na Cisjordânia, o outro território palestino, que é controlado por seu rival, a Autoridade Nacional Palestina.
A crença de Netanyahu e dos principais oficiais de segurança israelenses de que o Irã e o Hezbollah, seu aliado mais poderoso, representavam a maior ameaça a Israel desviou a atenção e os recursos do combate ao Hamas. No fim de setembro, autoridades israelenses disseram que estavam preocupadas com um possível ataque em várias frentes por grupos milicianos apoiados pelo Irã, mas não mencionaram o Hamas atacando a partir da Faixa de Gaza.
Por fim, agências de espionagem dos EUA pararam, em grande parte, de coletar informações sobre o Hamas, acreditando que Israel estaria gerenciando o grupo, que não representaria mais que uma ameaça regional.
Em geral, havia a crença de que a superioridade militar e tecnológica de Israel manteria o Hamas sob controle. Altos funcionários assumiram a responsabilidade pelas falhas que permitiram o ataque do grupo palestino, mas Netanyahu não. Procurado para comentar a reportagem do NYT, o premiê postou uma mensagem no X (antigo Twitter) que culpava as forças militares e de inteligência por não lhe fornecerem nenhum aviso sobre o Hamas.
Benny Gantz, membro do Gabinete de Guerra, repreendeu publicamente Netanyahu, dizendo que “liderança significa mostrar responsabilidade”. A postagem foi excluída e Netanyahu se desculpou.
O muro
O muro fronteiriço custou a Israel 1,1 bilhão de dólares e foi concluído em dezembro de 2021, com 65 quilômetros de extensão. É composto por um muro subterrâneo de concreto armado com sensores para detectar possíveis túneis, uma cerca de aço de seis metros de altura, uma rede de câmeras, sensores e sistemas de metralhadoras operados remotamente.
As autoridades israelenses acreditavam que a “Barreira”, como o muro é conhecido, seria suficiente para impedir a infiltração em Israel. Mas o ataque do Hamas, que usou drones explosivos que danificaram as antenas e os sistemas de disparo remoto, expôs a fragilidade dessa tecnologia.
Soldados israelenses contaram a investigadores militares que o treinamento foi tão preciso que danificou uma fileira de câmeras e sistemas de comunicação, de modo que “todas as nossas telas se apagaram quase no mesmo segundo”. Resultado: uma cegueira quase total na manhã do ataque.
Depois que os combates cessaram, soldados israelenses encontraram rádios portáteis nos corpos dos militantes do Hamas, os mesmos rádios que os oficiais de inteligência israelenses decidiram que não valia mais a pena monitorar.
Combates prosseguem em Gaza
O Hamas divulgou nesta terça (31) vídeo que retrataria momentos de combate contra Israel na Faixa de Gaza. Podem ser vistos soldados armados caminhando entre arbustos e ouve-se barulho do que parecem ser tiros. Israel divulgou cenas semelhantes e alega ter atacado homens armados abrigados em túneis subterrâneos. Mas não informou quantos integrantes do Hamas teriam sido atingidos, nem se militares israelenses ficaram feridos.
Israel pretende destruir a rede de túneis e usa esse objetivo como argumento para a invasão terrestre do território palestino. As Forças de Defesa de Israel declaram que atingiram aproximadamente 300 alvos de segunda para terça, incluindo mísseis antitanque, postos de lançamento de foguetes e complexos militares nos túneis.
Sul do Líbano
As Forças de Defesa de Israel publicaram um vídeo no X com imagens que seriam de bombardeios a posições e infraestrutura do Hezbollah no sul do Líbano. Os combates entre Israel e o grupo libanês têm se intensificado desde o último dia 7, o que aumenta a possibilidade teórica de que o conflito se alastre para além de Gaza.
O primeiro-ministro libanês, Najib Mikati, afirmou nesta segunda (30) que faz o possível para impedir que seu país seja envolvido no conflito. “Estou cumprindo com meu dever para evitar que o Líbano entre na guerra”, disse, mas não descartou que uma escalada possa ocorrer. “O Líbano está no olho do furacão”.
Edição: Leandro Melito