O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o projeto de lei que cria o Marco das Garantias dos empréstimos e vetou a possibilidade de cartórios tomarem veículos dados como garantia de pessoas inadimplentes. O veto do presidente foi publicado na edição desta terça-feira (31) do Diário Oficial da União e seguiu o entendimento do ministro da Justiça, Flávio Dino, antecipado pelo Brasil de Fato, que considerou que essa possibilidade seria inconstitucional por ameaçar direitos e garantias individuais, como a inviolabilidade do domicílio, isto é a garantia de que ninguém pode acessar a residência de uma pessoa sem a autorização dela ou em caso de algum flagrante, desastre ou decisão judicial.
“Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade, visto que os dispositivos, ao criarem uma modalidade extrajudicial de busca e apreensão do bem móvel alienado fiduciariamente em garantia, acabaria por permitir a realização dessa medida coercitiva pelos tabelionatos de registro de títulos e documentos, sem que haja ordem judicial para tanto, o que violaria a cláusula de reserva de jurisdição e, ainda, poderia criar risco a direitos e garantias individuais, como os direitos ao devido processo legal e à inviolabilidade de domicílio, consagrados nos incisos XI e LIV do caput do art. 5º da Constituição”, afirma o despacho do presidente publicado nesta terça.
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O ponto era um dos mais polêmicos da proposta que havia sido aprovada pelo Senado e pela Câmara. Pelo texto que foi enviado ao Planalto, os credores poderiam acionar os cartórios para notificar sobre a cobrança da dívida e até negociar com o devedor. Caso a dívida não fosse quitada, porém, o credor poderia pedir para o cartório tomar o automóvel, por meio de uma busca e apreensão extrajudicial e também notificando o Detran de que aquele veículo estaria proibido de circular ou mesmo de ser transferido.
Na prática, isso facilitaria que um devedor perdesse seu veículo para o banco sem ter direito a um processo judicial, no qual ele poderia ser ouvido e apresentar seus argumentos e mesmo tentar negociar novos prazos e condições perante um juiz. Atualmente, esse tipo de operação de busca só é permitida com autorização judicial.
Ao vetar essa possibilidade de buscas extrajudiciais, o presidente Lula apontou que isso poderia oferecer risco “à estabilidade das relações entre particulares ao relativizar direitos e garantias individuais, independentemente de decisão judicial”.
Como mostrou o Brasil de Fato, o ponto dividiu integrantes do governo. Antes de decidir pela sanção ou veto de uma proposta, o presidente pode consultar os ministérios envolvidos com o tema. Neste caso, ele consultou o Ministério da Justiça e o Ministério da Fazenda, além da Casa Civil. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad havia concordado com a possibilidade de os cartórios poderem tomar os bens das pessoas, já o ministro Flávio Dino e o ministro da Casa Civil, Rui Costa se manifestaram contrariamente à possibilidade.
Proposta do governo Bolsonaro
Apresentado em 2021 pelo governo Bolsonaro, o Marco das Garantias tem o objetivo de regulamentar e desburocratizar os mecanismos para quem quer tomar empréstimos. A proposta permite, por exemplo, que um mesmo imóvel seja utilizado em mais de um financiamento, além de trazer formas de negociação e cobranças de dívidas que não passem pelo Judiciário. A expectativa do Ministério da Fazenda é que, com essas regras, o crédito no país fique mais barato, ampliando os financiamentos.
Com um viés liberal, o Marco das Garantias promete facilitar o acesso ao crédito. A proposta previa até acabar com a chamada impenhorabilidade dos bens de família, isto é, a regra que impede que o banco tome determinado imóvel se ele for a única residência da família.
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Na votação final do projeto na Câmara, no começo de outubro, a proibição à penhora do bem de família acabou sendo mantida. Outro ponto que estava na proposta original e que os congressistas mudaram no governo Lula foi o fim da exclusividade da Caixa Econômica de penhorar bens. Pela votação final do texto realizada neste ano, o banco público seguirá com esse monopólio.
A Câmara também derrubou uma proposta de Paulo Guedes de estabelecer as chamadas Instituições Gestoras de Garantia, que na prática seriam empresas intermediárias responsáveis por avaliar os bens dos devedores.
Edição: Vivian Virissimo