Em nota divulgada nesta sexta-feira (3), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional) criticou a iniciativa do presidente Lula (PT) de decretar uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em portos e aeroportos sem incluir a Receita Federal, órgão que responde pela fiscalização aduaneira no país. A entidade disse que recebeu a notícia "com perplexidade e ceticismo".
Assinada na quarta (1º), a GLO tem como alvo os portos do Rio de Janeiro, Itaguaí (RJ) e de Santos (SP), bem como os Aeroportos do Galeão (RJ) e o de de Guarulhos (SP). Segundo o governo, a ideia é utilizar equipes das Forças Armadas, da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) nesses pontos para fortalecer o combate ao crime organizado. Os dois estados vivem atualmente uma crise na segurança pública.
O presidente da Unafisco, Mauro Silva, vê problemas jurídico e político na iniciativa do governo. No aspecto formal, a entidade aponta inconstitucionalidade no decreto assinado pelo presidente. "Na parte dos portos e aeroportos, a Constituição, no Artigo 37, inciso VXIII, dá precedência à Receita Federal na área aduaneira. E não só por determinação constitucional, mas é que a receita tem escâneres, tem pessoal treinado para isso, tem uma divisão de repressão treinada. O órgão que mais apreende drogas nos portos e aeroportos é a Receita Federal", argumenta.
Ele cita que o órgão se utiliza de ações de inteligência, cães farejadores, lanchas e mergulhadores, entre outros recursos. "Além disso, havia uma crise nos portos e aeroportos de que a gente tivesse notícia? Não. Pra justificar uma GLO, teria que ser um desmando que tivesse afetando a estrutura do país. Agora, há uma deficiência de equipamentos e de pessoal em portos e aeroportos. Mas aí o governo leva o Exército pra resolver? Não. Tem que investir nos órgãos que fazem isso, que são Receita Federal e Polícia Federal", argumenta.
Mauro Silva ressalta que, em Santos, por exemplo, a Receita possui equipamentos sofisticados de fiscalização, mas falta estrutura necessária para o tamanho do desafio. "Um scanner desses chega a localizar um pacotinho de 2 cm com droga, por exemplo. Só que, obviamente, eu não consigo passar todos os contêineres no escâner por falta de equipamento suficiente e de gente pra operar o scanner. Agora, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica estão treinados pra isso? Não. Eles vão ficar lá passeando de lancha, tentando evitar que um mergulhador entre num navio? Vão fazer um [voo] rasante de helicóptero? Porque o trabalho que precisa ser feito é de inteligência."
O presidente da Unafisco afirma que houve "reação geral" dentro da Receita diante do decreto de Lula, mas afirma que a entidade não considera a possibilidade de judicializar o caso. "Como eu disse, a Receita Federal não pode ficar de fora porque isso torna esse decreto inconstitucional, então, é preciso corrigir isso. Acho que o governo não tem que fazer disso um melindre, mas, claro, é de se lamentar que a área jurídica não tenha alertado o presidente pra isso antes de editar esse decreto. Mas estamos apostando no diálogo. O governo deveria incluir a Receita nessa GLO e pensar no que fazer com as fronteiras do país, além de aparelhar a Receita, que tem drones bastante sofisticados, por exemplo, mas precisa ter mais."
Porto de Santos
Também nesta sexta-feira (3), a Delegacia Sindical de Santos do Sindifisco Nacional soltou nota pública em que provoca a cúpula da Receita Federal a pressionar o governo pela revisão do decreto e inclusão do órgão na operação da GLO. O documento afirma que o órgão respondeu pela "interceptação de mais de 200 toneladas de cocaína nos portos e aeroportos do país desde 2018, sendo que cerca de metade desse volume foi apreendida no Porto de Santos. Segundo informações das Nações Unidas, o quilo da cocaína na Bélgica chega a valer 220 mil dólares, ou seja, a Receita Federal atuou decisivamente para retirar das organizações criminosas mais de 44 bilhões de dólares desde 2018".
Os auditores destacam que, por conta da expertise que detêm, os profissionais do órgão conseguem selecionar cargas a partir de "critérios objetivos de gerenciamento e análise de risco" o que tende a contribuir com o trabalho previsto para a GLO. Por fim, o grupo diz esperar "que o governo perceba que o desprestígio do órgão e do cargo de auditor fiscal com a falta de investimentos e de pessoal na Receita Federal irá agravar o preocupante cenário da segurança pública no país".
Edição: Thalita Pires