SP sem luz

Após demitir 36% de seus trabalhadores, Enel atrasa religamento de energia e prioriza 'casos críticos'

Temporal de sexta-feira (3) deixou 2,1 milhões de casas e estabelecimentos sem eletricidade

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Enel conta de luz
Empresa italiana Enel é responsável por distribuição de energia em São Paulo - Jaqueline Deister

Quatro dias após um forte temporal que atingiu São Paulo, a Enel, distribuidora de energia elétrica que atende o estado, ainda trabalha para religar a luz de casas e outros estabelecimentos de seus clientes. Até a manhã desta terça-feira (7), pelo menos 200 mil unidades consumidoras estavam sem energia. Considerando que em cada casa vivem três pessoas, são pelo menos 600 mil habitantes afetados pelo problema.

De acordo com trabalhadores do setor elétrico, ele é causado pela forma como empresas do segmento operam atualmente. Privatizadas a partir da década de 90, elas visam lucro prestando um serviço público. Trabalham com quadro reduzido de funcionários e, em ocorrências que fogem à rotina, já não têm equipes para responder na velocidade necessária. E isso tudo ocorre em meio a uma fiscalização federal frouxa.

:: Após fortes chuvas, sobe para seis o número de mortos em São Paulo; vários bairros estão sem energia há 18 horas ::

A Enel, por exemplo, administra hoje o que um dia foi a Eletropaulo. A Eletropaulo era uma empresa estatal paulista, criada em 1981, durante a gestão de Paulo Maluf, para gerar e distribuir energia no estado. No final da década de 90, o então governador Mario Covas dividiu a Eletropaulo e a privatizou. Em 2018, a Enel comprou ações da Eletropaulo que ainda pertenciam à União e assumiu o controle da empresa.

Desde então, a empresa demitiu 36% de seus funcionários. Em 2019, eram 23.835 funcionários, entre próprios e terceirizados que vinham da antiga Eletropaulo. Em 30 de setembro de 2023, eram 15.366 colaboradores. Os dados são da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e foram divulgados primeiramente pela CNN Brasil.

:: Exemplos no Brasil e no mundo mostram fracasso da privatização do saneamento básico ::

Com menos trabalhadores, falta mão de obra para fazer os serviços. “São cinco ou seis tarefas primordiais para manter uma rede de funcionamento. Cada uma delas tinha uma equipe dedicada. Agora, está tudo concentrado em um só eletricista”, afirmou Esteliano Neto, presidente da Federação Interestadual dos Urbanitários do Sudeste (Fruse). “Não é normal uma demora tão grande para religamentos. Só demora tanto porque a empresa negligenciou e precarizou o que é um serviço público e essencial.”

Segundo Esteliano Neto, a busca pelo lucro afeta até como a empresa escolhe prioridades em momentos de emergência. “É melhor deixar um bairro inteiro desligado ou uma indústria desligada? O que rende mais e traz mais lucro para a empresa de energia elétrica é uma fábrica. Começa por aí a discrepância no caso das decisões”, afirmou.

Falta prevenção

O sindicalista ressaltou que cortes de energia em casos de temporais são normais. Fazem parte de protocolos de segurança. Para ele, entretanto, o que ocorreu em São Paulo não é aceitável. Ao todo, 2,1 milhão de clientes da Enel ficaram sem energia. Isso poderia ter sido minimizado também se a empresa tivesse tomado providências. “Se a rede estiver com investimento, com manutenção em dia, qualquer coisa que aconteça na rede pode ser resolvida de forma rápida e breve”, afirmou.

:: Tarcísio deve enviar projeto de privatização da Sabesp para deputados ::

Ikaro Chaves, engenheiro eletricista e ex-empregado da Eletrobras, reforça o diagnóstico traçado por Esteliano Neto. Para ele, faltam funcionários para trabalhar em emergências no setor elétrico e investimentos de empresas na prevenção de ocorrências.

Chaves lembrou que, no caso de São Paulo, a falta de energia está ligada a quedas de árvores em linhas de distribuição. Para ele, a distribuidora –no caso, a Enel– é a responsável por fazer podas preventivas para garantir a prestação de seu serviço. Isso, porém, não vinha sendo feito na medida necessária, como hoje está comprovado.

Chaves, por fim, responsabiliza também o governo federal pelos problemas enfrentados por São Paulo e outras localidades. Ele lembrou que a Constituição estabeleceu que a União é responsável pelos serviços de energia no país. Historicamente, ele escolheu delegar essa responsabilidade ao setor privado em concessões.

:: Privatizada por Bolsonaro, Eletrobras volta ao foco após apagão ::

A Aneel, agência reguladora federal, é a responsável por fiscalizar esses contratos. Segundo Chaves, no entanto, essa fiscalização é frouxa e visa, principalmente, a busca por preços baixos. A precarização dos serviços é uma consequência disso. “Se a empresa demitiu, se deixou de demitir, se paga salário, se não paga salário, se faz treinamento, se não faz treinamento, se está morrendo o funcionário, se não está morrendo, se tem gente se queimando, morrendo queimado, a Aneel ela está pouco se lixando para isso”, afirmou.

Respostas

A Enel informou que os técnicos da companhia seguem trabalhando 24 horas por dia para agilizar os atendimentos e restabelecer o serviço para a grande maioria dos clientes ainda nesta terça (7). A companhia declarou que priorizou os casos mais críticos, como serviços essenciais e a conexão das escolas onde seriam aplicadas as provas do Enem.

:: Governo Lula cancela privatizações e traça planos para estatais ::

A Aneel anunciou que, junto com o Ministério de Minas e Energia (MME), tem monitorado os impactos provocados pelas fortes chuvas no fornecimento de energia elétrica. A agência também solicitou que o fornecimento às regiões afetadas seja “reestabelecido com a maior brevidade possível”.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou na segunda-feira (06) que a concessionária de energia, Enel, terá que explicar para a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) a interrupção de energia em diferentes pontos do estado de São Paulo.

 

Edição: Vivian Virissimo