Na última terça-feira (7) em Botucatu (SP), funcionários da Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica (ABD) foram surpreendidos com uma liminar de reintegração de posse e tiveram apenas o tempo de retirar os materiais essenciais antes que o espaço fosse lacrado e guardado por seguranças.
Sediada no interior paulista, a ABD é um sítio-escola de 4,5 hectares que atua há quase 40 anos com a recuperação, adaptação e multiplicação de sementes crioulas, tendo um banco genético de 1500 espécies. É também um espaço de preservação ambiental e formação de estudantes e agricultores.
A Associação se estabeleceu nesta área, dentro da Fazenda Demétria, em 1984. O contrato foi de comodato, ou seja, de concessão gratuita do imóvel por determinado período, que até o momento vinha sendo renovado. Com a propriedade adquirida em 2015 pela empresa Hermes Empreendimentos Imobiliários, neste ano de 2023 o contrato não se renovou.
“Tentei várias vezes reunião com os donos da terra para que a gente entrasse num acordo que fosse bom para ambas as partes, não houve resposta e fomos surpreendidos por essa liminar”, relata Rachel Vaz Soraggi, vice-presidente da ABD.
A proposta que a entidade de agroecologia nem pôde apresentar era de conseguir mais tempo para arrecadar recursos e comprar o terreno. De acordo com a ABD, os proprietários têm “planos avançados” para montar um empreendimento imobiliário no local.
A entidade entrou com um recurso pedindo a suspensão da liminar e aguarda uma posição do Judiciário. “Agora a gente só pode entrar na área para retirar alguma coisa com a concordância do dono”, descreve Soraggi.
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O Brasil de Fato tentou contato com a Hermes Empreendimentos Imobiliários, mas não teve resposta até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto caso a empresa queira se manifestar.
Sementes, plantas medicinais e área preservada em risco
Quando a Associação se estabeleceu no local, era tudo pasto - literalmente.
Mas, ao longo das quase quatro décadas de trabalho, uma nascente foi recuperada (atualmente deságua na bacia do Rio Pardo), e a biodiversidade do território fez voltar aves e mamíferos, inclusive ameaçados de extinção.
Entre eles, o tamanduá bandeira, a lontra, o gato mourisco e o lobo guará. “Que impacto ambiental esses seres vivos vão sofrer se aquela área for loteada?”, questiona Rachel Soraggi.
“Não sei que fim isso vai levar”, se preocupa a dirigente da ABD. “Temos um banco de mais de 1.500 espécies de sementes crioulas diferentes. É um patrimônio genético do Brasil, senão do mundo”, atesta. “Tivemos que tirar tudo correndo da câmara fria, colocar na caminhonete, levar para câmaras frias emprestadas de alguns agricultores. E estamos sem espaço para seguir com a multiplicação”, relata.
“Ali também produzimos plantas medicinais com as quais fazemos preparados biodinâmicos usados por todo o Brasil. Podemos perder essas matrizes”, alerta Soraggi.
Uma petição pública pela permanência da Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica no território foi aberta e se aproxima de cinco mil assinaturas. Entidades nacionais e estrangeiras soltaram cartas abertas contra o despejo. Entre elas, associações do Uruguai e da Colômbia, a Articulação Paulista de Agroecologia e o Instituto Kairós.
“Que o bom senso prevaleça e não seja interrompido o trabalho tão importante que a ABD vem fazendo no local”, afirmou em nota Rogério Dias, presidente do Instituto Brasil Orgânico: “E que extrapola aquele território, tendo servido, por décadas, de inspiração e fonte de conhecimentos e tecnologias para todo o Brasil”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho