Sergio Massa, de 51 anos, e Javier Milei, 53, disputam neste domingo (19) o direito de comandar a Argentina pelos próximos quatro anos. Quem vencer a eleição vai ocupar a Casa Rosada, sede do governo, a partir de 10 de dezembro, dia em que termina o mandato de Alberto Fernández. Saiba quem são, de onde vieram, o que propõem os dois candidatos e o que disseram na hora de votar.
Massa, que no primeiro turno havia recebido 36,7% dos votos válidos, contra 30% de Milei, disse, na hora de votar, que a Argentina precisa entrar em uma nova fase, que requer, "além de boa vontade, inteligência e capacidade, o diálogo e o consenso necessários para que nosso país percorra um caminho muito mais virtuoso".
O candidato, da coalizão União pela Pátria, é o representante do peronismo na disputa presidencial. Em um país tumultuado por uma situação socioeconômica dramática, uma disputa eleitoral particularmente agressiva e uma descrença crescente no sistema político, ele se apresenta como o candidato que vai defender os trabalhadores e promover um governo de união nacional, que possa acalmar os ânimos e encontrar uma saída para a crise.
Ele é o atual ministro da Economia, cargo que ocupa há pouco mais de um ano. De perfil conciliador, assumiu quando o presidente decidiu unificar as pastas de Economia, Desenvolvimento Produtivo e Agricultura, Pecuária e Pesca para centralizar as ações diante do agravamento da crise. Como alguns dizem, ele é uma espécie de superministro ou o presidente de fato, responsável por "segurar as pontas" do governo e liderar a renegociação da dívida bilionária com o FMI (Fundo Monetário Internacional). É um político pragmático, que dialoga bem com os poderes, sejam eles internacionais (particularmente o FMI), sejam os poderes internos na Argentina.
Para nos ajudar a entender quem é o candidato governista, o jornalista Mario Santucho, editor da revista Crisis, faz um breve histórico de como se organizou seu grupo político nos últimos anos. A Frente de Todos, coalizão peronista formada para enfrentar o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), era constituída por três correntes: kirchnerismo, massismo e albertismo.
O kirchnerismo, com a atual vice-presidenta Cristina Kirchner à frente, seria, ideologicamente, a corrente mais à esquerda da coalizão. Dele faz parte Axel Kicillof, que disputa a reeleição para governador da província de Buenos Aires e tem chance de se reeleger. O albertismo, referência ao presidente Alberto Fernández, seria a centro-esquerda. E o massismo, referência a Sergio Massa, seria a direita da coalizão.
Massa tomou a frente da coalizão ao virar ministro da Economia num momento de crise, em que o governo estava muito loteado, com diferentes orientações que não entravam em acordo entre si, lembra Santucho. Apoiado pelo kirchnerismo, a fração majoritária da coalizão, articulou para que os setores mais importantes ficassem sob sua responsabilidade e depois se tornou candidato — com Agustín Rossi, chefe de gabinete do presidente Alberto Fernández, de vice. Ele não era o candidato preferido de Cristina Kirchner, mas ela achou por bem apoiá-lo.
"A crise é tão aguda que o governo poderia não terminar se Massa não fosse candidato, o que seria mais desastroso", avalia Santucho. "O grande aval de Massa é sua capacidade de gestão e negociação com os poderes, mas isso não serviu para nada. A gestão dele foi ainda pior que a anterior".
Santucho aponta três aspectos positivos em Massa. Um deles é a imagem da valentia, do político que vai em frente, que "pegou a batata quente quando ninguém queria pegar". Outro é a aliança forte com o kirchnerismo, ainda que seja, na visão dele, uma aliança de conveniência mútua, sem base ideológica. E o terceiro é a possibilidade de que o candidato encarne uma espécie de mutação política para melhor, algo que "costuma acontecer no peronismo". Um exemplo, diz ele, é Néstor Kirchner, que era um governador tradicional, do sul do país, e como presidente (2003-2007) "modificou sua trajetória e se vinculou ao que existe de melhor nas tradições democráticas argentinas".
"Há quem diga que Massa é uma figura parecida, que pode surpreender por sua vontade de poder, flexibilidade e pragmatismo. Mas também pode ser que, com tanto pragmatismo, acabe de vez com o kirchnerismo", especula o jornalista argentino.
Idas e vindas
Massa, que começou a carreira política na direita liberal, transitou depois para o peronismo e se tornou forte aliado de Cristina Kirchner, tanto que chegou a ser seu chefe de gabinete na presidência (2007-2015). Mas, por volta de 2013, virou um forte adversário do kirchnerismo, num racha que pode ter contribuído para a vitória de Macri seis anos depois.
Mario Santucho, que respira a política argentina em seu cotidiano profissional, vê Sergio Massa como uma figura política de centro-direita no espectro ideológico argentino. Ele aponta dois argumentos, entre outros: 1. conduziu uma gestão repressiva em termos de segurança como prefeito de Tigre, município vizinho a Buenos Aires; 2. não se mobilizou para defender a liderança indígena Milagro Sala, vítima de “um dos exemplos mais claros de lawfare (perseguição política e judicial) contra uma dirigente social” — ela está presa, pois foi condenada por associação ilícita, como líder da organização social Tupac Amaru.
O passado de Massa
Sergio Massa vem de família de italianos que chegou à Argentina no período pós-guerra. Num dado momento da infância, seu avô paterno observou seu interesse pela política e o advertiu a não seguir esse caminho. "Não entre na política, a política é porca", teria dito o avô, de acordo com a lembrança do candidato.
Mas foi em vão. A vida de Massa foi pontuada pela política desde cedo. Ele conta que, aos 11 anos, subia em cima de um balde e imitava os discursos das autoridades que via na televisão. Na adolescência, começou a militar no partido União do Centro Democrático, da direita liberal. Em 1994, interrompeu seus estudos de direito na Universidade de Belgrano, que só viria a completar durante a campanha eleitoral de 2013, e começou a fazer carreira na administração pública. Em 1999, foi eleito deputado provincial com 27 anos. No Legislativo federal, foi deputado e presidente da Câmara.
Milei, ultraliberal e anti-establishment
O candidato de extrema direita Javier Milei, da coligação A Liberdade Avança, falou em esperança na hora de votar neste domingo. "Esperemos que para amanhã (20) haja mais esperança, e não tanta continuidade e decadência. Que hoje à noite tenhamos um novo presidente eleito", afirmou. "Estamos muito satisfeitos, apesar da campanha do medo e de toda a campanha suja que fizeram contra nós.
Milei foi a grande novidade dessa eleição. Com discurso ultraliberal e anti-establishment, ele conseguiu alterar a configuração de forças no tabuleiro político do país. Se até então as disputas eleitorais se restringiam a kirchneristas e macristas, que concentravam mais de 90% dos votos, o que se viu dessa vez foi uma batalha de terços, na qual, durante o primeiro turno, três forças políticas tinham chance de passar para o segundo, cada uma com cerca de um terço do eleitorado.
Num país abalado por uma profunda crise socioeconômica, Milei ganhou destaque com frases de efeito e ideias pouco convencionais, sendo a dolarização da economia a que ganhou mais destaque na campanha — nesse âmbito, ele chegou a comparar o peso a um “excremento” e estimulou as pessoas a trocarem pesos por dólares, o que pode ter sido um dos fatores responsáveis pela corrida cambial que fez o dólar disparar como nunca e superar a marca de mil pesos no câmbio paralelo, no final da semana passada. Milei também propõe fechar o Banco Central e privatizar empresas estatais.
Outras propostas polêmicas que surgiram durante a campanha foram a liberação da venda de armas de fogo e até de órgãos humanos, das quais Milei recuou após a votação do primeiro turno, na qual ficou sete pontos percentuais atrás de Massa, em segundo lugar. A partir dali, suavizou o discurso em alguns aspectos e fez uma aliança com a conservadora Patricia Bullrich, terceira colocada no primeiro turno, e com o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019).
Economista de formação e deputado desde 2021, Milei cresceu por meio das redes sociais, fora do radar da mídia e da rede territorial dos partidos tradicionais. "Nunca tivemos um cartaz do Milei aqui. Não o vimos chegar, ele entrou pela janela", disse um líder da Villa 21-24, o maior bairro popular da Argentina, ao El País. Ele obteve grande apoio dos setores mais vulneráveis, tradicionalmente afins ao peronismo, mas também de eleitores de classe média e alta.
Com frequência, ele prometeu cortar o gasto público com uma motosserra, outra de suas frases de efeito, neste caso acompanhando de uma imagem de efeito, pois carregava uma motosserra a tiracolo em eventos de campanha — guardadas as devidas proporções, faz lembrar o ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022) fazendo o gesto da arma em punho, que se tornou marca de sua campanha pela presidência do Brasil, na qual também teve um crescimento surpreendente, alavancado acima de tudo pela atuação em mídias sociais.
Assim como Bolsonaro, Milei também costuma criticar duramente o sistema político, que ele chama depreciativamente de “a casta”. “Ele se diz antiestablishment, porque é ultracapitalista e acredita que o capitalismo está corrompido por um establishment corrupto. Ele também questiona os empresários, que chama de "empresáurios" (mistura de empresário com dinossauro), em referência àqueles que vivem da ganância, da renda, sem produzir de fato”, conta Santucho.
Embora critique o establishment político, o candidato terá que dialogar e buscar acordos com seus integrantes para poder governar, caso seja eleito. “Qualquer que seja sua votação, ele não terá um terço de base parlamentar em nenhuma das Casas (Câmara e Senado), então sua estabilidade no cargo dependerá das alianças que fizer com a casta”, afirma o cientista político argentino Andrés Malamud ao Brasil de Fato. Malamud explica que ter uma base de apoio de pelo menos um terço do Legislativo funciona como um escudo que serve para proteger de, por exemplo, uma tentativa de impeachment.
O passado da Argentina
As polêmicas da candidatura de Milei não se restringem a ele e resvalam também em democracia e direitos humanos, temas particularmente sensíveis no país que teve a ditadura mais letal da América do Sul — estima-se em 30 mil o número de mortos durante a última fase da ditadura, de 1976 a 1983.
Durante a campanha, a candidata a vice na chapa de Milei, a advogada e parlamentar distrital Victoria Villarruel, falou sobre a ditadura militar argentina de uma forma que contraria o longo processo de acerto de contas com esse período autoritário e violador de direitos humanos. Ela afirmou que, se chegar ao governo, irá impulsionar um processo de libertação dos repressores do regime que foram condenados pela Justiça, e que ela considera como “presos políticos”.
“O problema em si é a democracia. No sentido de que as regras da maioria não necessariamente levam a algo bom”, afirmou o candidato numa entrevista concedida em 2019. “Por exemplo, se um candidato propuser matar todos os que se opõem a ele e obtiver 70% dos votos, isso lhe dá o direito de matar os outros 30%?. O que estou dizendo é que não idealizemos a democracia. A democracia, em si mesma, levada ao seu máximo, resulta em populismo. Portanto, basicamente, devemos trabalhar para construir outra estrutura de funcionamento”.
O passado do candidato
Durante a adolescência, Javier Milei foi goleiro de futebol e teve uma banda de rock que tocava músicas dos Rolling Stones. Formou-se em Economia pela Universidade de Belgrano, na Argentina, e fez dois mestrados na área. Atuou em consultorias, bancos e grupos de políticas econômicas. Defende um modelo de capitalismo sem regulação do Estado.
Milei teve problemas com a imprensa e recebeu críticas por fazer comentários misóginos. Certa vez, ao comentar sobre as diferenças salariais entre homens e mulheres, disse que se as mulheres ganhassem mesmo menos, as empresas estariam cheias delas em seus quadros.
Sua campanha foi coordenada por uma mulher, sua irmã Karina Milei, única integrante de seu núcleo familiar com a qual ele tem contato, já que com os pais Milei não fala, pois os considera pessoas “tóxicas”. Em entrevistas, ele relatou ter sofrido muitas surras e atribui a isso o fato de não ter “medo de nada”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho