A Bizilur (Associação para a Cooperação e Desenvolvimento dos Povos), sediada no País Basco, tem se dedicado a arrecadar recursos em favor dos palestinos, sob massacre de Israel desde o dia 7 de outubro, quando o Hamas realizou um ataque surpresa em território israelense. Mas as doações estão sendo prejudicadas por causa de um bloqueio da plataforma de pagamentos PayPal.
No último dia 16, a Bizilur recebeu um e-mail da PayPal informando que suas transferências de dinheiro estavam suspensas e listando uma série de exigências para que fossem desbloqueadas. São ao todo 14 solicitações de documentos, formulários, listas e descrições processuais, entre elas, explicar a relação com a União de Comitês de Trabalhadores Agrícolas (UAWC, na sigla em inglês) e fornecer uma lista de doações realizadas em favor dessa associação.
Convencida de que seria inviável providenciar tudo que foi pedido, e que mesmo se isso fosse feito, a PayPal pediria mais esclarecimentos, a Bizilur optou por devolver aos doadores o dinheiro que ainda não havia sido doado e procurou o Brasil de Fato para denunciar o que considera uma “política empresarial clara contra a solidariedade com a Palestina”, segundo David Lopategi, membro da organização, sediada no País Basco e ligada à Via Campesina.
A campanha se chama #StopGazaStarvation e pode ser acessa por meio deste link https://stopgazastarvation.org, no qual a logomarca da PayPal foi riscada. Os 10 mil euros (R$ 53 mil) doados até o momento estão garantidos, segundo Lopategi, mas foi necessário devolver 1,2 mil euros (R$ 6,4 mil) que ainda estavam no sistema de pagamentos da empresa.
Não é de hoje
O problema é antigo e já foi assunto de diversas reclamações e mobilizações de movimentos sociais e políticos. Nos últimos cinco anos, pelo menos, organizações como a 7amleh — Centro Árabe para a Evolução da Mídia Social e a EFF (Electronic Frontier Foundation, que defende liberdades civis no mundo digital), tem publicado estudos e artigos que apontam dificuldades e questionam as motivações da empresa para dificultar transações envolvendo palestinos.
Em maio do ano corrente, o jornal The Guardian noticiou que 11 parlamentares do Congresso dos Estados Unidos acionaram a PayPal sob acusação de estar discriminando palestinos ao negar-lhes acesso igualitário à economia digital. Motivo: a empresa proibia seus clientes de fazer negócios com palestinos por meio de sua plataforma, ao mesmo tempo em que liberava seu uso nos assentamentos israelenses.
“Temos preocupações significativas de que, como a PayPal provê serviços aos cidadãos israelenses nos assentamentos ilegais na Cisjordânia, mas não os provê aos palestinos que vivem na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, o status operacional da PayPal pode estar infringindo os direitos dos palestinos”, diz a carta.
Essa discussão foi parar em reuniões de acionistas da PayPal. Numa delas, a empresa de investimento de impacto social Harrington Investments, fundada por John Harrington, que esteve na vanguarda do movimento para retirar investimentos corporativos dos EUA da África do Sul durante o apartheid, apresentou uma proposta para “estabelecer uma política que garanta que pessoas em zonas de conflito, como na Palestina, não sofram exclusão discriminatória dos serviços financeiros da empresa”.
Em 2021, informa o jornal britânico, o PayPal se associou a um grupo pró-Israel chamado Liga Anti-Difamação para investigar “financiamento de grupos de ódio”. Grupos palestinos acusam a Liga Anti-Difamação de equiparar a campanha pelos direitos palestinos ao extremismo e ao antissemitismo.
Quando a parceria foi anunciada, o Comitê Americano-Árabe Anti-Discriminação perguntou ao PayPal: “Vocês irão atrás de organizações que financiam o terror dos colonos contra os palestinos?”, uma referência a organizações de caridade registradas nos EUA que enviam dezenas de milhões de dólares por ano para financiar colonos que expulsam palestinos de suas terras e outras atividades que contrariam as Convenções de Genebra. Na ocasião, o PayPal não se manifestou.
Nesta quarta-feira (22), também não. O Brasil de Fato enviou perguntas ao serviço de comunicação brasileiro do PayPal, que até o momento não respondeu. O espaço segue aberto para a manifestação da empresa.
A seguir, a entrevista na íntegra com David Lopategi, membro da Bizilur.
Brasil de Fato: Vocês pretendem providenciar toda a documentação exigida pela PayPal ou isso seria inviável?
David Lopategi: Estivemos avaliando internamente na Bizilur, inclusive realizamos comparações com outras organizações aliadas. Decidimos, no final das contas, não atender às exigências da PayPal, pois entre todos os requisitos havia demandas por documentação e informações que não tinham relação com a campanha, e especialmente percebemos uma intencionalidade política nisso. Além disso, uma vez que fornecêssemos essas informações, estávamos seguros de que viriam mais solicitações, uma após a outra. Nunca ficariam satisfeitos e isso apenas nos daria trabalho, além de fornecer informações que não lhes dizem respeito.
Este bloqueio já está prejudicando as transferências da Bizilur? De que forma? Poderia me dizer qual a meta de arrecadação para a solidariedade à Palestina, quanto já foi arrecadado e quanto deixou de ser transferido por causa do bloqueio?
Através do PayPal, estávamos recebendo uma contribuição significativa. Mais da metade do dinheiro arrecadado vinha pelo PayPal. Felizmente, transferimos a maioria do que tínhamos na conta do PayPal para a conta bancária da Bizilur antes do bloqueio da conta. Assim, cerca de 1.200 euros ficaram congelados, e foi necessário devolver um por um a todos que contribuíram, antes de desativar a contribuição de fundos por esse meio. Desde então, houve muito menos contribuições financeiras.
O objetivo da campanha não tem limite, porque as necessidades a serem atendidas em Gaza são infinitas. Preferimos que esse dinheiro seja gerenciado por organizações palestinas do que por ONGs internacionais, para garantir que as necessidades sejam decididas localmente, organizadas lá e tenham impacto no território.
Existe alguma estratégia para furar o bloqueio, talvez transferindo os recursos por meio de outra plataforma digital?
A campanha possui várias formas de pagamento que estão funcionando bem. O PayPal era apenas uma delas, mas desativamos imediatamente ao receber a solicitação. Atualmente, operamos internacionalmente com o Stripe, que está funcionando muito bem. As transferências bancárias diretas também estão obtendo uma boa resposta.
A PayPal se refere especificamente à UAWC na mensagem que enviou a vocês. Você saberia a razão?
Não. Dentro das informações de nossa conta, não há menção à UAWC em nenhum lugar, então acreditamos que houve um trabalho de “investigação” por parte deles ou alguma denúncia externa. As duas primeiras perguntas ou solicitações de informação mencionam a UAWC, dando a entender que o motivo do congelamento e bloqueio era a Palestina e não tudo o mais que nos pediam.
Além de ser uma política contra a solidariedade à Palestina, como você afirma, acha que a PayPal pode estar alinhada ao discurso israelense e estadunidense de que o Hamas é um grupo terrorista e por isso bloquear as transferências, temendo que o dinheiro possa ser destinado ao Hamas?
Estamos seguros de que o lobby sionista está por trás da PayPal. A UAWC é uma organização camponesa que existe antes da criação do Hamas, e seu trabalho é respaldado por muitos organismos e organizações internacionais. É precisamente por seu trabalho em direitos humanos e na luta contra a ocupação e o colonialismo israelense que está sob ameaça sionista. Eles são perseguidos porque fazem as coisas corretamente e lutam de maneira pacífica em defesa dos direitos de todos os palestinos.
Edição: Leandro Melito