Um dia após a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovar e instituir o regime de urgência para a tramitação o Projeto de Lei (PL) 1459/2022, conhecido como PL do Veneno, pesquisadores e integrantes de movimentos populares clamaram por uma mobilização contra o avanço do texto no Congresso Nacional durante uma conferência realizada na 20ª Jornada de Agroecologia, que acontece em Curitiba, até domingo.
Margaret Matos, procuradora do Ministério Público do Trabalho MPT) e coordenadora do Fórum Estadual de Combate aos Agrotóxicos no Paraná, afirmou que “é preciso retomar com força a mobilização popular”. Segundo ela, enquanto isso não ocorre, propostas como a do PL do Veneno passam pelo parlamento e outros projetos de incentivo à agricultura ambientalmente sustentável e saudável, não.
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Matos foi uma das palestrantes do painel “Luta contra os Agrotóxicos: a vigilância popular como instrumento de denúncias e resistência nos territórios”, realizado nesta quarta-feira (23). Larissa Bombardi, pesquisadora autora do livro Agrotóxicos e Colonialismo Químico, da editora Elefante, participou do evento de forma virtual.
Bombardi é professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), mas desde 2021 vive no exterior, pois vinha recebendo ameaças por telefone e redes sociais por conta das pesquisas que realiza em relação aos agrotóxicos.
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No painel, ela citou dados de seu livro e explicou porque considera que os agrotóxicos são um instrumento de um novo colonialismo.
Ela lembrou que fica na Europa cerca de um terço da produção de agrotóxicos no mundo. A própria Europa, porém, já proibiu o uso de 269 tipos de defensivos. Em países como Brasil, os banimentos não chegam a 30.
Por conta disso, entre 2010 e 2019 quase dobrou o uso de agrotóxicos no Brasil. Entre os 10 mais vendidos por aqui, cinco são proibidos na União Europeia, ressaltou Bombardi. “Enquanto a área plantada no país cresceu 29% de 2010 a 2019, o uso de agrotóxicos cresceu 78%”, disse ela.
Só as lavouras de soja consomem 55% dos agrotóxicos usados no país. Como a área dedicada à cultura cresceu, chegando a ocupar território semelhante à Alemanha, o uso de agrotóxicos cresceu também.
“Essa forma de agricultura faz mal à população e ao planeta”, disse ela. “Só a reforma agrária com foco na agroecologia oferece uma solução.”
O deputado estadual do Paraná, Professor Lemos (PT), é líder da Frente Parlamentar pela Agroecologia da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e falou durante o painel. Disse que vem trabalhando para colocar em votação um projeto que proíbe a pulverização de agrotóxicos com avião, o que afeta lavouras e pessoas vizinhas à área dedetizada. Ele ressaltou que a pressão popular pode ajudar a pautar o tema.
PL do Veneno
O PL 1459/2022 é de autoria do senador Blairo Maggi (PP-MT), conhecido como “rei da soja”, e tem apoio da bancada ruralista. Por outro lado, instituições socioambientais e da área da saúde, além de especialistas e pesquisadores, alertam para graves riscos à saúde da população.
"É importante dizer que o relatório do senador Contarato resolveu alguns problemas graves que existiam nesse projeto. Por exemplo, ele restabeleceu a nomenclatura 'agrotóxico', que tinha sido tirado do projeto original. Então, pelo menos até agora, no projeto o nome agrotóxico está mantido", destacou Alan Tygel, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
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“Um problema gravíssimo é a possibilidade de registro de agrotóxicos que hoje são proibidos de serem registrados e que podem causar câncer, além de mutações genéticas que podem provocar problemas reprodutivos e desregulação hormonal”, avaliou Alan Tygel,
Rubens Onofre Nodari, engenheiro agrônomo, geneticista de plantas e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), classificou como “inadmissível” a aprovação de “tamanho retrocesso” no Senado, ao comentar a tramitação do PL na CMA.
“Se esse projeto for aprovado no plenário, será uma pavimentação para o caminho do aumento do uso dos agrotóxicos, do envenenamento das águas, dos alimentos e a contra a vida”, afirmou ao Brasil de Fato.
Fiocruz alerta para "danos irreperáveis"
Em outubro, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) declarou em nota que o PL do Veneno promoverá “danos irreparáveis aos processos de registro, monitoramento e controle dos agrotóxicos no Brasil”.
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Para a Fiocruz, o projeto ameaça a função histórica dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente sobre a regulação dos agrotóxicos e enfraquece o poder de decisão desses órgãos sobre o registro de agrotóxicos.
Outras propostas contidas no PL que deixam a Fiocruz em alerta são a permissão da exportação para outros países de agrotóxicos de uso proibido no Brasil e a fixação de um conceito de risco à saúde que permite o registro de agrotóxicos que provocam câncer. A Fiocruz diz que não há nível aceitável para o consumo de substâncias cancerígenas.
“Segundo a literatura científica sobre o tema, não existe uma relação de dose resposta para produtos cancerígenos. Pequenas doses podem gerar danos irreversíveis à saúde das pessoas. Pequenas doses podem gerar danos irreversíveis à saúde das pessoas”, alertou a Fiocruz.
20ª Jornada de Agroecologia
A 20ª Jornada de Agroecologia foi aberta na quarta-feira (22). Ela acontece no campus Rebouças da Universidade Federal do Paraná (UFPR) até domingo (26). Lá, foram montados uma feira da agrobiodiversidade, espaço para alimentação e feira de artesanatos.
Neles, são vendidos produtos dos assentamentos e acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), de povos indígenas, de comunidades tradicionais e de coletivos da Economia Solidária, incluindo empreendimentos econômicos solidários da Rede Mandala – Rede Paranaense de Economia Solidária Campo Cidade.
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Também acontecerão durante a jornada rodas de conversas sobre agroecologia e saúde popular. Ainda estão previstos atos políticos e uma marcha por Curitiba.
Esta é a quarta vez consecutiva que a capital do Paraná recebe a jornada. Ela foi criada em 2002 e já passou por diversas regiões do estado.
A 20ª Jornada de Agroecologia é organizada de forma conjunta por cerca de 60 organizações, movimentos populares, coletivos e instituições de ensino.
Edição: Rodrigo Durão Coelho