As enchentes do Rio Jacuí alagaram boa parte da base social dos assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Eldorado do Sul (RS). Atingiu as casas, as hortas, a criação de pequenos animais das famílias e a produção de arroz.
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Os assentamentos alagados estão com a safra 2024 de arroz agroecológico e a produção das hortas muito comprometidas e as pessoas assentadas estão psicologicamente abaladas. Em agenda no estado, o ministro da Assistência Social, Wellington Dias, visitou assentamentos e recebeu uma pauta de reivindicações.
As fortes chuvas que atingiram o estado nos últimos dias prejudicaram também parte da produção de assentados nos municípios de Nova Santa Rita e de Viamão e impactaram ainda assentamentos de Guaíba, Charqueadas e Tapes. Em Eldorado houve perda de 100% das verduras. O tomate orgânico produzido em Viamão teve perda de mais de 70%.
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Integrantes do MST destacam que o movimento, que tanto ajudou a quem precisa em outras tragédias climáticas, agora é quem precisa de apoio. Afirmam que a tragédia ambiental coloca em xeque o projeto de agroecologia e cobram uma política de auxílio do Estado para amenizar a situação.
Presidente da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados na Região de Porto Alegre (Cootap), Nelson Krupinski diz que o momento é de atenção às famílias. “Estamos buscando compreender a situação, ajudar quem precisa, tanto dos nossos municípios quanto de outros que temos associados. Queremos estender um abraço de solidariedade, mas também compartilhar esse momento muito delicado que vivemos na produção das famílias, na produção da agroecologia e de alimentos saudáveis, que é a bandeira de construção e de luta do MST”, comenta.
Segundo ele, a Cootap, a Terra Livre Agroecológica e o MST vão buscar junto ao governo uma pauta de atendimento às necessidades, tanto emergenciais quanto estruturais. “Para que a gente possa retornar o projeto na dimensão que representa a produção de arroz agroecológico, das hortas, os atendimentos a feiras, aos programas de alimentação pública como PAA e PNAE. É um momento de reconstrução e pedidos de apoio à sociedade e ao governo.”
“Foi tudo muito rápido”
Um dos locais atingidos foi o Assentamento Integração Gaúcha (IRGA), em Eldorado do Sul, 73 famílias assentadas. Assentado há 33 anos no local, o produtor de arroz Marildo Mulinari, conhecido como Tubiano, conta que as pessoas não acreditavam que as águas chegariam até o local, algo que nunca ocorreu antes.
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“Foi tudo muito rápido. Começou às 8h e às 12h nós não conseguíamos mais sair. Em questão de quatro horas encheu tudo. A movimentação agora é fazer os mutirões para ajudar as famílias, pra retirar o lixo. As pessoas estão psicologicamente muito abaladas, a tristeza em olhar suas casas sendo alagadas”, relata.
“Precisamos das condições”
Além das perdas na produção, Tubiano lamenta os danos imateriais causados pela enchente. “Foram histórias de vida.” Para ele, a situação leva os agricultores a ter que “repensar a atividade da agroecologia daqui para frente”.
“Não tem como suportar três anos de seca, dois anos de enchentes, não se sobrevive. Se não tivermos políticas públicas para a anistia das dívidas, comprometemos a atividade e nosso projeto de agroecologia. Precisamos das condições”, afirma. Segundo ele, casos como esse demonstram que “a natureza dá seu retorno” com relação à agressão ao meio ambiente.
Perda da biodiversidade
Também assentada no IRGA, para Lúcia Altibert o que deixa mais triste é a perda da biodiversidade. “Os bichos da natureza que estão para fazer o equilíbrio, eles foram afetados, muitos morreram. Esse desequilíbrio ambiental afeta diretamente o projeto de agroecologia que lutamos todos os dias. Começamos a olhar as minhocas, por exemplo, elas estão morrendo, e isso afeta toda a cadeia”, diz.
Segundo Lúcia, com relação às hortas, juntando todas as famílias atingidas assentadas do município de Eldorado do Sul, foram perdidos cerca de 5 mil hectares.
Ministro visita assentamentos
Em agenda no Rio Grande do Sul, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil, Wellington Dias, visitou o assentamento da Cootap, em Eldorado do Sul, na tarde dessa sexta-feira, para ver de perto a situação das famílias.
Na ocasião, a direção estadual do MST entregou ao ministro uma carta endereçada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar apontando preocupações, entre elas, com a operacionalidade do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) Cozinhas Solidárias no estado, que nos moldes atuais pode inviabilizar a participação de muitas cooperativas.
Em sua fala, o ministro relatou ações como liberação de R$ 104 milhões via Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para garantir entrega de cestas básicas e o PAA, bem como implantação de cozinhas solidárias em locais atingidos por enchentes no estado. Via municípios, disse que o governo trabalha para liberar um repasse a desabrigados em valores que chegam a R$ 800 por pessoa.
Especificamente sobre a situação dos assentamentos que tiveram sua produção comprometida, afirmou que estará levando a Brasília as propostas recebidas dos assentados e prefeitos da região a fim de contribuir para a retomada do trabalho perdido com a enchente.
“Vamos levar a proposta para que se tenha um tratamento para empréstimos já tirados, quem tirou um custeio, um projeto de infraestrutura, estamos levando para o ministro Paulo Teixeira, para o presidente Lula, para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vamos ver quais são os bancos onde estão esses contratos, enfim para que a gente tenha uma medida que permita as condições dessa retomada”, disse.
Também afirmou que se trabalha para a liberação de uma carteira de financiamento a agricultores atingidos pelos eventos climáticos, “para que possam ter um prazo de carência e um prazo de pagamento adequado, para que possam retomar a condição da sua produção”. Além disso destacou o trabalho na infraestrutura, tanto para recuperar rodovias, diques e pontes danificadas, quanto para prevenção de novos incidentes.
Durante o encontro, que contou com a presença de lideranças do MST, deputados e do presidente da Conab, Edegar Pretto, o secretário de Agricultura de Nova Santa Rita, Emerson Jacomelli, relatou o drama pelo qual passa o município e reforçou a necessidade de apoio do governo federal. Segundo ele, os três abrigos da prefeitura estão com 600 pessoas.
“Salvar a agroecologia”
“Há 15 dias o município foi atingido por tornado e 150 famílias perderam tudo. Fechando o ano, temos a maior enchente que a cidade e região enfrentou. Nosso município está vivendo três decretos de calamidade em um ano. O que posso dizer para os agricultores? O que dizer para aqueles que tiveram suas lavouras embaixo d’água, para as famílias que fazem a feira, para as famílias que plantaram arroz e perderam tudo?”, lamenta.
Para ele, é preciso “ter coragem de erguer a cabeça e não desistir da atividade, não sair da agricultura”. Contudo, afirma que sozinho o município não tem mais força. “Agora precisamos da mão amiga do governo federal, do governo do estado. Agora é hora de o governo federal salvar o projeto de arroz orgânico, salvar a agroecologia aqui na região, salvar os pequenos agricultores", diz o secretário.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko