A aprovação pelo Senado da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita decisões individuais de juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) e de outros tribunais reforça o cenário de disputa de poder entre o Congresso e o judiciário. Essa é a avaliação de juristas que conversaram com o Brasil de Fato nesta sexta-feira (24), dia seguinte à aprovação do tema pelos senadores.
A advogada Tânia Maria Saraiva de Oliveira, integrante da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), avalia que a PEC tem questões relevantes que devem ser discutidas. Entretanto, ela questiona a rapidez com que o assunto foi pautado, debatido, votado e aprovado pelos senadores.
"A grande questão é que o Congresso Nacional está claramente fazendo isso em um contexto de disputa de poder com o Supremo Tribunal Federal. Não por acaso a aprovação dessa PEC tem sido objeto de grande comemoração por aqueles que atacam a democracia" , avaliou.
Para a jurista, a tramitação do texto da PEC, da forma como foi e no atual momento, foi muito ruim, especialmente pela ausência de um debate "maduro e responsável" com a participação de diferentes correntes dentro do cenário jurídico, já que há muitas divergências sobre o assunto.
"O Congresso pode modificar normas procedimentares do Supremo Tribunal Federal, sim, desde que respeite as cláusulas pétreas. O que o Congresso não pode é fazer jogo de poder, aprovando dessa forma completamente açodada, sem um debate responsável, uma Emenda Constitucional que vai ter impacto no funcionamento interno do Supremo Tribunal Federal".
O advogado criminalista José Carlos Portella Júnior, integrante do Coletivo de Advogadas e Advogados pela Democracia (Caad) lembra que o contexto atual é de batalha entre o Congresso e o judiciário. Porém, há um tempo não tão distante assim, o cenário era outro.
Portella destacou que a dobradinha entre o judiciário e o Congresso foi fundamental para o golpe que derrubou a então presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016 e levou o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à prisão dois anos mais tarde. Ou seja, a relação muda de acordo com a conveniência.
"O lavajatismo conseguiu fazer uma aliança entre o Judiciário e o Congresso porque era funcional para os interesses daquela conjuntura, os interesses da burguesia de derrubar o governo Dilma e impedir o Lula de se candidatar [em 2018]. É bom lembrar que o Supremo avalizou várias decisões do [então juiz Sérgio] Moro e dos outros lavajatistas do Brasil", pontuou.
Ainda sobre a votação desta semana, Portella citou o caso do líder do governo no Senado, o senador Jaques Wagner (PT-BA), que votou a favor da PEC e foi celebrado por bolsonaristas. Em postagem na rede social X, antigo Twitter, Wagner alegou que seu voto foi "estritamente pessoal", sem orientação de voto a seus colegas de bancada.
Esclareço que meu voto na PEC que restringe decisões monocráticas do STF foi estritamente pessoal, fruto de acordo que retirou do texto qualquer possibilidade de interpretação de eventual intervenção do Legislativo.
— Jaques Wagner (@jaqueswagner) November 23, 2023
Como líder do Governo, reafirmei a posição de não orientar…
"Seja lá qual for o interesse que levou o Jaques Wagner a votar a favor da PEC, o resultado lá na frente não acho que vai favorecer a esquerda. O STF durante o lavajatismo atacou a esquerda, depois durante o bolsonarismo atacou o bolsonarismo, mas se nós pensarmos na conjuntura atual, é muito perigosa essa manobra", avalia Portella Júnior.
O jurista Rubens Casara, juiz do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e integrante da Associação Juízes pela Democracia (AJD) avalia que, em outros tempos, o tema em debate não geraria tanta polêmica, pois o texto aprovado não compromete a separação de poderes, está adequado à Constituição e tem aspectos que ele avalia serem positivos. Entretanto, ele considera "péssimo" o momento da aprovação.
"O projeto foi assumido e é apresentado à sociedade por parlamentares ligados à extrema direita, como uma resposta à postura do STF nos últimos tempos, mais precisamente uma reação à defesa do último processo eleitoral. A extrema-direita soube capitalizar politicamente a PEC, que acabou vendida à sociedade como uma demonstração de força e um instrumento de limitação do poder do STF", ponderou.
'Não é prioridade do PT na Câmara'
Após passar pelo Senado, a PEC agora vai para a Câmara dos Deputados. Entretanto, se depender da bancada petista na casa, o tema deve ir para o fim da fila de discussões. O deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), líder do PT na Câmara, disse nesta sexta (24) que "esta crise de poderes não interessa ao Brasil" e que o momento e a forma de votação no Senado não foram "adequados e oportunos".
"Para mim, pode ficar lá na gaveta parado e vamos defender isso no colégio de líderes e junto ao presidente Arthur Lira (PP-AL), porque é um tema inoportuno. O Brasil tem outras prioridades: acabar com a fome, gerar empregos, retomar os investimentos, como o presidente Lula está fazendo", disse ao canal de televisão por assinatura CNN.
Edição: Rodrigo Durão Coelho