Anne Moura cresceu na periferia de Manaus, preparou lideranças femininas para disputar a direção de grêmios estudantis e centros acadêmicos, além da reivindicação por direitos indígenas, quilombolas e ambientais. Hoje, ela comanda a Secretaria Nacional de Mulheres do PT. É com ela que o Brasil de Fato RS conversou sobre um tema crucial para a diversidade da legenda do presidente do país: o aumento da presença das mulheres na política.
Também coordenadora de um espaço pluripartidário, o Fórum Nacional de Instâncias de Mulheres de Partido, Anne esteve em Porto Alegre para lançar o projeto Elas por Elas, de olho em 2024.
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“A contagem regressiva já começou. Nossa meta é eleger o maior número de mulheres possível, seja no espaço majoritário, seja no número de vereadoras”, avisa Anne.
O encontro reuniu mulheres da linha de frente da sigla no Sul: Juçara Dutra Vieira, presidenta do PT gaúcho; Ana Affonso, sua vice; Suelen Aires Gonçalves, secretária estadual de mulheres; Misiara Oliveira, da executiva nacional do partido; Regina Brunet, do coletivo nacional do Elas por Elas; Mari Perusso, coordenadora da bancada do PT na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS), além de Joana Rodrigues e Rossana Prux, da coordenação da Secretaria de Mulheres do PT-RS.
Aquilo que deveria ser uma entrevista sobre o projeto virou uma animadíssima roda de conversa.
As participantes lembraram das mulheres que foram atacadas reiteradamente, como a ex-presidenta Dilma Rousseff, a deputada Maria do Rosário (PT/RS), as seis deputadas agredidas verbalmente na Câmara: Erika Kokay e Juliana Cardoso do PT, Fernanda Melchionna, Sâmia Bomfim, Célia Xakriabá e Talíria Petrone, do PSOL, e tantas outras.
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Elas falaram do desafio das mulheres ocuparem e se manterem nos espaços de poder, a começar pela dupla ou, às vezes, tripla jornada de trabalho que se soma ao duo machismo & misoginia e, até mesmo, o desamparo dentro das próprias instituições. Elas afirmam que é no acolhimento e na rede formada por outras mulheres que se constrói o apoio para seguir em diante.
Então, além de Anne, o bate-papo traz também outras vozes que se mesclaram para alimentar o debate. Confira:
Brasil de Fato RS - O que é o projeto Elas por Elas e qual o seu objetivo?
Anne Moura - A primeira edição deste projeto aconteceu em 2018. Assumimos a secretaria em 2017 e, no ano seguinte, o lançamos. Vamos para a sua quarta versão.
Surgiu da necessidade das mulheres do PT se organizarem antecipadamente visando a disputa eleitoral. Os homens sempre têm alguém com quem deixar os filhos, e as mulheres, não. Muitas vezes, deixavam de fazer a disputa ou disputavam uma vez e desistiam, por conta da dinâmica da vida.
Pegamos a bancada federal com seis deputadas. Em 2018, elegemos dez e, em 2022, chegamos a 18
Percebemos a razão das mulheres não seguirem uma sequência igual a dos homens: vereadora, deputada, prefeita... Um dos fatores era que elas não tinham um acompanhamento, uma preparação. Fizemos isso com formação política, oficina de comunicação, oficina jurídica. Havia um alto índice de mulheres que não conseguiam prestar contas (da contabilidade eleitoral) depois. E o partido também não ia atrás da candidata para que se regularizasse e continuasse fazendo a disputa.
O projeto sempre começa a funcionar um ano antes da eleição. Para nós, a contagem regressiva já começou. Nossa meta, claro, é eleger o maior número de mulheres possível, seja no espaço majoritário, seja no número de vereadoras.
Falando em dados concretos: pegamos a bancada federal com seis deputadas. Em 2018, elegemos dez e, em 2022, chegamos a 18. O que só foi possível por conta do acompanhamento específico do projeto em parceria com as secretarias estaduais.
BdFRS - Tem a atenção de ver as necessidades, do que se precisa, a partir de pesquisas. É isso?
Anne - Não só de pesquisas. Nosso trabalho é o mais fácil porque somos a única secretaria do partido que existe em todos os estados, que tem coletivo, que tem uma dinâmica. O PT é o único que tem paridade e ela se expressa a partir da presença das mulheres na organização da secretaria de mulheres.
Portanto, a pesquisa mais apurada que temos é com as mulheres. Elas sabem. Sabem porque a fulana não disputou mais, se sofreu violência política - que é outro dado recorrente da não presença das mulheres - se saiu de uma tendência para outra, se saiu de um estado para outro...
Tem muita violência política de gênero. E acontece em câmaras onde têm só uma vereadora
As secretarias começam a ser provocadas a organizar esse mapeamento antes. Quando o partido monta seu grupo de trabalho eleitoral para olhar as prioridades, nós mulheres já temos as nossas. A gente sai um pouco na frente.
Tem muita violência política de gênero, que é um termo novo, mas acontece há muito tempo no país. Ficou mais evidenciado na eleição da Dilma, na campanha da Manuela [D´Ávila] como vice do Haddad, no caso da deputada Maria do Rosário. E acontece em câmaras municipais onde têm só uma vereadora. Como vamos dizer para essa vereadora que ela tem que continuar sozinha fazendo oposição?
Se não tiver um cuidado - e o projeto faz isso, ele é para cuidar. Antes, nossa preocupação era só preparar as mulheres para a disputa eleitoral. Depois do alto índice de violência política de gênero, tivemos que montar uma equipe permanente de advogadas para cuidar dessas mulheres durante seus mandatos. É suficiente para o tamanho do país? Não é.
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BdFRS - Falando nisso, tivemos agora a vereadora de Santa Catarina, que conseguiu retomar seu mandato…
Anne - Maria Tereza Capra, em São Miguel do Oeste, é um dos casos mais emblemáticos que temos. Foi de uma violência tão grande. Era comigo que ela chorava noites e noites. E nós temos essa característica: ela nem é da minha tendência, mas não tem a ver com isso. É tão difícil você conquistar um mandato e vemos que, por uma questão simples que ela questionou na câmara, fizeram todo esse processo. Não tive condições emocionais de ligar para ela ainda, mas vou ligar.
É um ambiente masculinizado, patriarcal
BdFRS - E na Câmara federal, as deputadas que foram para a comissão de ética, e também tentaram…
Anne - Seis deputadas federais: Erika Kokay e Juliana Cardoso, do PT, Fernanda Melchionna, Sâmia Bomfim, Célia Xakriabá e Talíria Petrone, do PSOL. É um ambiente masculinizado, patriarcal. Quando uma mulher ocupa esse espaço, além do corpo dela político estar ali, tudo que ela representa, ela também é utilizada para isso. Em vez de uma solidariedade que deveria ser automática, ainda há pessoas que questionam: ´Mas ela não podia ter feito menos? Ter falado mais baixo?`
BdFRS - E entram os estereótipos, porque a mulher é histérica, porque a mulher grita, porque a mulher é raivosa.
Anne - É uma coisa que a gente vem tentando desconstruir. Não tem outra forma que não seja com a nossa presença na política. Não queremos terceirizar mais isso. Chega!
Estamos sentindo uma crescente no partido. Neste ano de 2024, as mulheres querem ser candidatas. Não tem jeito, isso não vai retroceder.
BdFRS - Mas essa é uma disputa dentro do partido também? Porque para a mulher ser candidata, o homem tem que abrir mão.
Anne - Sempre foi e sempre será. Em toda a disputa de espaço político, alguém tem que sair [candidato]. E quando sai, é um homem. Mas conquistamos a obrigatoriedade de 30% e, agora, a obrigatoriedade do fundo eleitoral. Isto que, a todo o momento, na véspera de uma eleição, querem mudar a regra para as mulheres. O que nos permite, hoje, sem sombra de dúvida, ter um pouquinho de representação política, é a obrigatoriedade. Se não houvesse [a obrigatoriedade] os partidos iriam burlar.
Nosso partido também tem machismo, LGBTfobia, racismo
Mas existe, sim, uma disputa interna. Nosso partido é feito de pessoas igual à sociedade. Internamente também tem reflexo do machismo, dessa lógica patriarcal, LGBTfobia, racismo. Mas, como instrumento de luta, ele também pode ser transformado. E é por isso que nós, mulheres, nos organizamos e não é de agora.
Estou na secretaria, mas venho de um legado de muitas outras antes de mim para que a gente pudesse ter a nossa presença hoje. Levamos 40 anos de fundação para ter a primeira mulher presidenta.
BdFRS - E agora existe, no Rio Grande do Sul, uma mulher na presidência do PT estadual e uma mulher negra na presidência do PT municipal. E nos demais estados?
Anne - Demorou 40 anos para termos uma presidenta nacional. Somente dois estados têm presidentas estaduais, Goiás e Espírito Santo e, agora, o Rio Grande do Sul. Não tem uma tendência que não tenha machismo. Agora é mais natural entender isso. Antigamente, quando alguém dizia que havia machismo, era uma polêmica. Não podia falar que havia machismo no PT.
Não se pode deixar apagar a história da Dilma. Que ela sofreu um golpe com muita misoginia
Juçara Vieira - A própria forma como a mídia trata a Gleisi quando ela fala firmemente... Quando um homem fala firmemente é porque é uma pessoa convicta. Quando uma mulher fala sempre tem reticências. A mídia também é impiedosa nessa questão.
BdFRS - É um processo visível de misoginia. É uma questão que me chama a atenção no impeachment da presidenta Dilma. Todo mundo fala que foi golpe, defende que foi golpe, mas parece que a questão da misoginia ficou subsumida. E pesquisas provam o processo de misoginia que ela sofreu...
Misiara Oliveira - Todas as manchetes, os adesivos, o preço do combustível… E a matéria da [revista] Época, na véspera do impeachment, davam a entender que era porque ela era exaltada, descontrolada, porque não tinha marido...
Anne - Nossa luta tem que ser essa de não deixar apagar a história da Dilma. Não deixar apagarem da história que a gente teve uma presidenta neste país e que ela sofreu um golpe com muita misoginia.
O Ministério das Mulheres lançou uma campanha contra a misoginia. Fazemos um esforço para as pessoas entenderem o que é misoginia. No ambiente político, sabemos o que aconteceu com a Dilma, mas a maioria das mulheres não sabe.
Os homens sempre tem uma solidariedade. O cara deixa de ser parlamentar e vira assessor
Misiara Oliveira - Nosso esforço, tanto na secretaria nacional, quanto na estadual, é para que nenhuma liderança se perca. O ambiente de violência de gênero faz com que, muitas vezes, as mulheres experimentem esse espaço e depois não retornem.
Os homens sempre têm uma solidariedade. O cara deixa de ser parlamentar e vira secretário de estado, assessor, chefe de gabinete, e as mulheres vão se perdendo no caminho. Parece que estamos sempre começando do zero. Mas, no último período, nós conseguimos estabilizar.
Suelen Gonçalves - Outro ponto importante é que o projeto proporcionou pensar [a questão] das mulheres jovens, das mulheres LGBTs, das mulheres negras. Fomos desafiadas a identificar essas lideranças nos movimentos sociais, do movimento feminista, do movimento da juventude, fortalecendo o partido e de disputa do país que queremos. Com a cara da classe trabalhadora que é majoritariamente feminina, preta, periférica.
O projeto ainda nos brinda pensar na transição geracional. E também de setores que sempre foram a base do PT como, por exemplo, o movimento de mulheres negras. Tive a experiência de vivenciar em São Leopoldo, cidade berço da imigração alemã, a eleição da primeira vereadora negra e do PT. Conseguimos materializar uma transição geracional de mulheres LGBTs. No país, elegemos cinco mulheres trans em 2020. No Rio Grande do Sul, elegemos duas e uma suplente em Caxias do Sul.
Queremos construir o partido com a cara da diversidade que é este país
Podemos dizer que somos diversas: mulheres do campo, da cidade, da floresta, como a Anne. Queremos, independente da tendência, construir o partido com a cara da diversidade que é esse país.
Acho que 2024 será um ano de reafirmação de uma estratégia construída coletivamente. No Rio Grande do Sul, saímos de 40 ou 50 vereadoras para quase uma centena. Se formos comparar com o Brasil, que tem algo como 400 vereadoras, só o estado aqui tem 100. No PT, além da presidência estadual, tem cidades com presidentas, casos de, além de Porto Alegre, também Pelotas e Caxias do Sul, Porto Alegre.
Na Assembleia Legislativa, temos três mulheres na bancada com transição geracional, com transição racial. O mesmo na Câmara federal também com três mulheres. Nunca na história do PT gaúcho tivemos seis mulheres na linha de frente no Legislativo, três negras e também jovens.
BdFRS - E essas mulheres passaram por formação no projeto?
Suelen - Certamente, desde a primeira edição. São construtoras, inclusive muitas e em muitos momentos, foram fiéis da política do coletivo de mulheres.
Regina Brunet - Um dos grandes méritos do projeto é demonstrar que, para uma mulher chegar ao Parlamento ou à direção política do partido, é preciso uma rede de mulheres que caminhem e construam junto.
Aquelas que vão ser base de sustentação, que vão ser coordenadoras de campanha dessas outras companheiras eleitas, também são alvo do projeto. Vão ser dirigentes do PT, formadas e qualificadas a partir do feminismo para conduzir uma campanha política.
BdFRS - E tem essa prioridade de ter mulheres coordenando as campanhas das mulheres?
Suelen - O projeto não é pensado apenas para pré-candidatas, mas também para as coordenações de campanha e as equipes. Nas primeiras edições, algumas delas não tinham nem rede social. Começamos a perceber que essas mulheres demandavam terem mulheres na sua coordenação. Não quer dizer que não tivemos homens, mas as tarefas mais estratégicas também foram construídas por mulheres.
Misiara - As mulheres estão na linha de frente, na direção partidária e nas tarefas, especialmente as mais difíceis, de mobilização, também administrativas na campanha. O que não lhes foi dado foi esse espaço do poder.
Na semana passada, participei daquele evento do Summit Eleições e era um pouco isso. O protagonismo das mulheres na linha de frente da coordenação da comunicação de campanha. Por muito tempo, operaram tudo, mas não eram as ditas coordenadoras. E agora caiu por terra esse tabu.
Sabemos o papel que temos a cumprir, por exemplo, em relação aos demais partidos da nossa Federação Brasil da Esperança, junto aos partidos do campo de esquerda. A Juçara está na presidência estadual do PT, conduziu um GTE, um processo eleitoral, um diálogo com outros partidos no estado, a Laura (Sito) está conduzindo esse diálogo aqui em Porto Alegre. Outras mulheres são nossas interlocutoras na presidência do PCdoB municipal e do PSOL municipal e estadual. Temos um diálogo nem pior nem melhor, mas diferenciado. E tem dado certo.
A mulher, por ter sempre que lutar pelo seu espaço, traz mais solidariedade à política
BdFRS - Sobre esta questão do diálogo: queria que cada uma de vocês me dissesse qual a principal diferença da mulher na política?
Juçara - A mulher, não de uma forma idealizada, mas pela circunstância de que a mulher teve que sempre lutar pelo seu espaço, está trazendo mais solidariedade à política. Quando a gente fala ´o projeto`, parece que é uma coisa mais técnica, mas é uma política.
E como política, é possível que a gente transcenda, por exemplo, a questão dos interesses das tendências que são muito legítimos. As tendências são institucionalizadas no PT e fazem parte da ideia de que você tendo a tendência tem contribuições conceituais diferenciadas. Claro que também tem pragmatismo, mas o direito a tendência é o direito a você trazer pontos de vista para o coletivo.
Sem a presença das mulheres, as tendências acabam meio que se justificando por elas mesmas. Com as mulheres dá-se uma permeabilidade a isso. Você continua sendo a sua tendência, mas tem várias questões que você trata no âmbito da luta das mulheres.
Não sei se é porque venho do movimento sindical, que é muito mais horizontalizado, que percebo que o projeto viabiliza mais horizontalidade nas vozes. A Juçara é a presidenta do PT, mas a Juçara é uma companheira da Suelen que é a secretária das mulheres. Isto ajuda. A solidariedade é um pressuposto para atuarmos como coletivo.
As mulheres menstruam há milhares de anos, mas só agora o tema foi pautado na Câmara
Anne - Não tem como a gente terceirizar mais as nossas lutas. Nossa presença na política faz com pautas que, por muitos anos, foram silenciadas, como a questão da dignidade menstrual, de que ninguém falava. As mulheres menstruam há milhares de anos, mas só agora, com a coragem das deputadas, o tema foi pautado na Câmara federal. Se não tivesse nenhuma deputada ali não se falaria sobre isso.
BdFRS - E como se dão os espaços de acolhimento? Vivemos uma situação aqui no estado, que veio à tona com o texto da Ariane (a ex-deputada do PT, Ariane Leitão). Mas essa não é a única situação. Sabemos que existem muitas situações de assédio sexual, enfim. Existem espaços de acolhimento dentro do projeto?
Anne - Temos uma resolução interna constituída para criar uma comissão de acolhimento em casos de violência. Comissão que cuida, acolhe a vítima se quiser denunciar, seja a pessoa filiada no PT ou não.
As violências acontecem e, estando em um partido político ou não, a gente pode estar sujeita a isso. Esta resolução nos garantiu que as mulheres do PT enquanto coletivo, enquanto secretaria, tivessem também um encaminhamento.
Não somos da Delegacia da Mulher, mas não se pode silenciar com as coisas que acontecem. Aconteceram vários outros casos em outros estados e a gente acompanhou, cuidou e acolheu a vítima.
Há caso de companheiros que foram expulsos, caso de um vereador no Ceará. Isto nos dá segurança para dizer que não toleramos nenhum tipo de violência, mas também temos as leis. Lutamos tanto pela Lei Maria da Penha, pela Lei do Feminicídio. O caso daqui tem sido acompanhado e também pela secretaria nacional.
Suelen - O que existe fora do partido, obviamente existe aqui dentro. Não somos uma ilha. Não somos imunes ao que vive a nossa sociedade. E a nossa sociedade é marcadamente machista, marcadamente misógina, violenta e racista.
No Rio Grande do Sul, na gestão (da presidência estadual) do companheiro Ary Vanazzi, em 2016, adquirimos uma resolução do partido vetar inscrição de candidatura de pessoas com histórico de agressão contra as mulheres ou de racismo ou LGBTfobia. Nossa fala precisa refletir a nossa prática.
Fomos informadas do caso da nossa companheira do coletivo de mulheres, militante histórica do movimento no Rio Grande do Sul. Ela entrou em contato conosco em setembro, solicitando uma inclusão de pauta na reunião. Nossa primeira sensibilidade foi: vamos acolher essa companheira, porque é nossa primeira tarefa e, a partir do acolhimento, decidir com o coletivo e com a companheira, quais os trâmites necessários para enfrentarmos esse debate dentro do partido.
Nosso encaminhamento foi seguir o código de ética e o estatuto partidário. Sugerimos ao partido o afastamento desse possível agressor. E imediatamente a abertura de processo ético. Também solicitamos à direção partidária o acompanhamento do coletivo estadual, que já é um fruto desse debate de ter uma comissão de acompanhamento dos casos de violência contra a mulher, e sugerimos ao final que a comissão conclua os seus trabalhos, nós sugerimos a expulsão. O caso está sendo tratado pela comissão de ética.
A responsabilidade de combater a violência política precisa ser dos homens também
Juçara - Inclusive, a gente fez a denúncia ao Ministério Público à revelia da vítima. O fato relatado é de dezembro de 2022, mas a denúncia chegou ao PT em setembro deste ano. E quando chegou, a providência foi a seguinte: na primeira reunião da executiva abriu-se o envelope com a denúncia tomando-se a providência de ir ao MP. Não se pode calar quando se tem ciência de um acontecimento dessa natureza e dessa gravidade.
O que presidiu as ações do partido foi assegurar um processo que não causasse mais dramas, circunstâncias que não agravassem uma situação e imediatamente tomar a providência cabível. O partido não podia fazer um boletim [de ocorrência] porque não tinha materialidade. Mas tinha a denúncia e no MP foi possível fazer.
Regina - Para além deste caso específico, precisamos construir espaços auto-organizados das mulheres do partido. Para que possa haver a constituição de redes de solidariedade e que se possa formular que tipo de políticas queremos alcançar.
BdFRS - Para além da formação de mulheres, parece que precisamos trazer mais informação para os homens.
Anne - É o passo seguinte. A responsabilidade de combater a violência política não é só das mulheres, precisa ser dos homens também.
Tenta ser feminista nos anos 1980 no sindicato para ver como você seria tratada...
BdFRS - Estamos falando de mudança de cultura. Era muito natural para os homens dar cantada, dar em cima. Para eles, é afirmação do macho.
Regina - Há pouco tempo, não eram todas as mulheres que se reivindicavam feministas mesmo dentro do PT. E reconhecer quando se sofre uma violência só é possível a partir do momento que você tem uma formação feminista, feita por mulheres entre mulheres. O passo é inclusive de reconhecimento. Eu ser feminista, uma jovem em 2023, é muito fácil. Tenta ser feminista nos anos 1980 no sindicato para ver como que você seria tratada...
BdFRS - Já tem um mapeamento de quantas mulheres vão ser candidatas?
Suelen - Elegemos 92 em 2020. Porém, algumas foram ascendendo como secretárias, assumiram outros postos. Em alguns municípios houve rodízio entre homens e mulheres. Então, já chegamos a 114 mulheres do PT assumindo a vereança em algum momento.
No Rio Grande do Sul, foi a nossa maior bancada feminina e feminista do PT. Foi uma eleição que ocorreu durante a pandemia. Tivemos 969 mulheres candidatas e elegemos 10% delas. Foi fruto de muito trabalho.
Em 2024, a meta obviamente é poder avançar mais, em mais diretórios. Nossa meta também seria avançarmos para as majoritárias. Tivemos prefeitas do PT na última década. Na eleição de 2020, não elegemos nenhuma (nova) porque já eram reeleitas as nossas duas prefeitas.
Queremos eleger mais mulheres negras do que elegemos em 2020 quando elegemos 21 no Rio Grande do Sul. Das 92 eleitas, 21 eram negras, algumas com candidaturas coletivas. Elegemos candidaturas de juventude e duas mulheres trans.
Queremos mostrar a cara da diversidade das mulheres do PT gaúcho no próximo período e o projeto é fundamental. Elas sentem essa retaguarda institucional, sabem que não estão sós no enfrentamento político.
(*) Colaborou Fabiana Reinholz
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Ayrton Centeno