O Brasil de Fato teve acesso a uma investigação da Polícia Federal sobre suspeita de compra de votos para o hoje ministro do Esporte, André Fufuca (PP), durante as eleições de 2018. Nela, foi encontrada troca de mensagens que mostra que, anos antes de cogitar virar ministro da pasta - indicado pelo centrão -, Andre Fufuca teria contado com o apoio de pessoas que chegaram a oferecer chuteira de futebol em troca de voto.
É o que revelam conversas de Whatsapp encontradas no celular de Caio Rubens Vieira da Silva, que escondeu uma sacola de dinheiro em um bueiro ao se deparar com agentes da Polícia Federal investigando denúncia de compra de votos para André Fufuca no interior do Maranhão um dia antes do primeiro turno das eleições de 2018. Naquele ano, Fufuca era deputado federal pelo PP e conseguiu se reeleger.
No dia da batida da polícia, Caio e seu pai, o empresário Francisco Vieira da Silva, dono de uma loja de carros, foram levados para depor após serem flagrados com a sacola de dinheiro em uma caixa de santinhos de Fufuca. O celular do empresário estava todo apagado, de forma que a PF não conseguiu encontrar nada nele. Mas no aparelho de seu filho os agentes encontraram diálogos que expõem a negociação por votos, segundo a PF.
Na conversa de Whatsapp de 1º de outubro, na semana final da eleição, Caio Vieira recebeu um pedido de compra de uma chuteira de um interlocutor que não estava salvo na agenda dele. "Você é algum parente desses deputados ou algo assim?", pergunta o interlocutor.
Caio responde: "Por que pergunta?". "Pq (sic) to precisando de um tênis de futsal para jogar o estadual. Se vc (sic) me ajudar nisso lhe ajudo tbm (sic). Nos 3 representantes seus", segue o interlocutor. Caio pergunta o valor do tênis e ao ser informado que seria R$ 200 pede a numeração do tênis do interlocutor e afirma "vou arranjar".
No relatório da Polícia Federal não fica expresso quais seriam os três representantes aos quais o interlocutor faz referência, mas a PF localizou outro diálogo de Caio no mesmo período, em um grupo com outros cinco eleitores, no qual ele pede votos em troca de dinheiro para os então candidatos André Fufuca (deputado federal), Hemetério Weba (candidato a deputado estadual pelo PP) e Weverton Rocha (candidato a senador pelo PDT). Dos três, formalmente, apenas Fufuca consta como investigado pela Polícia Federal no inquérito.
"Fechou então. Vc vai arrumar q dia?", pergunta o interlocutor ao que Caio avisa que vai estar na cidade sábado, justamente o dia 6 de outubro daquele ano, e que vai comprar a chuteira. No sábado, o interlocutor volta a cobrar Caio logo cedo, às 8h34 da manhã "Iae (sic) Vamos ver isso q hrs? Tô contando com isso pra jogar o campeonato", afirmou.
Caio, segue afirmando que iria atrás da chuteira na rua assim que chegasse em Santa Luzia, mas ele só avisou que chegou na cidade quando já eram 18h30. "E agora??, como vai ser", pergunta o interlocutor. "Vou ver aqui como faço", afirma Caio. O interlocutor, então, sugere que Caio lhe dê o dinheiro para ele comprar, Caio concorda com a ideia, mas afirma que não pode dar muito.
Ao final, o interlocutor aceita receber R$ 50: "100 reais tá muito. Chuteira rainha é 70. Vou te dar 50", afirma Caio, ao que o interlocutor responde "blz(sic)". No relatório a PF não detalha se foi confirmada ou não a entrega do dinheiro. A reportagem tentou contato com o telefone do interlocutor de Caio na conversa, mas a chamada não completava.
Grupo para compra de votos
Em outra conversa, desta vez com um interlocutor identificado na agenda de Caio como "Emanuel Maezinha", os dois decidem reunir um grupo de pessoas interessadas em ganhar dinheiro na eleição para votarem nos indicados de Caio. Nas conversas dentro do grupo criado, Caio chega a pedir os títulos de cada um e também para ver "no sistema se realmente votaram nos candidatos", sem detalhar como isso seria feito.
Como o voto é secreto, e filmar ou fotografar dentro da cabine de votação configura crime eleitoral que pode levar a até dois anos de detenção. Na conversa com Emanuel, Caio chega a afirmar que conseguira consultar os votos de cada um no "sistema". Nos autos da investigação não há nenhum indício de que ele tenha feito isso.
A conversa entre Caio e Emanuel que levou à criação do grupo começou em 14 setembro, a menos de um mês da votação naquele ano. Emanuel pergunta a Caio "Como faz pra ganhar dinheiro ai? Do voto", ao que o jovem responde: "Vou ajeitar, deixa chegar mais perto". "Blz(sic) então. Era só pra lembrar mesmo", afirmou Emanuel.
No dia 27 daquele mês, Emanuel retoma o assunto e Caio pede para ele: "ajeita ai a glr (sic) que quer ganhar. Pra Votar". Emanuel pergunta o que vai precisar e se Caio estará em Santa Inês, município do interior do estado, no dia da votação. Caio, então, passa as orientações para o amigo "comprovar os títulos e no dia tem q filmar na hora da votação. Pra comprovar q votou(sic)".
Emanuel, então, pergunta "só vai dar o dinheiro no dia?" e Caio responde "claro". No diálogo ele confirma que estará em Santa Inês no dia da votação. O município de Santa Inês fica a 46 km da cidade de Santa Luzia, também no interior do Maranhão e onde Caio e outros dois suspeitos, incluindo seu pai, foram flagrados pela PF com santinhos da campanha de Fufuca e uma sacola de dinheiro em espécie.
A conversa avança e, no dia primeiro de outubro, na semana da votação, Emanuel afirma que vai criar o grupo. Caio pede para ele juntar pessoas que queiram ganhar dinheiro. "Chama geral, coisa certa, pra ganhar dinheiro", afirmou.
'O pessoal só paga 20, eu tô pagando mais'
O grupo, então, é criado com cinco pessoas e, na sequência de mensagens, fica exposta a negociação do preço dos votos entre Caio e outros interlocutores que não são identificados pela Polícia Federal. Naquele mesmo, dia, Caio afirma que o valor seria R$ 30, e passa as orientações. "Só vão precisar mandar a foto do título, pra comprovar q vota (sic). E no dia ver no sistema se realmente votaram nos candidatos".
Na conversa não fica claro qual seria o sistema e como Caio iria checar para comprovar os votos de cada pessoa. A PF não avança sobre isso no relatório e não há nenhum indicativo na investigação de que Caio conseguiria, de fato, ver em quem cada pessoa votou.
Após passar as instruções, às 13h35 Caio encaminha imagens de três santinhos de candidatos que eles deveriam votar: o candidato a deputado estadual do PP, Hemetério Weba, o candidato a federal pelo PP, André Fufuca e o a senador pelo PDT, Weverton Rocha.
Ao verem a imagem do material de Weverton Rocha, porém, alguns interlocutores indicam que não topariam votar nele também pelo preço de R$ 30. "Desculpa, nesse eu não voto", afirmou um dos participantes do grupo, que não é identificado no relatório da Polícia Federal.
Ele chega a ameaçar deixar o grupo, o que faz Caio ceder e pedir para os integrantes do grupo votarem somente nos dois candidatos a deputado estadual e federal que ele já havia indicado. "Eu pensava que era só 1", afirmou um interlocutor do grupo. "Rapaz, só deputado federal e estadual", respondeu Caio. "Podia ser 50 os dois", segue o interlocutor, ao que Caio comenta "o pessoal só paga 20, eu q to pagando mais (sic)".
O interlocutor retruca e diz que "tem um que deu pra minha mãe 50. Só 1". O diálogo avança e Caio acaba concordando em propor R$ 50 para os votos em Fufuca e Hemetério Weba. Ao final eles acabam combinando de se encontrar na casa do Emanuel, no domingo da eleição, para fazer os acertos. No relatório a PF se detém somente a analisar as conversas e não avança sobre se o encontro deu certo. O próprio Caio teve o aparelho celular apreendido pela PF um dia antes do encontro combinado.
A análise das conversas foi feita pela Polícia Federal somente em 11 de julho de 2019, quase um ano após o aparelho celular de Caio ser apreendido. A reportagem tentou contato com o telefone de Emanuel, mas a chamada não foi completada.
Procurado pela reportagem, o advogado Willey Azevedo, que representa Francisco Vieira e seu filho Caio Vieira informou que todas as provas produzidas pela Polícia Federal seriam irregulares, pois os celulares foram apreendidos sem ordem judicial e que todos as ilicitudes da ação da PF seriam questionadas no momento oportuno.
Edição: Rodrigo Durão Coelho