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Conselheiros tutelares eleitos podem ser impugnados por não terem comprovado conclusão do ensino médio

Nomes teriam relação com a Igreja Universal do Reino de Deus, que nega envolvimento com a eleição

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Em seu edital, a eleição determinava como requisito fundamental a apresentação do diploma do Ensino Médio - Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Em 2023, a principal novidade na eleição para os Conselhos Tutelares foi a exigência de apresentação do diploma de conclusão do Ensino Médio como pré-requisito para candidatar-se ao cargo. Uma investigação do Brasil de Fato, porém, mostra inconsistências no documento comprobatório apresentado por dois candidatos da cidade de São Paulo para conseguir concorrer no pleito. 

Maria Auxiliadora Pereira, eleita no Jaraguá, com 897 votos, e Manoelito da Silva Almeida, que teve 1.550 votos e foi eleito no Grajaú. A reportagem consultou os registros escolares dos candidatos na Secretaria Escolar Digital (SED) e confirmou que eles não concluíram o ensino médio. A informação também foi corroborada pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por meio da assessoria de imprensa do órgão.

A exigência do diploma de conclusão do ensino médio no pleito para os conselhos tutelares ocorreu pois o cargo exige, por exemplo, a produção de relatórios e planilhas. No modelo anterior, havia conselheiros com dificuldades para executar esse tipo de tarefa, o que comprometia a sua atuação na defesa do direito das crianças e adolescentes.

Neste ano, a cidade de São Paulo teve 1.242 candidatos para ocupar as 260 vagas aos Conselhos Tutelares. Entre eles está uma candidata da zona leste, que não foi eleita e que no texto terá o nome fictício de Ana Silva.

De acordo com a candidata derrotada, a prática pode não ter sido isolada. "Isso é revoltante, tiraram a vaga de pessoas que se prepararam e tinha currículo para a disputa, gente com histórico de serviços prestados em suas comunidades, é uma vergonha."

Acusações contra a Universal

Silva afirma que a fraude pode ter sido usada por outras candidaturas e que, entre os candidatos que teriam fraudado o certificado de conclusão do ensino médio, Maria Auxiliadora Pereira e Manoelito da Silva Almeida seriam ligados à Igreja Universal do Reino de Deus.

"São pessoas que frequentam a igreja, fazem trabalho lá dentro, e que foram preparados para ocupar esse espaço. Seus nomes são falados e defendidos pelos pastores. Pelo que soubemos, essa prática de fraudar o diploma é 'uma prática da igreja'", denuncia Silva.

O Brasil de Fato entrou em contato com a Igreja Universal e informou sobre a acusação. Em resposta, a igreja afirmou que "sobre eleições, ela faz o papel de orientar que o cristão exerça a cidadania, que é um dever e direito de todos" e que acusação contra a congregação teria "o objetivo real é motivado por preconceito religioso ou ativismo político – que é o que temos visto nessa eleição de conselheiros tutelares". Leia aqui a nota completa

Na eleição ao Conselho Tutelar em São Paulo, a Igreja Universal do Reino de Deus foi alvo de 70 denúncias de um total de 270 recebidas pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, organizadora do pleito.

Entre as acusações estava a de contratação de transporte particular para que eleitores comparecessem às áreas de votação. Em 4 de outubro deste ano, dois dias após a eleição dos conselheiros tutelares, o Brasil de Fato divulgou um vídeo em que obreiros da Universal do Reino de Deus distribuem colas eleitorais com números de candidatos.

Os dois mostram a ação dos obreiros da Universal do Reino de Deus nas unidades da rua Antonella de Messina, no Tremembé, e rua Benjamin Pereira, no Jaçanã, ambos na zona norte da capital paulista, orientando os fiéis sobre onde e em quem votar. As ações ocorreram após a realização do culto.

Para Ariel de Castro Alves, ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e especialista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os candidatos estão inaptos para o cargo.

"Essa falta de idoneidade torna incompatível o exercício da função. Se eles falsificaram certificado de curso podem falsificar documentos do conselho, gerando riscos às crianças e adolescentes. Além disso, eles não terão capacidade para redação de requisições e representações", explicou Alves. 

Prefeitura passa a bola para o MP

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, informou que o prazo administrativo para apresentação de denúncia se esgotou no dia 4 de outubro e que "cabe ao Ministério Público averiguar as denúncias posteriores ao prazo estabelecido pelo edital e esse pedido pode ser encaminhado por qualquer interessado, se for o caso."

"Nos casos de denúncia sobre fraude documental, a Comissão Eleitoral adotou o procedimento de averiguar e reanalisar os documentos de inscrição apresentados. Caso a documentação estivesse de acordo, a denúncia era julgada improcedente. É preciso deixar claro, que a Comissão não possui poder de polícia ou de investigação, cabendo ao Ministério Público esta competência", informou a Prefeitura de São Paulo. Confira a nota completa

Caso a denúncia chegue ao Ministério Público, o caso será investigado e o órgão pode determinar a impugnação da eleição dos dois candidatos, que seria efetuada via Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

O Brasil de Fato não conseguiu localizar Maria Auxiliadora Pereira e Manoelito da Silva Almeida. O espaço está aberto para manifestações posteriores à publicação da matéria. Caso o façam, o texto será atualizado.

Edição: Thalita Pires