PESADELO AMERICANO

O sonho da casa própria está cada vez distante nos Estados Unidos

Com juros altos e valores elevados, comprar uma casa nunca foi tão difícil no país

Brasil de Fato | Nova York (EUA) |
Para quem vive de aluguel o cenário também está difícil: em Nova York, o aluguel médio bateu o recorde de US$ 5.600 mensais. - PEXELS

Comprar um imóvel nos Estados Unidos está caro. Muito caro. O sonho da casa própria se torna, cada vez mais, um sonho distante, sobretudo para as gerações mais jovens.

De acordo com o Departamento de Habitação dos Estados Unidos, o preço médio das casas vendidas no país subiu quase 63% em 10 anos, saltando de US$ 265.000 em 2013 para US$ 431.000 em 2023. De acordo com os especialistas, há dois grandes vilões nessa história: a inflação e a alta taxa de juros.

O impacto dos juros altos

Ainda que muito abaixo da taxa básica brasileira, de 12,25%, os juros nos EUA subiram de 0,25% em março de 2022 para 5,5% em julho de 2023. Juros tão altos não são vistos no país há mais de duas décadas. Nos últimos quatro meses, a taxa se manteve, mas segue alta demais para que proprietários queiram mudar de casa.

Suzanne Hollander, professora, advogada imobiliária e corretora de imóveis no sul da flórida que já ministrou cursos na IBMEC, em São Paulo, explicou a situação ao Brasil de Fato.

“Taxas altas estão fazendo com que proprietários não queiram vender e se mudar”, diz Suzanne. “Esse fenômeno é chamado de ‘algemas douradas’. É como se tivessem suas mãos algemadas. Eles não podem ou não querem vender, porque mesmo se venderem a um preço elevado, e se forem comprar, comprarão o novo imóvel a um preço alto e os juros serão mais altos do que aqueles que tiveram acesso há anos atrás."

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O objetivo das altas taxas de juros, segundo o Federal Reserve (FED), o Banco Central estadunidense, é combater a inflação. O FED quer que o índice, que atualmente está em 3,7%, chegue a 2% ao ano. 

A justificativa é de que, com os auxílios financeiros dados pelo governo durante a pandemia, o aumento da procura por bens e serviços sobreaqueceu a economia, levando a inflação de 1,4% em janeiro de 2021 para 9,1% em junho de 2022.

O efeito pandemia

Esse, porém, não é o único papel da Covid-19 na crise atual. Itzhack Ben-David, professor da Universidade Estadual de Ohio, falou com a reportagem sobre o assunto.

“Nós tivemos a escassez nos mantimentos”, diz Itzhak.“Se voltarmos a 2020, 2021, você vai se lembrar que existia uma falta de madeira para novas construções, assim como outros materiais. E tudo isso fez com que a construção de novas casas ficasse mais cara, o que eventualmente afeta o mercado secundário de casas já existentes, e esse mercado também fica mais caro."

A crise na cadeia de mantimentos é outra responsável pela inflação em todo mundo. Com a produção sendo afetada pelas medidas de controle da transmissão do Coronavírus, a oferta de produtos caiu, elevando assim os preços.

Aluguel nas alturas

A situação também não está  fácil para quem paga aluguel. Em janeiro de 2020, o valor médio mensal para um imóvel de 2 quartos no país era de US$ 1.093, hoje o mesmo imóvel custa em média US$ 1.320 mensais. 

Em grandes cidades a situação é ainda pior. Em agosto, Nova York bateu o recorde histórico, com aluguel médio de US$ 5.600 de acordo com um levantamento feito pelo Douglas Elliman and Miller Samuel.

Desde o dia 5 de setembro deste ano, passou a valer, na maior cidade do país, uma lei que proíbe o aluguel de apartamentos inteiros no Airbnb, ou outras plataformas de aluguel online, por menos de 30 dias. A medida tem como objetivo adicionar novos imóveis no mercado e tentar conter a alta dos preços.

Para além disso, a maior dificuldade para comprar imóveis vem aumentando a busca por alugueis. “O valor médio de uma hipoteca hoje é aproximadamente 52% maior do que o de um aluguel, então muita gente está decidindo alugar, ou é a única alternativa”, explica Suzanne Hollander.

A advogada e corretora da Flórida explica ainda que outra situação está se tornando comum: “A gente também está vendo um outro fenômeno, no qual as pessoas não estão se tornando proprietárias e nem alugando, mas sim se mudando para a casa dos pais ou de amigos para que possam poupar e melhorar o crédito para que um dia possam comprar um imóvel”.

Dados divulgados recentemente pelo FED mostram que a inflação segue em queda. Para analistas do mercado, isso é indício que os juros devem diminuir no primeiro semestre do ano que vem.

Ben-David, porém, alerta que o problema deve persistir e que novos fatores devem afetar negativamente os preços das casas em um futuro não muito distante.

“Eu pensaria que a inflação e os juros são as principais causas”, afirma o professor. "Em certo ponto a gente deve começar a ver o efeito das mudanças climáticas. Essa também é uma possibilidade, ainda mais em áreas relativamente baixas e próximas do Atlântico ou do Pacífico. Isso deve impactar os preços no mercado imobiliário."

Edição: Leandro Melito