Terror. É esse o sentimento em Maceió e em outros municípios alagoanos nos últimos cinco anos, desde que foram localizadas as primeiras rachaduras em imóveis causadas pelo afundamento do solo devido à exploração do sal-gema, mineral retirado do solo da capital do estado pela Braskem. O caso voltou às manchetes nos últimos dias, depois que a prefeitura de Maceió decretou estado de emergência em virtude do risco de colapso da mina.
O Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) tem acompanhado o desenrolar da tragédia, ao lado das famílias atingidas pelo crime. A cada ano, aumenta o número de bairros e famílias diretamente impactadas – cerca de 60 mil pessoas tiveram de deixar suas casas. Muitas, sem ter pra onde ir.
Em conversa com o Brasil de Fato, a pesquisadora e mestranda em direitos humanos Rikartiany Cardoso, integrante do movimento e moradora de Maceió, disse que a realidade local é de "crimes, no plural" e violações, que atingem não só a população, mas também o ecossistema, o mar e as lagoas da região.
"Alagoas, não só Maceió, vive um contexto, um clima e uma realidade de contínuas violações de direitos humanos. Todos os direitos humanos que hoje estão pacificados, não só em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como assegurados constitucionalmente. A gente tem o direito à cidade violado, assim como direito a moradia digna, trabalho digno, educação", resumiu. "São diversas cidades que sofrem diretamente. Então os últimos cinco anos de Alagoas, não só de Maceió, são anos de terror, não são anos de estabilidade."
Segundo o MAM, o número total de pessoas indiretamente afetadas passa dos 200 mil. Mesmo pessoas que não vivem nos locais diretamente atingidos estão tendo de lidar com as consequências. Muitos postos de trabalho foram perdidos com o fechamento de estabelecimentos comerciais de diversos setores. Escolas foram fechadas.
Até o momento, a Braskem não foi responsabilizada judicialmente pelos crimes cometidos, embora tenha feito acordos com o poder público para pagamento de indenizações de valores muitas vezes insuficientes para cobrir os prejuízos. Pessoas de baixa renda são a maior parte das vítimas, e há denúncias de racismo ambiental.
"O crime sócio ambiental mineral de Maceió é atravessado pelo capital mineral e pelo racismo ambiental. Essas comunidades, principalmente as que ainda não se encontram dentro do mapa de risco, as que estão no que nós pesquisadores chamamos de 'borda', elas são compostas quase totalmente por negros e negras, trabalhadores e trabalhadores informais, com baixo nível de escolaridade e com essa negativa a acesso a direitos como educação, saúde e trabalho digno", destacou Rikartiany Cardoso.
O afundamento
O problema começou em 2018, quando começaram a ser sentidos os efeitos da extração de sal-gema (que pode ser usado em cozinha e para produção de produtos como plástico do tipo PVC e soda cáustica). Cinco bairros da capital alagoana tiveram afundamento de solo devido à extração do mineral, que é formado no subsolo, a cerca de mil metros da superfície.
Apesar de não ter havido mortes diretas, cerca de 60 mil pessoas tiveram de ser removidas de suas casas devido aos riscos de desabamentos. Muitas construções foram demolidas. Estudos apontam que o caso é a maior tragédia socioambiental em zona urbana no mundo.
A escavação para exploração das jazidas de sal-gema pela Braskem na capital alagoana durou cerca de 40 anos. O afundamento aconteceu pois a região tem uma falha tectônica. A consequência foi o afundamento do solo nos bairros de Bebedouro, Bom Parto, Farol, Mutange e Pinheiro, além da localidade de Flexal.
Em nota enviada à Agência Brasil, a Braskem disse que monitora a situação da mina e desde a última terça-feira (28) e isolou a área de serviço da empresa, onde são executados os trabalhos de preenchimento dos poços. "Os dados atuais de monitoramento demonstram que o movimento do solo permanece concentrado na área dessa mina", informou.
A empresa diz que também está apoiando a realocação emergencial dos moradores que ainda resistem em permanecer na área de desocupação e segue colaborando com as autoridades.
Edição: Nicolau Soares