Mineração

Maceió: famílias isoladas aguardam inclusão no programa de compensação da Braskem para serem realocadas

Moradores do bairro Flexal dependem de atualização do mapa de criticidade da Defesa Civil do município

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Bairros com risco de afundamento desocupados em Maceió devido à atividade mineradora da Braskem - Gésio Passos/Agência Brasil

A qualquer momento, a área da mina número 18 da petroquímica Braskem no bairro do Mutange, em Maceió (AL), pode desabar, segundo a Defesa Civil do município. O último boletim do órgão, publicado às 17h deste domingo, informou que a mina já afundou 1,7m, com um movimento de três centímetros por hora. 

A mina 18 é uma das 35 cavidades abertas pela Braskem para a exploração e extração de sal-gema, um cloreto de sódio que pode ser usado em cozinha e para produção de plástico do tipo PVC e soda cáustica. A mina está às margens da lagoa Mundaú e a cerca de cinco quilômetros do centro do município. 

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Em nota, a Braskem informou que os moradores 23 imóveis que estão no mapa de criticidade da Defesa Civil do município já foram realocados pelo órgão após determinação judicial. Mas residentes de outros locais que sofrem com os impactos mineração da Braskem, como o bairro do Flexal, não estão no mapa e, por isso, não foram incluídos no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF) da empresa. 

Em 30 de novembro, a Justiça Federal de Alagoas determinou que a Braskem tome providências para atualizar o programa, depois que a Defesa Civil incrementou o mapa de criticidade da região. O mapa, no entanto, ainda não abarca todas as famílias atingidas. Por isso, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL) e a Defensoria Pública da União (DPU) também pediram que a Prefeitura de Maceió faça novas atualizações, junto com um plano de comunicação para assegurar o direito à informação adequada para os afetados.  

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Junto ao bairro de Mutange situam-se os bairros Bom Parto e Flexais. Os habitantes deste último estão isolados desde 2019, quando os moradores de Mutange foram evacuados de suas residências. O acesso a essas áreas só é possível atravessando as regiões que se transformaram em "bairros fantasmas" após o deslocamento da população. 

No último sábado (1º), os moradores de Flexais fizeram uma manifestação para reclamar da falta de acordo de compensação para sair do local, que está diretamente relacionado ao mapa da Defesa Civil.  

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Neirevane Nunes Ferreira de Souza, coordenadora do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem, a atualização do mapa e da lista das famílias incluídas no PDF são importantes para garantir realocação e indenização a essas pessoas. 

"Elas sendo incluídas no mapa de criticidade, elas automaticamente entram no plano de compensação da Braskem. E o juiz federal, seguindo esse encaminhamento também do MPF, fez o mesmo encaminhamento, a mesma solicitação", afirma Souza, que foi removida de sua residência, em Bebedouro, há três anos. 

"Estamos na expectativa, porque a nossa maior preocupação agora, entre as frentes de luta, é que essas comunidades sejam removidas, mas da forma correta, que sejam inclusas no plano de compensação da empresa, para que sejam realocadas com a sua indenização garantida", disse ao Brasil de Fato. 

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Maurício Sarmento afirma que não existe um plano para a retirada dos moradores das comunidades de Flexal de Cima e Flexal de Baixo. "Temos que sair daqui, não pode ter tratamento diferenciado com outras áreas que já estão afetadas. Não aceitamos ir para abrigos públicos, pois o que aconteceu aqui não foi um acidente, foi um crime. Queremos sair daqui com dignidade e com indenização justa", disse Sarmento à Agência Brasil. 

A dona de casa Malbete dos Santos Correia, de 54 anos, afirmou que considera sair da residência mesmo sem proteção legal, devido ao risco iminente de desabamento. "Estou pensando em sair, mesmo sem proteção nenhuma, porque como estou vivendo não é jeito de ninguém viver. A gente não vive mais, não estamos dormindo nem nos alimentando, aqui não tem açougue, padaria, farmácia, mercadinho, não tem nada", afirma. 

A exploração subterrânea de sal-gema está em curso em Maceió há quatro décadas. Ao todo, existem 35 minas dedicadas a essa exploração, cujas operações foram interrompidas em 2019. Cerca de 60 mil pessoas foram deslocadas dos bairros impactados devido a essa atividade

Segundo o governo de Alagoas, somente em novembro cinco abalos sísmicos foram registrados na região. O colapso da área da mina número 18 pode levar à formação de grandes crateras e levar a um efeito cascata em outras regiões.

Em um estudo publicado pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), na última semana, aponta para uma pesquisa publicada na revista científica Geophysical Journal International, que "mostrou que a exploração do sal-gema pela Braskem estava provocando aumento do nível do lençol freático na região. Esse aumento de pressão poderia causar o afundamento do solo".

"Em 2011, outro estudo, publicado na revista científica Engineering Geology, chegou à mesma conclusão. Os pesquisadores estimaram que o afundamento poderia atingir até 1,5 metro em algumas áreas da cidade", diz o texto da Ufal. 

Outro lado 

Em nota enviada à Agência Brasil, a Prefeitura de Maceió informou que disponibilizou abrigos para acolher a população de forma emergencial e solicitou apoio ao governo federal. "A Prefeitura reafirma o compromisso em cobrar de todos os envolvidos, incluindo a Braskem, que todos os direitos da população afetada sejam garantidos", informou. 

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O prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), responsabilizou a empresa pelo ocorrido. "A empresa Braskem começou a operar em Maceió na década de 1970. De lá pra cá, essa exploração predatória continuou de forma agressiva. Faltou fiscalização por parte dos órgãos competentes de maneira mais contundente", disse em entrevista à CNN Brasil neste domingo (3). 

Segundo JHC, como também é conhecido, "a municipalidade não tem competência direta sobre autorizações e fiscalizações da atividade da Braskem e, por isso, o município também acaba sendo vítima de toda essa tragédia. Agora precisamos agir diariamente para poder mitigar todos os danos". 

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A Braskem também comunicou, por meio de nota à Agência Brasil, que está implementando as 23 medidas socioeconômicas estabelecidas no Projeto Integração Urbana e Desenvolvimento dos Flexais, a fim de revitalizar a dinâmica socioeconômica da região situada fora do perímetro de desocupação e monitoramento determinado pela Defesa Civil. A área foi identificada em estudos em situação de isolamento socioeconômico após a evacuação de parte das propriedades nos bairros vizinhos, como Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Farol. 

Edição: Thalita Pires